O que são espécies-chave e por que precisamos delas?
De lobos a elefantes e musgos, algumas espécies de animais e plantas são determinantes para a preservação de ecossistemas saudáveis e com biodiversidade.Quando os lobos foram caçados quase à extinção em partes dos Estados Unidos e da Europa, o ambiente mudou rapidamente. Veados ou alces não tinham mais predador, o que lhes permitiu pastar em excesso e pisotear áreas com vegetação onde antes não ousavam pisar.
Populações maiores de mamíferos com cascos alteraram paisagens e destruíram habitats que sustentavam outras espécies, como pássaros canoros, que são aves capazes de emitir sons em várias notas. A erosão do solo fez com que os rios mudassem de curso, impactando os ecossistemas marinhos.
Esse grande impacto na biodiversidade é a característica comum das espécies-chave. Mas, como muitas estão ameaçadas pela caça ou pela perda de habitat, o ambiente que antes regulavam está sofrendo.
O que exatamente é uma espécie-chave?
No início dos anos 1960, o ecologista americano Robert Paine removeu estrelas-do-mar de uma área da costa e observou como os mexilhões que as estrelas-do-mar − que são predadores − costumavam comer viraram monocultura. Espécies marinhas como mariscos e anêmonas logo foram exterminadas, fazendo com que Paine percebesse a importância das estrelas-do-mar na regulação da biodiversidade costeira.
Ele se referiu ao predador como uma espécie-chave, descrevendo-o de forma análoga à pedra-chave de um arco que mantém todas as outras pedras no lugar.
Espécies-chave são muitas vezes consideradas predadores no topo da cadeia alimentar, como os lobos. Mas algumas estão bem abaixo na cadeia. O krill - uma das fontes de alimento mais abundantes do planeta - é o camarão antártico que regula a cadeia alimentar do Oceano Antártico, fornecendo alimento para diversas espécies, de baleias a pinguins e pássaros. Sem o krill, ecossistemas oceânicos inteiros seriam desequilibrados.
Outras espécies-chave são conhecidas como engenheiros do ecossistema - como castores, que constroem represas, criando piscinas profundas e habitats para peixes, tartarugas e sapos.
Impactos na biodiversidade
Muitas espécies-chave estão em perigo ou ameaçadas de extinção, incluindo onças nas Américas ou corais do Caribe, que fornecem alimento e abrigo essenciais para milhares de espécies de invertebrados e peixes.
A onça-pintada, cujo habitat ia do México à Argentina, é o maior felino das Américas e um dos principais predadores. Esses animais no topo da cadeia alimentar mantêm sob controle a população de herbívoros como veados e capivaras. Isso preserva a vegetação e limita a erosão do solo, e garantem que essas espécies não se reproduzam de forma a provocar desequilíbrios populacionais.
Extinta no Uruguai e em El Salvador e criticamente ameaçada de extinção na Argentina, restando apenas cerca de 200 exemplares, a importância da onça-pintada como espécie-chave inspirou um programa de reflorestamento das zonas úmidas argentinas, reintroduzindo o felino pela primeira vez em 70 anos.
Animais grandes e plantas minúsculas são espécies-chave
Os elefantes, por sua vez, podem não ser predadores, mas mantêm as savanas da África como engenheiros do ecossistema. À medida que derrubam arbustos e arrancam pequenas acácias, os elefantes mantêm o habitat de animais que pastam, como antílopes, impalas e gazelas. E quando o maior mamífero terrestre cava no solo para criar poços de água, ele permite que espécies como zebras e girafas sobrevivam à seca. Mas essas funções vitais do ecossistema estão sendo perdidas à medida que os elefantes se tornam ameaçados devido à caça ilegal de marfim.
Os musgos esfagno podem ser muito menos visíveis, mas também são uma espécie-chave devido à sua capacidade de manter as turfeiras que regulam o clima. O musgo do pântano, uma briófita, é uma planta esponjosa espessa que retém a água durante a seca e ajuda a retardar a decomposição nas turfeiras, retendo o CO2 que aquece o planeta.
Esta função climática vital está em declínio, no entanto, com 22,5% das espécies de briófitas ameaçadas apenas na Europa. "Sem essas briófitas, os ecossistemas de turfeiras não podem funcionar de forma eficaz", afirmou a Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade.
O que acontece quando as espécies-chave retornam?
A lontra marinha é uma espécie-chave e peça central nos ecossistemas costeiros que quase foi levada à extinção no século 19. Mas depois que a caça de peles de lontras foi proibida internacionalmente, em 1911, as populações dessas criaturas cresceram, especialmente ao longo da costa oeste da América do Norte.
As lontras que voltaram se alimentar de ouriços-do-mar e crustáceos que, na ausência de um predador, haviam invadido as florestas de algas. As florestas submarinas podem se regenerar e fornecer habitat para diversas espécies oceânicas, incluindo peixes e invertebrados como lulas e camarões. As lontras marinhas protegidas estão hoje mantendo a biodiversidade da vida marinha da Califórnia ao Alasca.
Benefícios dos predadores
Os lobos, por sua vez, foram caçados no que hoje é o Parque Nacional de Yellowstone cerca de 70 anos antes de serem reintroduzidos, em 1995. A ideia era reequilibrar um ecossistema em colapso. A reintrodução do predador no parque localizado principalmente no estado americano de Wyoming trouxe rápidos benefícios para a biodiversidade.
Sua presença limitou o alcance e o impacto de alces e veados, permitindo a recuperação de diversas vegetações e árvores, como salgueiros e choupos. Carcaças de animais deixadas para trás por lobos forneceram alimento para uma diversidade de espécies, como corvos, águias e ursos. Enquanto isso, conforme os coiotes se retiraram dos territórios dos lobos, outros pequenos predadores e roedores puderam se beneficiar, de acordo com o Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos.
O fato de haver menos animais com cascos destrutivos fez diminuir rapidamente a erosão do solo, permitindo que a biodiversidade ribeirinha se regenerasse. Isso, por sua vez, trouxe de volta castores construtores de ecossistemas.
"É como chutar uma pedra na encosta de uma montanha onde o equilíbrio é perfeito, de modo que essa pedra caindo pode desencadear uma avalanche de mudanças", observou Doug Smith, biólogo da vida selvagem que lidera o Yellowstone Wolf Project.