James Webb: por que a Agência Espacial Europeia lança seus foguetes da América do Sul
Centro espacial de Kourou, localizado na Guiana Francesa, possui localização estratégica que lhe permite levar a cabo todas as missões espaciais possíveis.
Trata-se de um pequeno território na América do Sul continental, com apenas 83.846 quilômetros quadrados, área equivalente à de Santa Catarina.
Mas dentro de suas fronteiras, está um dos centros espaciais mais importantes da Europa: Kourou, administrado conjuntamente pela Agência Espacial Europeia (ESA), o Centro Nacional Francês de Estudos Espaciais (CNES) e a empresa Arianespace.
A Guiana Francesa, com cerca de 259.109 habitantes e uma densidade populacional muito baixa, tem papel chave na corrida espacial, não só da Europa, mas também do mundo.
Foi dali que o James Webb, o maior telescópio espacial da história, decolou no sábado (25/12) a bordo do foguete Ariane 5.
Considerado o sucessor do Telescópio Espacial Hubble da Nasa (agência espacial dos Estados Unidos), o James Webb foi projetado para olhar mais fundo no universo e, como consequência, detectar eventos que ocorreram há muito tempo, mais de 13,5 bilhões de anos atrás.
Cientistas também esperam usar suas capacidades mais avançadas para estudar a atmosfera de planetas distantes, na esperança de detectar sinais de vida.
Com um custo de US$ 10 bilhões (R$ 57 bilhões), o James Webb, que demorou 30 anos para ser construído, é liderado pela Nasa em conjunto com a ESA.
Webb tem como destino uma estação de observação a cerca de 1,5 milhão de quilômetros da Terra. Nessa viagem, que deve durar um mês, o telescópio vai acionar seu espelho primário de 6,5 metros de diâmetro e um escudo para proteger suas observações do cosmos da luz e do calor do Sol.
O objetivo é obter imagens dos primeiros objetos que se formaram após o Big Bang.
E tudo será administrado a partir da sala de controle localizada em Kourou.
"Posso dizer que (o centro espacial europeu) tem uma das melhores localizações do mundo em termos de adequação para lançamento ao espaço", diz Julio Aprea, um dos gerentes da missão, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
A história de Kourou
Em 1964, a França teve que escolher um local para lançar seus satélites. O país europeu não tinha mais a Argélia, que se tornara independente em 1962.
Quatorze locais foram analisados até que os especialistas escolheram Kourou, uma cidade na Guiana Francesa localizada a cerca de 55 km da capital, Caiena, e a 500 km da linha do Equador.
Foram muitos os aspectos avaliados, desde históricos, políticos e até técnicos.
Essa região, habitada por colonos europeus desde o século 17 e que já foi um centro penal, tornou-se oficialmente um departamento ultramarino da França em 1946.
O aspecto geopolítico é de considerável importância. Apesar de estar no nordeste da América do Sul, a Guiana Francesa é parte da França — sua língua oficial, portanto, é o francês e sua moeda, o euro. Isso simplifica as coisas.
Finalmente, em 1975, o governo francês tomou a decisão de compartilhar seu Centre Spatial Guyanais com a recém-criada ESA.
Mas é sua posição estratégica no mapa que é ideal para cientistas e engenheiros espaciais.
Quase a totalidade do país é coberto por florestas tropicais. Isso representa uma vantagem de segurança em caso de acidentes.
Tampouco é afetado por ciclones ou furacões, visto que esses são formados mais em direção ao Caribe.
Já a Guiana Francesa tem o litoral norte e leste banhado pelas águas do Oceano Atlântico. Ela está a um ângulo de lançamento de 102 graus, o que lhe permite realizar todas as missões espaciais possíveis.
Aprea explica que, para lançamentos ou órbita de transferência geoestacionária, na qual está localizada a maioria dos satélites de comunicação, os foguetes têm que decolar para o leste.
Mas em seu caminho para o espaço, o foguete "se desprende" de camadas que caem em locais não povoados. No caso da Guiana Francesa, esse lugar é sobre o oceano.
Mas também é fácil viabilizar lançamento a órbitas polares dali, em direção ao noroeste. Essas órbitas são sincronizadas com o Sol, o que significa que o satélite posicionado nessa órbita passará sobre o mesmo ponto na Terra na mesma hora todos os dias.
"Se o Sol está sempre na mesma posição, as sombras serão sempre as mesmas, então você pode analisar melhor as diferentes mudanças. Se em vez disso você passar pelo mesmo ponto, mas tiver posições diferentes do Sol, as sombras mudam e é muito mais difícil analisar o que você está vendo", explica Aprea.
Alguns dos lançamentos mais importantes de Kourou foram o primeiro deles (1968), o lançamento do foguete Europa 2 (1971), o Ariane 1 (1979, o primeiro foguete de sucesso da ESA), o Soyuz (2011) e o Vega (2012).
Efeito estilingue
Outra vantagem do centro espacial europeu é o que os cientistas chamam de "efeito estilingue".
E isso ocorre justamente pela proximidade do centro espacial com a linha do Equador.
O "efeito estilingue" é a energia criada pela velocidade de rotação da Terra em torno do eixo dos polos.
Vale lembrar que quanto mais perto um objeto está do Equador, mais rápido ele se move.
Isso ocorre porque um objeto que está no meio do mundo tem que girar mais rápido do que um localizado nos polos do planeta.
O tempo de rotação da Terra é de aproximadamente 24 horas. Mas dependendo da latitude, a velocidade empregada para que um objeto complete a rotação nesse tempo pode mudar.
A linha do Equador mede 40.075 quilômetros. Mas, à medida que avançamos em direção aos polos, a linha circunferencial fica menor, então menos velocidade é usada para completar a curva em 24 horas.
Essa energia dá um impulso inicial para os foguetes no momento da decolagem.
"Imagine dois carros que têm que acelerar até 100 km/h. Um começa a partir de 0 km/h e o outro, a partir de 30 km/h. Obviamente, o segundo chegará mais rápido. Essa é a vantagem da linha do Equador", explica Aprea.
Esse impulso inicial é muito útil para lançamentos espaciais, pois economiza combustível e peso.
Se o lançamento for feito em outras latitudes, o efeito muda e mais combustível é consumido. Também acrescentaria um peso considerável, até centenas de quilos, o que faz "uma grande diferença", acrescenta Aprea.
"Subir e descer é muito fácil. O que dá mais trabalho é entrar em órbita porque você tem que ir muito rápido para chegar a uma velocidade tal que você fique em órbita".
A ESA já está desenvolvendo o foguete Ariane 6 com o qual pretende aumentar o número de lançamentos. A agência espacial francesa está preparando as instalações em Kourou para a estreia desse foguete no segundo trimestre de 2022.
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