O filho 'secreto' de Karl Marx, o romance proibido de Marie Curie e outros relatos de amor e desamor da História
Os 'segredos de alcova' de filósofos, cientistas e chefes de Estado são assunto do novo livro do escritor colombiano Daniel Samper Pizano, apresentado em festival em Cartagena.
Filhos 'secretos', amores proibidos e outras histórias não contadas — ou esquecidas — da biografia de filósofos, cientistas e chefes de Estado são substrato da obra 'Insólitas Parejas: Doce Historias Auténticas de Enamorados Famosos' (Casais Insólitos: Doze Histórias Verdadeiras de Apaixonados Famosos, em tradução livre), do jornalista e escritor colombiano Daniel Samper Pizano.
Apresentado no início deste mês no Hay Festival Cartagena, na Colômbia, o livro traz relatos de amor, trapaças e revelações que poderiam estar na ficcção, mas aconteceram na vida real.
Conheça, a seguir, algumas delas.
1. Karl Marx e Frederick
O pai do socialismo científico e do comunismo moderno levou um grande segredo para o túmulo, que só foi revelado anos depois de sua morte, em 1883: um filho fora do casamento.
A mãe da criança, como conta Samper Pizano, era a mulher que ajudava Marx e sua esposa, Jenny von Westphalen, nas tarefas domésticas — Helena Demuth, também conhecida como Lenchen.
O intelectual não apenas escondeu o filho extraconjugal, mas convenceu Friedrich Engels - com quem escreveu o Manifesto Comunista - a assumir a paternidade da criança.
Frederick nasceu em 1851 e foi inicialmente dado por Lenchen a uma outra família.
A história muda quando Marx escreve para Engels: "Devo revelar-lhe um mistério tragicômico", como conta Saul Padover em Karl Marx: an Intimate Biography (Karl Marx: Uma Biografia Íntima, em tradução livre).
O "mistério" era, na verdade um pedido. Para tentar salvar o casamento com Jenny, com quem teve 7 filhos, Marx pediu ao amigo, então solteiro, que se declarasse pai do bebê — o que Engels eventualmente fez.
"Engels deve ter pensado: se eu não fizer isso, a situação pode acabar com a família de Marx. E Engels gostava muito da família, além de considerar Marx como um irmão", diz o escritor colombiano.
Lenchen não era exatamente empregada doméstica, mas uma espécie de governanta — e alguém bem próximo à família.
"Prova disso é que ela continuou trabalhando na obra de Marx e ajudando Engels a reunir seus escritos depois que ele morreu", afirma o jornalista.
Toda a história permaneceu em segredo por pelo menos quatro décadas e foi revelada apenas após a morte do intelectual e de sua esposa.
Foi Engels, em seu leito de morte, quem a contou, para Eleanor Marx, uma das filhas do casal, como detalhou o jornal The New York Times em um artigo de 1983.
Acredita-se que Marx nunca tenha conhecido o filho — e que Frederick nunca tenha sabido quem era seu verdadeiro pai.
2. Marie Curie e o amor após o luto
Marie Sklodowska, mais conhecida como Madame Curie ou Marie Curie, foi um dos maiores expoentes da Ciência.
Mulher, pobre, mudou-se da Polônia para Paris, na França, com o intuito de estudar Física e Matemática.
E conseguiu ir muito além do que as dificuldades que as cientistas naquela época enfrentavam normalmente permitiam às mulheres.
Curie foi a primeira pessoa a receber dois prêmios Nobel em especialidades diferentes — no caso, Física e Química — e a primeira mulher a ocupar a posição de professora na universidade francesa Sorbonne.
O Nobel de Física veio em 1903, dividido com o marido, o também cientista Pierre Curie, e com o físico Henri Becquerel. O prêmio na área de Química, por sua vez, foi anunciado em 1911.
Os anos que separam um reconhecimento do outro foram marcados por uma tragédia — a morte Pierre, atropelado por uma carruagem — e pelo início de um romance entre a cientista e um dos discípulos do marido.
Paul Langevin era mais jovem que ela, alto e elegante — e casado.
O relacionamento foi um escândalo e quase lhe custou o segundo Nobel.
Marie Curie não só recebeu o prêmio, entretanto, como teve respaldo de seus colegas da comunidade científica, incluindo Albert Einstein, "porque aquele não era um prêmio por sua vida privada, mas científica", diz Samper Pizano.
A relação amorosa entre os dois não foi muito longe, mas eles permaneceram amigos por muito tempo, além de colegas na Sorbonne.
3. Churchill e Clementine
O primeiro-ministro britânico Winston Churchill foi casado com Clementine Hozier por 57 anos.
O segredo para o matrimônio duradouro?
Para o autor de 'Insólitas Parejas', entre outras razões, o sucesso se deve ao fato de que "cada um tinha seu quarto na casa, jantava quando queria (não necessariamente juntos), lia seus jornais e, muitas vezes, se comunicava com o outro por mensagens". O que não quer dizer que eles não tenham se amado muito, acrescenta.
"Eu e Winston nunca brigamos, isso me desorienta. Quando tenho algo importante para lhe dizer, mando um bilhete", escreveu Clementine em um cartão postal citado por Samper Pizano em seu livro.
Ela era uma das poucas pessoas que se "atreviam" a chamar a atenção de Churchill, que costumava ouvi-la atentamente e chegou a pedir sua opinião em questões relacionadas à guerra.
Na definição do autor, eles eram diferentes, porém complementares: ele gostava de pintar, ela, de praticar esportes; ele gostava de caçar javalis; ela, de ler.
"Suas diferenças irreconciliáveis foram essenciais para suas conquistas (como casal)", destaca Richard Hough no livro 'Winston and Clementine: the Triumphs and Tragedies of the Churchills' (Winston e Clementine: os triunfos e tragédias dos Churchill, em tradução livre).
4. O imperador chinês Li Yu e sua atração por pés pequenos
Sabe-se muito pouco sobre o passado de Yao-niang, a jovem que ingressou ainda pequena na corte do imperador Li Yu — que governou a China no século 10 — para ser sua concubina.
Acredita-se, entretanto, que ela tenha deixado um legado doloroso para milhões de chinesas.
Yao-niang teria conquistado o imperador com seus movimentos na dança, mas não só: conta-se que ele adorava seus pés minúsculos.
"Uma ilustração que data de fins do século 10 mostra Yao-niang em uma espécie de transe com os pés enfaixados", descreve Samper Pizano.
Muitas das mulheres que a viram dançar e que queriam seduzir o imperador decidiram imitá-la, diz ele.
Isso teria dado origem a uma tradição que prejudicou por quase um milênio as chinesas: a de enfaixar os pés para que eles permanecessem pequenos, ainda que deformados.