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Mulher com mutação genética rara não sente dor ou medo

Cientistas pesquisaram o caso da escocesa Jo Cameron por 10 anos; não há notícia de alguém no mundo de alguém com as duas mutações que ela tem.

1 jun 2023 - 06h41
(atualizado às 20h39)
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A rara mutação genética faz com que Jo Cameron praticamente não sinta dor nem ansiedade
A rara mutação genética faz com que Jo Cameron praticamente não sinta dor nem ansiedade
Foto: PA Media / BBC News Brasil

A escocesa Jo Cameron é a única pessoa conhecida no mundo que tem duas mutações genéticas raras que fazem com que ela praticamente não sinta dor e com que tenha uma recuperação das células mais rápida que o normal.

Foram necessários 10 anos para que cientistas pudessem entender como essas mutações funcionam. Foi uma cirurgia em 2013 que revelou que ela, então com 65 anos, tinha falta de sensibilidade à dor.

"Fui operada por conta de uma artrite na mão. Conversei com o anestesista e ele disse que a operação seria muito, muito dolorosa, e que eu sentiria muita dor depois dela", contou Cameron, hoje com 75 anos, à BBC.

"Eu disse: não vou sentir, eu não sinto dor."

Dito e feito: depois da operação, o médico notou que a idosa não precisou tomar remédio algum e disse que aquilo era "muito incomum".

O anestesista Devjit Srivastava então encaminhou o caso dela a geneticistas que estudam a dor na University College London (UCL) e na Universidade de Oxford, ambas no Reino Unido.

A equipe de especialistas coletou amostras do tecido e do sangue de Jo Cameron para analisar seu DNA.

Após seis anos de pesquisa, eles revelaram que mutações no gene FAAH-OUT, até então desconhecido, fazem com que Cameron praticamente não sinta dor, estresse ou medo.

Mutação recém-descoberta

Jo (à dir.) com o marido e a mãe; por décadas, ela não soube de sua condição
Jo (à dir.) com o marido e a mãe; por décadas, ela não soube de sua condição
Foto: Acervo pessoal/Jo Cameron / BBC News Brasil

O FAAH-OUT faz parte de um grupo de genes que por muito tempo foi encarado como uma parte desprezível do DNA. Mas, recentemente, os cientistas estão entendendo melhor o papel desses genes na fertilidade, no envelhecimento e no adoecimento.

No caso de Jo Cameron, os pesquisadores conseguiram identificar quais genes estão ligados à falta de sensibilidade à dor, quais genes afastam os sentimentos associados à ansiedade e à depressão e quais genes ajudam a idosa a se curar mais rapidamente.

Os cientistas descobriram que a mutação FAAH-OUT "reduz" a expressão do gene FAAH, que está ligado à dor, ao humor e à memória. A mutação também causa uma redução na produção da enzima FAAH.

Essa enzima normalmente é responsável por quebrar a molécula anandamida — conhecida como a substância da felicidade — em humanos, mas não funciona adequadamente para Jo. Assim, a escocesa tem mais anandamida no seu corpo do que o normal.

Os cientistas também descobriram que as duas mutações que Jo tem vão além de não sentir dor — elas também estão ligadas à cura.

"As células dela podem ser curadas de 20 a 30% mais rápido, o que é incrível", diz Andrei Okorokov, professor associado da UCL e coautor de um estudo sobre a mutação publicado na revista de neurologia Brain.

"A mutação exclui parte do gene FAAH-OUT e o desliga. Jo também tem outra mutação no gene FAAH. Até agora, não conhecemos mais ninguém no mundo que carrega ambas as mutações."

Por que a maioria das pessoas sente dor?

A dor é importante para nos proteger, mas também pode se tornar um problema crônico
A dor é importante para nos proteger, mas também pode se tornar um problema crônico
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A dor é essencial para nos proteger de riscos prejudiciais ou que até ameaçam a vida. As consequências de não sentir dor podem ser graves.

Para Jo, que com frequência queima os braços no forno, somente ao sentir o cheiro de sua pele queimada ela percebe o que ocorreu.

"Trabalhamos com outros pacientes que também não sentem dor por terem mutações em outros genes e, às vezes, eles sofrem lesões graves. Portanto, sentir dor é bom, mas às vezes a dor pode se tornar crônica e não ser mais útil", diz James Cox, professor na UCL e coautor do estudo.

Crescendo, Jo não tinha ideia de que havia algo diferente nela. Ela nunca tomou nada para amenizar dores.

"Tenho filhos, tenho um marido há muitos anos e eles apenas achavam que eu tinha uma tolerância enorme à dor."

As mutações genéticas também permitem que ela processe sentimentos perturbadores muito mais rápido.

"Eu sinto as mesmas emoções que qualquer outra pessoa quando coisas desagradáveis acontecem, eu reajo instantaneamente como qualquer outra pessoa faria", diz ela. "Mas, imediatamente, penso que deve haver soluções e começo a pensar em estratégias."

O professor Cox espera que as descobertas abram caminho para pesquisas com medicamentos para a saúde mental, o controle da dor e a cicatrização de feridas.

"A dor crônica é a condição de saúde mais prevalente do nosso tempo, e precisamos urgentemente de novos analgésicos. Compreendendo no nível molecular como o FAAH-OUT funciona, esperamos que novos e melhores medicamentos para alívio da dor possam ser desenvolvidos."

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