Inspirados em 'O Homem Invisível', cientistas criam camundongo transparente; veja como é
Descoberta abre caminho para inovações na Medicina, como a detecção precoce do câncer de pele e retirada de sangue para exames
No livro O homem invisível, escrito por H.G. Wells em 1897, o protagonista cria um soro capaz de alterar os índices de refração da luz e, dessa forma, fazer com que todas as células de seu corpo fiquem transparentes.
Mais de 100 anos depois, cientistas descobriram uma versão real da substância imaginada pelo escritor de ficção científica: trata-se de um corante amarelo comumente usado pela indústria de alimentos em salgadinhos e balas. Usando essa substância, os pesquisadores conseguiram fazer com que a pele de um camundongo ficasse temporariamente transparente, permitindo ver os seus órgãos internos em funcionamento. O trabalho foi publicado na revista Science.
A descoberta pode revolucionar a pesquisa biomédica, sobretudo se o efeito constatado nos camundongos for observado também em seres humanos. As aplicações na Medicina são inúmeras. Tornar o diagnóstico de câncer de pele mais precoce, facilitar a retirada de sangue para exames, e ajudar na administração de fluidos são apenas algumas delas.
No trabalho, os cientistas conseguiram fazer com que a pele da cabeça e da barriga de camundongos vivos ficasse transparente aplicando uma mistura de água com o corante amarelo chamado tartrazina. O pelo dos camundongos foi retirado previamente. Depois de retirada a solução da pele dos animais, a transparência desaparecia.
"Para aqueles que entendem alguns princípios básicos da Física, faz todo o sentido; mas para quem não está familiarizado, parece mesmo um truque de mágica", afirmou o principal autor do estudo, Zihao Ou, professor de física na Universidade do Texas em Dallas, em um comunicado à imprensa.
Na verdade, não existe mágica alguma, apenas alguns princípios básicos da óptica, o ramo da Física que estuda a interação da luz com os objetos. As moléculas do corante absorvem mais luz fazendo com que ela passe através da pele, e suprimindo a capacidade natural do tecido de refletir a luz. O corante, quando misturado com água, tem o seu índice de refração alterado - uma medida que indica a forma com que a substância refrata a luz.
"Nós combinamos a tinta amarela, que absorve a maior parte da luz, especialmente azul e ultravioleta, com a pele, que é um meio refletor", explicou Ou. "Quando colocamos as duas coisas juntas, conseguimos a transparência na pele do camundongo."
Quando a tinta está totalmente espalhada na pele, ela se torna transparente. "Leva alguns minutos para a transparência aparecer", explicou o cientista. "Depende de quão rápido a pele absorve as moléculas da tinta."
Os cientistas testaram o experimento em peitos de frango antes de conduzi-lo em animais vivos.
Nos camundongos, os cientistas conseguiram observar os vasos sanguíneos do cérebro, através da pele da cabeça. Os órgãos internos dos camundongos também ficaram visíveis em seu abdômen, bem como as contrações musculares, e o caminho percorrido pelos alimentos no trato digestivo dos animais.
Os pesquisadores ainda não testaram a experiência em seres humanos, e não sabem ainda qual seria a dosagem necessária de corante. A pele humana é cerca de dez vezes mais grossa do que a de um camundongo.
"Olhando para frente, essa tecnologia pode deixar as veias mais visíveis, facilitando processos de retirada de sangue para exames ou administração de fluidos, especialmente em pacientes idosos, cujas veias são difíceis de localizar muitas vezes", afirmou o professor Guosong Hong, da Universidade de Stanford, co-autor do estudo, em entrevista à CNN.
"Mais do que isso, essa inovação pode ajudar na detecção precoce de células cancerígenas, aprimorar a penetração da luz em tecidos para alguns tratamentos, e até facilitar a retirada de tatuagens com laser."
Já existem métodos de tornar o tecido da pele transparente, mas as soluções usadas têm efeitos colaterais sérios, como desidratação e inchaço, e pode até mesmo alterar a estrutura dos tecidos.
Os cientistas afirmaram que a descoberta é um bom exemplo de como a vida pode imitar a arte, citando O homem invisível.
"O protagonista inventa uma solução que deixa todas as células de seu corpo transparentes alterando o seu índice de refração para que ficasse igual ao do ambiente a sua volta", escreveram. "Cento e vinte e sete anos depois um corante biocompatível deixou tecidos vivos transparentes ao igualar o índice de refração do ambiente ao das células dos camundongos."
Mas ainda não dá para deixar os camundongos completamente invisíveis. A solução desenvolvida não conseguiu ainda deixar os ossos transparentes.