O grupo de cientistas que descobriu as regras que orientam a vida no planeta e mudou nossa visão do mundo
Na década de 1960, um pequeno grupo de jovens cientistas partiu para alguns dos lugares mais remotos e espetaculares do planeta — e o trabalho pioneiro deles mudou nossa concepção sobre a natureza.
"Esta é uma história de esperança autêntica, fundamentada na ciência e baseada em experiências da vida real, sobre o que pode ser feito."
A história a que o biólogo Sean B. Carroll se refere é sobre a recuperação de paisagens, ressurgimento de florestas, retorno de espécies e o florescer de novas vidas.
Tudo isso graças ao trabalho pioneiro de cinco cientistas de quem talvez você não tenha ouvido falar, mas que têm algo importante a dizer.
No espaço de seis décadas, cada um deles foi adicionando seu conhecimento para testar uma hipótese — até chegar a uma teoria reveladora.
"Eles viram coisas que ninguém havia visto antes, pensaram coisas que até então ninguém havia pensado e o que descobriram mudou a maneira como vemos a natureza", diz Carroll, em entrevista à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
E ele não está exagerando.
Além disso, demonstraram que, embora a intervenção do homem possa ser — e tenha sido — prejudicial ao planeta, ela também pode ser benéfica, "algo que precisamos levar em conta nesse momento".
O que sabíamos
Todos esses cientistas começaram a partir de uma visão de mundo que talvez, hoje, seja familiar a todos nós.
As plantas recebem luz solar e a transformam em alimento; alguns animais comem essas plantas e, em seguida, predadores se alimentam de alguns desses devoradores de plantas.
Mas, na década de 1960, um destes cientistas, o ambientalista americano Robert Paine, se perguntou se os predadores não eram realmente nada além disso, se o seu papel na natureza se reduziria apenas a comer carne na cadeia alimentar.
O problema era como investigar...
"Você não pode tirar todos os leões de um ambiente para ver o que acontece", escreve Carroll no livro The Serengeti Rules - The Quest to Discover How Life Works and Why It Matters ("As regras dos Serengeti - a missão de descobrir como a vida funciona e por que ela é importante", em tradução livre).
Ele precisava de um lugar onde todo o ecossistema estivesse contido e tivesse um tamanho gerenciável.
Até que encontrou as poças de maré da Baía de Makah, no noroeste dos Estados Unidos, onde havia tudo o que ele precisava: cerca de 15 espécies de organismos, gastrópodes carnívoros se alimentando de cracas, ouriços-do-mar se alimentando de algas...
... e, o mais importante, um grande predador: estrelas-do-mar.
"As pessoas veem e pensam: 'Que lindas!' Mas elas são ferozes. São grandes devoradoras. Comem cracas, são fascinadas por mexilhões... são os leões das poças de maré", diz Paine no documentário The Serengeti Rules ("As regras dos Serengeti", em tradução livre), baseado no livro de Carroll.
Com e sem estrelas
Ele podia dar início então ao experimento.
Paine tirou as estrelas-do-mar de uma das poças de maré, mas de outra, não — e, durante meses, observou o que acontecia.
Logo ele começou a notar as mudanças na piscina sem estrelas-do-mar: os mexilhões começaram a se multiplicar, enquanto outras espécies desapareciam.
Após alguns anos, das 15 espécies que existiam originalmente restavam apenas os mexilhões.
Paine retirou espécies diferentes de outras piscinas — mas em nenhum dos casos aconteceu o mesmo.
Claramente, a diversidade nas poças de maré dependia das estrelas-do-mar.
O predador era o bastião do ecossistema.
Os experimentos dele mostraram que em ecossistemas maduros alguns animais são mais importantes que outros.
E decidiu chamar esses animais de "espécies-chave", por terem um papel vital na estrutura do ecossistema.
A exceção ou a regra?
Paine havia estabelecido as bases, mas era necessário saber se o que descobrira era uma regra de vida ou uma peculiaridade.
Felizmente, a ciência costuma ser um trabalho em equipe — que não precisa ser feito ao mesmo tempo, tampouco no mesmo local.
No sudoeste do Alasca, há uma ilha vulcânica chamada Amchitka, onde você é recebido por uma placa com os dizeres: "Não é o fim do mundo ... mas daqui você pode vê-lo".
O fim do mundo não era exatamente o que o ecologista marinho Jim Estes estava estudando nesse remoto lugar.
O interesse dele estava debaixo d'água, onde havia encontrado uma floresta de algas que, assim como os bosques na superfície terrestre, fornecia um habitat para muitas espécies, incluindo um grande número de lontras-marinhas.
Um dia, Paine resolveu ir até o lugar seguindo um novo ponto de vista: em vez de ver a floresta como o suporte para as lontras-marinhas, pensaria nas lontras como espécie-chave predadora desse habitat.
"Esse foi o começo do resto da minha vida", conta Estes no documentário.
Para ver que efeito esses mamíferos carnívoros tinham no ecossistema, ele visitou uma ilha próxima chamada Shemya, onde não havia lontras. Quando mergulhou, em vez de encontrar uma floresta cheia de vida, se deparou com um deserto povoado apenas por ouriços.
Estes sabia que as lontras comiam muitos ouriços, e que os ouriços se alimentavam de algas. Sem as lontras, os ouriços se multiplicaram de forma descontrolada e comeram todas as algas. E, sem as algas, todas as outras espécies haviam desaparecido.
Sem os predadores que a protegiam, a floresta subaquática não podia existir.
Água doce
Na década de 1970, a ecologista Mary Power — que havia sido aluna de Paine e lera os relatórios de Estes — comprovou algo semelhante em córregos de Oklahoma, nos EUA.
Ela notou que alguns desaguavam em uma série de lagos estéreis intercalados por lagos de cor verde esmeralda vibrante.
Depois de investigar, ela descobriu que a diferença se devia à presença ou falta da espécie-chave, que nesse ecossistema era o Micropterus salmoides, um peixe de água doce mais conhecido como achigã.
Em terra firme...
O resultado do trabalho de Power nos córregos, de Paine nas poças de maré e de Estes no oceano provou que a hipótese das espécies-chave era verdadeira em uma ampla variedade de ambientes aquáticos.
Faltava um experimento em terra — que foi realizado na Venezuela.
Um imenso lago foi criado com a construção da represa de Guri, no rio Caroni, que deu origem a muitas ilhas, a maioria sem predadores.
O ecologista e biólogo John Terborgh foi quem explorou essas ilhas — e lembra que, quando chegou lá, "parecia que tinham sido arrasadas por um furacão".
Em algumas ilhas, as formigas-cortadeiras haviam se reproduzido descontroladamente, dada a ausência de formigas-guerreiras, e, por isso, foram desfolhando as árvores até matá-las.
"O fenômeno se repetia, de diferentes maneiras e com diferentes espécies-chave, mas o resultado era sempre o mesmo: o que havia começado como uma bela floresta verde, em 20 ou 25 anos era apenas devastação", diz Terborgh.
O mistério das lontras
O que esses cientistas estavam construindo era uma maneira totalmente nova de ver o mundo — derrubando preconceitos e revelando conexões ocultas completamente inesperadas entre as criaturas e a natureza.
Mas ainda faltava entender quão profundas e duradouras eram essas conexões.
Essa descoberta ficou para Jim Estes, quando retornou à Ilha Amchitka, no início dos anos 1990.
"Foi uma loucura: quando saí, havia 8 mil lontras; e cinco anos depois, não restava quase mais nenhuma!"
Não apenas lá, mas em todo o arquipélago das Ilhas Aleutas, do qual Amchitka faz parte.
"Se tratava do desaparecimento de várias centenas de milhares de lontras, uma redução de 95% a 99%, elas desapareciam sem que ninguém encontrasse seus restos mortais nas redondezas."
Logo, Estes notou outra mudança espantosa:
"Nos anos 1970 e 1980, se deparava com uma orca a cada três ou quatro anos. Nos anos 1990, comecei a vê-las três ou quatro vezes por dia... elas estavam comendo não só as lontras, mas também outros animais que tinham sumido."
O que havia acontecido?
Embora naquele momento não fosse óbvio, aquilo tinha sido obra do controlador-chave: o ser humano.
Muitas vezes, removemos o predador-chave dos ecossistemas naturais — mas, neste caso, não se tratava de eliminar um predador, mas seu alimento.
A causa de desse evento tão dramático foi a caça industrial às baleias, que começou no Pacífico Norte após a Segunda Guerra Mundial e continuou até o início da década de 1960.
Naquela época, as enormes baleias no Pacífico Norte haviam sido dizimadas.
O sumiço das baleias abalou o ecossistema, uma vez que elas eram grandes e altamente nutritivas para as orcas (que, aliás, não são uma espécie de baleia, pois são da família dos golfinhos), que foram forçadas a diversificar sua dieta.
As primeiras vítimas foram as focas, até serem exterminadas. Em seguida, os leões-marinhos. E, quando estes foram eliminados, foi a vez das lontras-marinhas.
Praticamente tudo foi afetado — do salmão às aves marinhas e águias-carecas. Todo o ecossistema entrou em colapso.
Revolução no pensamento científico
Para Estes, reconhecer que a natureza está conectada em escalas tão vastas de espaço e tempo de uma maneira tão importante foi uma revolução no pensamento científico.
Munidos dessa visão completamente nova, eles começaram a perceber coisas que não se via antes, apesar de estarem bem diante do nosso nariz.
"Se eu te disser, assim do nada, 'as árvores precisam dos lobos', talvez isso te surpreenda, mas esse tipo de revelação não surge ao olhar para a natureza como se fosse apenas uma imagem bonita, é o resultado dessa compreensão de como funciona a natureza", diz Carroll à BBC News Mundo.
Para entender melhor, veja a imagem abaixo... você consegue notar algo estranho?
Se você não notou nada de peculiar, é porque nos acostumamos a ver como "normais" paisagens degradadas.
Esta foto é típica de uma floresta na qual, na ausência de um predador, no caso o lobo, os cervos se multiplicaram de forma descontrolada para se tornar uma praga e comeram tudo o que deveria estar vivo entre o solo e os ramos mais baixos que aparecem na imagem.
É uma floresta em extinção: não haverá árvores novas porque foram comidas; portanto, quando estas que estão na foto morrerem, não haverá mais floresta.
E não é um caso isolado.
Na verdade, "grande parte do mundo que vemos hoje em dia está degradado", diz Carroll.
E, mais uma vez, ele não está exagerando.
Mas tudo isso está soando muito pessimista e prometemos uma história de esperança.
O fato é que falta uma peça fundamental desse quebra-cabeça, descoberta pelo biólogo Tony Sinclair enquanto trabalhava em um dos lugares mais icônicos do planeta: o Parque Nacional Serengeti, na Tanzânia.
Mais de tudo
Quando Sinclair começou a trabalhar em Serengeti — embora ainda não tivesse percebido naquele momento —, o parque nacional mais famoso do mundo estava bastante degradado.
Há 120 anos, uma epidemia de peste bovina, muito semelhante ao sarampo, dizimou os animais locais, particularmente os gnus, cuja população permaneceu baixa por 70 anos, até que, nos anos 1960, os veterinários conseguiram erradicar a doença na maior parte da África.
Quando Sinclair chegou, a mudança começava a ser óbvia.
"Quando cheguei, havia cerca de 250 mil gnus. Oito anos depois, já havia 1,4 milhão", relembra.
"Era um recorde mundial, a maior população de ungulados do mundo".
Em 1982, Sinclair participou entusiasmado de uma reunião para contar ao mundo o que estava acontecendo.
"Quando eu disse o número de 1,4 milhão, houve um silêncio mortal. Eu não esperava de forma alguma aquela reação."
Os colegas dele acreditavam que era irresponsável permitir que os animais se multiplicassem dessa maneira e, na opinião deles, deviam ser sacrificados porque destruiriam o habitat e causariam um colapso do ecossistema.
"Mas, pensei, por que os homens deveriam interferir? Esses ecossistemas existem há milhões de anos sem precisar que os humanos interfiram para se manter."
Ciente de que estava colocando em risco um dos lugares mais icônicos da Terra, a equipe de Sinclair decidiu se manter firme e convenceu as autoridades do parque a não sacrificar os animais.
O censo dos quatro anos seguintes apresentou o mesmo resultado: 1,4 milhão. O ecossistema havia se nivelado sozinho e não havia danos ao meio ambiente.
"Pelo contrário: para nossa surpresa, descobrimos que o ecossistema estava se recuperando por contra própria. De repente, tudo começou a se reconectar", diz Sinclair.
"Os gnus produziam esterco, que fertilizava as pastagens, que se tornavam altamente nutritivas. E, ao comê-las, havia menos material combustível no solo e, portanto, menos incêndios.
"Isso permitiu aumentar as populações de árvores que provavelmente não cresciam desde o século 19. Essas árvores forneciam mais alimento para elefantes, girafas e muitas espécies de pássaros."
"E isso atraiu muito mais predadores, porque também havia mais comida para eles", completa.
"Percebi que o gnu era uma espécie-chave e que, ao contrário do que Robert Paine havia presumido — que a espécie-chave era sempre um predador —, na verdade, podia ser um herbívoro".
Além disso, e talvez mais importante, o que os estudos de Tony Sinclair mostraram foi que, embora essas espécies-chave estivessem ausentes há 70 anos, a capacidade de recuperação do ecossistema não havia se esgotado.
E quando a espécie-chave reapareceu, o Parque Nacional de Serengeti mudou profundamente: havia mais árvores, mais girafas, mais pássaros cantando, mais borboletas, mais besouros, mais de tudo.
Foi uma prova em larga escala de que a degradação não é uma condenação: é reversível.
Em busca da 'estrela do mar'
Robert Paine foi o primeiro a vislumbrar isso: se você eliminar a estrela-do-mar, a biodiversidade entra em colapso.
Seis décadas após o experimento dele, ecologistas renomados compararam suas experiências e ficou claro que é assim que a natureza funciona. Em todas as partes.
Eles haviam descoberto as regras da vida no planeta.
"Se você quer consertar algo, precisa saber o que está danificado", declarou Paine.
E graças a ele e a um punhado de cientistas, é possível averiguar isso.
Agora, ao nos deparar com paisagens degradadas, em vez de ficar fazendo comentários negativos, pessimistas e fatídicos, podemos nos perguntar: estamos condenados? O destino está selado para esses lugares e espécies?
E, em muitos casos, a resposta é: "Não".
"Não é que você vai encontrar espécies-chave em todos os lugares, mas elas são predominantes!", observa Carroll.
É uma questão de encontrar o equivalente à estrela-do-mar para cada ecossistema.
Um exemplo conhecido é o do Parque Nacional de Yellowstone, no noroeste dos Estados Unidos, no qual há cerca de 20 anos, a população de lobos aumentou mediante a intervenção do homem para controlar o número de alces, que estavam afetando seriamente a vegetação do parque.
Com o retorno dos lobos após 70 anos de ausência, os salgueiros se recuperaram, os choupos prosperaram, os castores voltaram e os ursos se expandiram.
E na Argentina, algo surpreendente aconteceu: com o regresso dos pumas para os altiplanos, a grama cresceu e criou um habitat para todos os tipos de criaturas.
E há cada vez mais exemplos disso.
No Centro-Oeste dos EUA, há pessoas adicionando peixes-chave a lagos verdes e turvos, que se tornam cristalinos.
Nos arrozais, as aranhas são as espécies-chave. Então, se você quiser comer arroz, proteja as aranhas.
Na Escócia, enquanto isso, estão mostrando como as belas pradarias não deveriam ser... pradarias.
Este cercado na foto acima, onde crescem árvores e flores, revela o impacto dos animais que pastam e como seria a paisagem escocesa sem eles.
E assim, em muitas partes do mundo, há projetos semelhantes que estão recuperando lugares e espécies.
Ressurreição
Uma das histórias que mais emocionam Carroll é a do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, que, como costuma acontecer com experiências inspiradoras, começa com uma grande perda: da vida selvagem devido a uma das guerras civis mais longas e destrutivas das últimas décadas (1977-1992).
Mas a paz acabou trazendo o interesse de recuperar o que muitos chamavam de "o paraíso perdido" da Gorongosa.
Hoje, como bem resumiu um artigo da revista National Geographic, "você pode ver a natureza dando um suspiro de alívio".
"O projeto levou pouco mais de 15 anos e ficamos assustados que as coisas possam se recuperar a essa velocidade", exclama Carroll, em conversa com a BBC News Mundo.
"Isso prova que, se você dá a ela uma chance, a natureza é muito resiliente."
"Não é que eu não seja realista... sou um cientista: acredito em dados empíricos!", completa.
Com base nestes dados, ele se dedica a divulgar que há luz no fim do túnel.
"Grande parte da história humana é sobre superar desafios. Para isso, é necessário lançar mão de energia e perspectiva; o pessimismo é uma profecia autorrealizável e muitos de nós estão preocupados que as pessoas desistam."
"Não é hora de desistir, é hora de redobrar nossos esforços e perguntar 'o que pode ser feito' repetidas vezes."
"Você precisa se concentrar no trabalho, não no desespero."