Número de mortes por covid no Brasil pode ter sido 18% maior em 2020, estimam cientistas
Pesquisa brasileira publicada nesta quinta-feira (5/5) em revista científica internacional estima milhares de mortes decorrentes da covid-19 que não foram registradas em 2020, quando médicos responsáveis por documentar óbitos estavam sobrecarregados e testes eram poucos acessíveis.
Os números oficiais de mortes por covid-19 no Brasil já colocam o país no segundo lugar mundial daqueles com maior número de vítimas no planeta, atrás apenas dos Estados Unidos.
Mas, de acordo com uma pesquisa recém-publicada, esse número na realidade é provavelmente maior, já que há evidências de muitas subnotificações.
Pesquisadores brasileiros estimaram que, em 2020, primeiro ano da pandemia, o número de mortes no país foi pelo menos 18% maior do que o registrado oficialmente — segundo os cálculos deles, os óbitos naquele ano passariam dos 206.624 contabilizados para 243.787, uma diferença de mais 37.163 vidas perdidas.
Os resultados foram publicados nesta quinta-feira (5/5) na revista científica internacional PLOS Global Public Health.
Esse número foi estimado para todo o país a partir de uma pesquisa detalhada que os cientistas fizeram sobre 1.365 mortes ocorridas entre fevereiro e junho de 2020 em Belo Horizonte (MG), Natal (RN) e Salvador (BA).
Nas declarações de óbitos destes casos, constava como causa da morte a síndrome respiratória aguda grave (SRAG); pneumonia; sepse; insuficiência respiratória; ou óbito a esclarecer (ou seja, não foi possível definir uma causa).
São quadros de saúde típicos do desenrolar de uma covid-19 grave, mas a citação à covid-19 não constava nessas declarações de óbito.
A desconfiança era a de que esses casos pudessem ter sido decorrentes da covid-19, embora não tenham sido declarados como tal.
Médicos, então, investigaram informações sobre essas mortes em bancos de dados de saúde, prontuários, laudos periciais, entre outros. Eles concluíram, então, que 23,4% dos 1.365 óbitos investigados eram, na verdade, de covid-19 — apesar da doença não estar nas declarações de óbito em questão.
Considerando diferentes faixas etárias, a subnotificação se mostrou maior entre os idosos: dos casos de pessoas que morreram com 0 a 59 anos, 17,3% foram reclassificados pela equipe como covid-19; daquelas com mais de 60 anos, 25,5%.
As declarações de óbitos, preenchidas por médicos, abastecem os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.
Esta é, segundo os autores do estudo, a melhor fonte de dados no país para investigar causas específicas de mortes, mas foi impactada pela pandemia — sobretudo pela falta de testes no país e pelo excesso de trabalho para os profissionais de saúde, como os médicos que preenchem as declarações de óbitos.
"Às vezes, o paciente teve covid, mas o médico não recebeu os exames laboratoriais de confirmação a tempo, então declara somente a pneumonia, a síndrome respiratória aguda grave ou insuficiência respiratória", exemplifica Elisabeth França, médica epidemiologista, líder do estudo e professora convidada do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Qualidade das informações
A partir da investigação nos três municípios, a equipe estimou os dados da subnotificação de covid-19 no país todo considerando os registros para cada Estado de óbitos documentados como causados por SRAG, pneumonia, sepse, insuficiência respiratória ou óbito a esclarecer. Ou seja, a proporção de casos subnotificados de covid-19 encontrados em Belo Horizonte, Natal e Salvador foi replicada para todo o país.
A subnotificação detectada no país foi maior entre os mais idosos e nas cidades do interior, na comparação com capitais.
Segundo a equipe, o percentual de 18% mortes adicionais por covid-19 em 2020 é conservador, e na realidade deve ser maior.
Um dos motivos para isso é que os cientistas não investigaram outras causas que também podem ser decorrentes da infecção causada pelo coronavírus, como a doença pulmonar obstrutiva crônica.
Além disso, foram considerados óbitos registrados no SIM, ou seja, aqueles que podem ter ficado de fora do sistema não foram investigados.
Elisabeth França explica que o SIM é um bom sistema, com cobertura satisfatória. — ou seja, grande parte das mortes que ocorrem no país de fato são incluídas lá. Entretanto, de acordo com a epidemiologista, é preciso aperfeiçoar a qualidade dos dados, como a especificidade da causa da morte.
O artigo publicado chama a atenção também para a necessidade de treinar os médicos para o preenchimento adequado das declarações de óbito. Essas lacunas já existiam no Brasil antes da covid-19, e foram acentuadas na pandemia.
"Se você tem uma melhor qualidade das informações sobre causas de morte, é possível direcionar melhor as intervenções na saúde pública", explica a médica.
O artigo científico publicado nesta quinta-feira é assinado por pesquisadores de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Bahia, e teve financiamento da organização internacional Vital Strategies, vinculada à iniciativa para dados em saúde da Bloomberg Philanthropies.