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O que é a oxitocina, o 'hormônio do amor' que nos deixa mais sociáveis

Uma pequena proteína, às vezes chamada de "hormônio do amor", pode desempenhar um papel muito maior nas nossas relações com os outros.

24 mar 2022 - 08h43
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Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O que acontece no cérebro quando o amor está no ar? Por muitos anos, os biólogos responderam: "oxitocina!" Essa pequena proteína, com apenas nove aminoácidos de comprimento, é às vezes chamada de "hormônio do amor" porque está relacionada à formação de casais, cuidados maternais e outros comportamentos sociais positivos e amorosos.

Mas, recentemente, neurocientistas vêm revisando suas impressões sobre a oxitocina. Experimentos com camundongos e outros animais de laboratório indicam que, em vez de agir de gatilho em prol do bom comportamento social, essa molécula pode simplesmente aguçar a percepção de indicações sociais, de forma que os animais possam aprender a dirigir seu comportamento com maior precisão.

"Aparentemente, não é algo simples e direto como 'oxitocina é igual ao amor'", afirma Gül Dölen, neurocientista da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Se algo similar for válido sobre os seres humanos, essa descoberta pode, entre outras coisas, trazer uma dimensão inesperada para as tentativas de tratamento de distúrbios sociais como o autismo, alterando o sistema de oxitocina.

Os neurocientistas acreditavam há muito tempo que a liberação de oxitocina no cérebro poderia ser acionada por interações sociais com certos indivíduos, como filhos ou parceiros, que são importantes para nós e para outros animais.

E, quando os pesquisadores experimentalmente bloquearam a ação da oxitocina, os camundongos perderam a capacidade de reconhecer indivíduos socialmente importantes. Isso indica que a molécula desempenha papel importante no aprendizado social, embora os pesquisadores não saibam exatamente como a oxitocina realiza o seu trabalho.

Mas isso está mudando, graças aos avanços dos métodos neurocientíficos que, nos últimos anos, permitiram aos pesquisadores identificar e registrar a atividade de neurônios produtores de oxitocina individuais nas profundezas do cérebro. E esses registros contam uma história diferente da visão antiga - uma diferença sutil, mas importante.

No principal centro olfativo do cérebro de ratos, por exemplo, medições demonstram que a oxitocina inibe o disparo aleatório de células nervosas, de forma a permitir que os sinais neurais de odores reais se sobressaiam de forma mais proeminente. Isso ocorre de forma reversa, excitando as células nervosas conhecidas como células granulares, que inibem outras células nervosas.

A oxitocina pode ajudar o nosso cérebro a concentrar-se nos sinais mais importantes e eliminar o ruído, como se sintonizasse os sons dos nossos filhos
A oxitocina pode ajudar o nosso cérebro a concentrar-se nos sinais mais importantes e eliminar o ruído, como se sintonizasse os sons dos nossos filhos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Robert Froemke, neurocientista da Faculdade de Medicina Grossman da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e coautor de um estudo em conjunto com W. Scott Young, usa a forma como ele ouve seu bebê chorar sobre o ruído de fundo como analogia para a clareza criada pela oxitocina no cérebro.

"Tenho dois filhos pequenos", ele conta. "Mesmo a dois quartos de distância, com o ar condicionado ligado e dormindo profundamente, eu acordo assim que o bebê começa a chorar e logo estou cuidando dele, com as pupilas totalmente dilatadas."

A oxitocina também aumenta a reação do sistema de recompensas do cérebro, segundo Yevgenia Kozorovitskiy, neurocientista da Universidade do Noroeste, nos Estados Unidos. Este efeito pode alterar o comportamento do animal, fazendo com que ele deixe de buscar coisas novas no ambiente para concentrar-se nas recompensas sociais.

Entre os roedores conhecidos como arganazes-do-campo, por exemplo, essa mudança facilita a formação de casais - e essa espécie intriga os pesquisadores pelo seu comportamento monogâmico, que é raro em roedores. Entre outros efeitos, algumas das células sensíveis à oxitocina relacionam o odor do parceiro ao sistema de recompensas.

"A formação de casais é como se tornar adicto de um parceiro", afirma Young. "O parceiro é, por si só, uma recompensa."

Roedores promíscuos, como os camundongos e os arganazes-do-prado, não possuem esses receptores de oxitocina, mas é fascinante ver que eles estão presentes nos cérebros humanos, o que sugere que talvez as nossas reações sejam mais próximas dos arganazes-do-campo que dos camundongos. E a prima molecular da oxitocina, a vasopressina, também influencia a formação de casais.

Como em algumas espécies de roedores, a formação de casais pode nos tornar “adictos” dos nossos parceiros, reduzindo o comportamento promíscuo
Como em algumas espécies de roedores, a formação de casais pode nos tornar “adictos” dos nossos parceiros, reduzindo o comportamento promíscuo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas existe aqui uma complicação adicional importante: se o papel real da oxitocina é esclarecer as percepções sensoriais das interações sociais e não apenas promover a socialização, a substância provavelmente causa efeitos diferentes, dependendo do contexto. Young observa, por exemplo, que a oxitocina amplia os cuidados maternos dos camundongos (claramente um comportamento social positivo), mas também aumenta as agressões maternas contra indivíduos de fora da família.

Além disso, as fêmeas de arganazes-do-campo reagem de forma diferente à oxitocina, dependendo se já formaram um casal ou não, segundo as conclusões de Young e seus colegas. Em fêmeas que não formaram casais, a oxitocina reduz o ruído no sistema de recompensas, permitindo que elas aprendam a gostar do odor de um potencial parceiro. Mas, em fêmeas que já têm um parceiro, a molécula aumenta o volume do sistema de recompensas para fazer com que o parceiro seja uma recompensa maior, de forma a reduzir a agressão contra ele.

Algo similar também pode se aplicar às pessoas. Em um estudo de 2012, 30 homens em relacionamentos monogâmicos mantiveram distância social levemente maior de uma mulher atraente desconhecida quando receberam oxitocina por via intranasal que ao receberem placebo. Esse efeito não foi observado em um grupo similar de 27 homens solteiros.

A dependência da oxitocina com relação ao contexto pode dificultar os esforços para seu uso no tratamento de distúrbios do espectro autista. Alguns terapeutas já usam sprays intranasais de oxitocina para tratar pessoas com autismo, com base na teoria de que ela deverá aumentar sua reação aos estímulos sociais. Mas um grande teste clínico recente não conseguiu demonstrar esse efeito.

Young afirma que isso não é surpreendente, pois o teste não controlou o contexto em que os pacientes receberam os sprays. Se uma criança estiver sofrendo bullying na escola, por exemplo, o tratamento proposto poderá não ajudar, mas sim intensificar a experiência negativa, segundo ele. Young acredita que eventuais terapias com base em oxitocina precisariam ser administradas cuidadosamente, na segurança de uma sessão de terapia.

Os neurocientistas também observam que, embora a oxitocina claramente desempenhe um papel importante para regular os comportamentos sociais, como a formação de casais e os cuidados com os filhos, ela não é o único participante. "Apaixonar-se é uma experiência que envolve todo o corpo e o cérebro", afirma Kozorovitskiy. "Ela inclui elementos sensoriais e cognitivos e a memória é importante. A oxitocina é um dentre os muitos moduladores que mediam todas essas mudanças? Sim, com certeza. Mas podemos creditar tudo à oxitocina? Esta é certamente uma simplificação excessiva."

*Este artigo foi publicado originalmente na revista jornalística independente Knowable, da editora norte-americana Annual Reviews, e republicado pelo site BBC Future. Leia a versão original (em inglês).

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