O Nobel que o Brasil teria 'perdido' porque médico não se alistou no serviço militar
Nascido em Petrópolis, Peter Brian Medawar estudou boa parte da vida no Reino Unido e fez trabalhos fundamentais no campo da imunologia e dos transplantes.
Em 122 anos de história, o prêmio Nobel nunca teve um brasileiro entre os vencedores. Mas pelo menos um dos laureados nasceu no país.
Peter Brian Medawar (1915-1987) era de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e ganhou a prestigiosa medalha em 1960, na categoria "Medicina e Fisiologia".
No entanto, ele sempre é retratado em biografias e perfis mais como britânico do que como brasileiro.
Os trabalhos do cientista foram fundamentais para entender o sistema imunológico humano e os mecanismos de rejeição de tecidos e enxertos.
Mas por que, apesar de ter nascido no Brasil, Medawar não figura como um laureado brasileiro?
Por trás da polêmica, há uma suposta perda da cidadania pela falta de serviço militar nos anos 1930.
Origens e formação
A página oficial do Prêmio Nobel informa que Medawar nasceu em 28 de fevereiro de 1915.
Seu pai, Nicholas Agnatius Medawar, era libanês e morou muitos anos no Reino Unido, onde trabalhava como empresário do ramo da Odontologia e se casou com a britânica Edith Muriel.
A família se mudou para o Brasil e viveu durante muitos anos em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.
Medawar foi enviado de volta à Inglaterra em 1928 para cursar algo equivalente ao ensino médio de hoje no prestigiado Marlborough College.
Logo depois, ele foi para a Universidade de Oxford, onde estudou Zoologia e Patologia.
Após a formação, ele atuou como professor e pesquisador nas universidades de Oxford, Birmingham e College London.
Em 1962, Medawar foi nomeado diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Médica, em Londres.
O cientista é reconhecido e respeitado até os dias de hoje. O biólogo evolucionista Richard Dawkins já afirmou diversas vezes que Medawar é "o mais espirituoso entre todos os escritores científicos".
Pesquisa e Nobel
A Associação dos Imunologistas Americanos destaca que o interesse de Medawar pelos mecanismos de tolerância imunológica — que garantiram o Nobel a ele — começou durante a Segunda Guerra Mundial.
"Quando um avião caiu nas proximidades de Oxford, [...] médicos que tratavam os pilotos com queimaduras severas buscaram os conselhos de Medawar, na esperança que os estudos dele sobre o desenvolvimento de células sugerissem alguma ideia", diz o texto.
"Medawar acreditava que os enxertos de pele eram o melhor tratamento possível, mas ele também sabia que a técnica não funcionava na maioria das vezes. Incapaz de ajudar os pilotos, Medawar ficou obcecado com o problema de como tratar as vítimas de queimaduras."
Ao fazer experimentos na área, Medawar obteve informações valiosíssimas sobre os mecanismos de rejeição e resposta imune quando um corpo estranho é introduzido no organismo de uma pessoa.
Essas descobertas foram fundamentais para que outros cientistas e médicos criassem os métodos de transplantes de órgãos e tecidos sem rejeição — ou uma reação desmedida do sistema imunológico, que coloca em xeque a própria sobrevivência do receptor.
Esses trabalhos renderam a ele a nomeação ao Prêmio Nobel de Medicina de 1960. A homenagem foi dividida com o australiano Frank Macfarlane Burnet, que também fez pesquisas importantes nessa área.
Brasileiro ou não?
De acordo com uma reportagem da Folha de S.Paulo de 1996, Medawar não é considerado brasileiro "por causa de um problema com o serviço militar obrigatório".
O cientista estudava no Reino Unido quando chegou à idade de fazer o alistamento militar, ao completar 18 anos.
Para que o rapaz não precisasse voltar ao país, o pai de Medawar foi conversar com o padrinho dele, Salgado Filho — que à época era ministro do Trabalho no governo de Getúlio Vargas.
Os dois tentaram persuadir o então ministro da Guerra (e futuro presidente), Eurico Gaspar Dutra. A ideia era conseguir livrar Medawar da necessidade do alistamento.
Segundo a Folha, a resposta de Dutra foi definitiva: se Medawar não fizesse o serviço militar obrigatório, ele perderia a nacionalidade brasileira.
Mas existem controvérsias sobre o tema. Nas Constituições de 1934 e 1934, não existe nenhuma previsão de que a recusa da prestação de serviço militar leve à perda de nacionalidade — embora juristas ouvidos pela Folha para a reportagem de 1996 tenham dito que à época existia essa interpretação das leis vigentes.
Uma reportagem veiculada no Fantástico, da TV Globo, em 1998 também jogou algumas dúvidas sobre essa questão o alistamento de Medawar.
Em entrevistas à imprensa, alguns familiares do Nobel disseram que ele renunciou voluntariamente à cidadania brasileira, pois estava estudando em Oxford e não desejava retornar ao país por causa das obrigações militares.
Medawar morreu no dia 2 de outubro de 1987, aos 72 anos, em Londres.