Maconha medicinal: A história da família que mudou a lei na Austrália
Quando a quimioterapia deixou Dan Haslam em péssimo estado, seu pai, então um policial do esquadrão antidrogas, decidiu comprar cannabis para ajudá-lo. Foi início de uma campanha que alterou as regras do seu uso terapêutico no país - mas a família diz não ter sido suficiente.
O ex-policial Lou Haslam sabia que a história de como sua família violou a lei para conseguir maconha medicinal para seu filho era poderosa. Ela mobilizou milhares de pessoas, ajudou a mudar a legislação australiana, mas a família ainda não está totalmente satisfeita com o resultado alcançado.
Trabalhando disfarçado para o esquadrão antidrogas, Haslam, hoje com 66 anos, prendeu muitas pessoas por crimes relacionados à maconha no Estado de Nova Gales do Sul entre 1972 e 2006. "Íamos atrás principalmente de produtores e fornecedores", relata.
Mal sabia que ele próprio iria passar a obter maconha para dá-la ao filho Dan, depois de ele ser diagnosticado com câncer de intestino em 2010. Anos depois, Haslam compraria até uma fazenda para cultivar a droga.
No dia do diagnóstico, o ex-policial se lembra de sentir confusão, raiva, medo e tristeza: "Eu apenas pensei: 'É um garoto de 20 anos de idade. O que diabos está acontecendo?'".
Lembrar-se de como a quimioterapia acabou com o apetite de seu filho leva Haslam de volta a um momento sombrio. "Ele estava muito doente. Por sete dias após a quimioterapia, ele não conseguia comer. Vomitava, ficava cheio de úlceras na boca. Perdeu muito peso e não tinha energia. Quando ele começava a se sentir melhor, era hora da próxima rodada."
As coisas ficaram tão ruins que Dan passou a sentir náusea antecipadamente - ele vomitava ao pensar na quimioterapia. "Como pai, você faz qualquer coisa - qualquer coisa mesmo - para impedir que seu filho sofra", diz Haslam.
Um amigo da família que teve câncer de cólon ofereceu maconha a Dan para controlar sua náusea, dor e falta de apetite. O rapaz declinou por temer a desaprovação do pai.
Mas a reação de Haslam chocou a todos. "Eu disse: 'Vá em frente. Consiga um pouco. Qualquer coisa para ajudar meu filho'".
Com o uso contínuo da droga, proveniente do mercado negro, Haslam diz que as úlceras de seu filho desapareceram, seu apetite voltou e sua náusea desapareceu. "Ele tentou todas as drogas farmacêuticas. Mas não tiveram nenhum efeito. A maconha estava realmente dando certo."
Dan teve então "os melhores dois anos de sua vida". Com a energia renovada, viajou pelo mundo e se casou com sua namorada, Alyce.
Como começou a campanha
Além de testemunhar seu impacto na vida de Dan, os Haslam começaram a ouvir sobre como a maconha medicinal estava ajudando outras pessoas com doenças crônicas, epilepsia e HIV. Eles decidiram ir a público com sua história para tentar fazer com que os legisladores australianos legalizassem seu uso medicinal.
"Até aquele ponto, nunca tínhamos usado a palavra 'terminal' - Dan odiava isso", diz Haslam. "Para que nossa história tivesse algum efeito positivo, Dan teve não apenas de aceitar esse diagnóstico, mas dizer essa palavra. E eu tive de dizer ao mundo que meu filho estava prestes a morrer. Foi muito difícil."
A família persuadiu então o governador de seu Estado, Mike Baird, a dar início ao primeiro teste com maconha medicinal da Austrália em pacientes terminais. Na época, Baird escreveu um artigo para o jornal Daily Telegraph, de Sydney, intitulado "Como um jovem mudou minha opinião sobre a maconha".
"No momento em que conheci Dan, fiquei convencido de que a maconha medicinal poderia fazer diferença. Eu podia ouvir isso na voz de Dan; pude ver isso em seus olhos", diz o ex-governador à BBC.
A família criou um abaixo-assinado na internet que recebeu o apoio de 320 mil pessoas e usou isso para pressionar os políticos, com sucesso. Uma foto de Dan doente, em quimioterapia, circulou pelo país.
Mas, à medida que a campanha ganhava força, o estado de saúde de Dan piorava. Ele morreu em 2015, aos 25 anos.
Em 24 de fevereiro de 2016, coincidindo com o aniversário de um ano da sua morte, a maconha medicinal foi legalizada pelo Parlamento australiano. Alguns deputados chamam a medida de "Lei de Dan".
Algo inédito na Austrália, Haslam e sua mulher, Lucy, compraram uma fazenda para cultivar maconha medicinal, que foi inaugurada pelo vice-primeiro-ministro Barnaby Joyce em Tamworth - a cidade natal de Dan. Foi chamada Éden de Dan.
Uma nova batalha
Mas, agora, os Haslam estão em campanha novamente. Eles argumentam que o número de pacientes australianos que têm acesso a maconha medicinal é muito pequeno e que a lei não está funcionando. Eles reabriram o abaixo-assinado usando a hashtag #ConserteALeiDeDan.
A família diz que a maconha medicinal permanece em limbo regulatório devido a regras e burocracia excessivas, o que significa que alguns pacientes esperam até 19 meses para receberem autorização. Até abril de 2019, houve 5.200 aprovações de uso de maconha medicinal.
Isso deve ser feito por meio de um sistema especial que, segundo seus críticos, torna o processo oneroso para médicos a prescreverem. A Austrália tem apenas 57 prescritores autorizados de maconha medicinal, de acordo com a Therapeutic Goods Association (TGA), o órgão regulador responsável por avaliar e monitorar o uso de medicamentos no país.
"Uma vez aprovados, muitos pacientes percebem que não podem pagar por isso", diz Lucy Haslam. Ela diz saber de pais que ainda violam a lei para obter maconha medicinal no mercado negro.
Um porta-voz do órgão regulador disse à BBC que há uma "grande necessidade" de mais estudos de pesquisas sobre maconha medicinal.
"Houve apenas um número limitado de estudos clínicos bem elaborados e, portanto, é difícil para alguns médicos encontrar boas evidências para apoiar a decisão de prescrevê-la", diz a TGA em seu site. Esses estudos podem levar anos.
A Associação Médica Australiana reconhece "os possíveis usos terapêuticos" da maconha e diz apoiar a regulação atual e o desejo do governo de acelerar o processo para que os pacientes recebam a medicação.
Enquanto isso, os Haslam continuam a lutar. Lou elogia Lucy por ter fundado uma instituição de caridade que faz campanha pelo acesso à medicação. "Ela trabalha 14 horas por dia. A morte de um filho muda você. Ela simplesmente não vai desistir, ainda mais agora."