Os arqueólogos brasileiros que bancaram a própria viagem para descobrir múmias de faraó no Egito
Área escavada pelos pesquisadores nunca tinha sido aberta. Trabalho só deve ser concluído em 2019.
A expressão "fazer história" parece soar redundante quando se fala de uma tumba egípcia de 3,5 mil anos atrás. Mas um grupo de pesquisadores brasileiros está garantindo seu lugar no panteão da ciência nacional justamente no Egito. O arqueólogo brasileiro José Roberto Pellini, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), capitaneia a primeira missão brasileira que coordena escavações no país.
Sete brasileiros e quatro egípcios trabalham desde 17 de dezembro na tumba 123/368 da famosa Necrópole Tebana, em Luxor. "Trata-se de um tumba inédita, que nunca tinha sido aberta, escavada e estudada", afirmou Pellini à BBC Brasil. "O único registro que havia era de um expedicionário inglês que esteve aqui no século 19, ficou dois dias e deixou algumas anotações." Ela fica em uma área conhecida como Sheikh Abd el-Qurna, um dos setores da necrópole onde estão sepultados os nobres.
O monumento foi erguido durante o reinado de Tutmés III, o sexto faraó da 18ª dinastia egípcia, na época conhecida como Império Novo. Não há um consenso entre estudiosos sobre o período exato do governo de Tutmés III - alguns acreditam que tenha sido entre 1504 e 1450 a.C.; outros, entre 1479 e 1425 a.C.
Pellini e sua equipe haviam estado no local para um planejamento do estudo em março do ano passado. "Já vislumbrávamos muito potencial", disse. Agora, com a abertura da tumba, a certeza é maior. "Em uma pequena limpeza já encontramos diversas peças em excelente estado de conservação. A expectativa é que ela renda muito em termos de conhecimentos e de objetos nos próximos anos."
Pelo cronograma, os brasileiros concluem esta etapa ainda neste mês de janeiro. "Até agora nos concentramos em documentar uma série de blocos de granito, de calcário e de arenito encontrados dentro da tumba. Este material está sendo fotografado e analisado", explicou o pesquisador. No início de 2019, eles retornam. E aí sim devem escavar completamente o local.
A aposta é alta. "Nas intervenções pontuais que a gente fez, a quantidade de material que saiu é bastante grande. São peças de sarcófago, pedaços de múmia, pequenas figuras de cerâmica, pedaços de vasos... Isso só limpando a tumba", disse Pellini. "Com a escavação de fato, a tendência é que pipoque material importante e, com certeza, muito bem preservado."
Brasileiros no Egito
Batizada de Bape (sigla em inglês para Programa Arqueológico Brasileiro no Egito), esta missão é a primeira coordenada e planejada por brasileiros. Antes, arqueólogos do Brasil já haviam integrado trabalhos de outras equipes - austríacas, francesas e uma argentina. "Eu mesmo trabalhei durante oito anos para a missão argentina", relatou Pellini.
O programa Bape foi criado em 2015, com o apoio institucional da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - na época, Pellini lecionava lá. No ano passado, o professor transferiu-se para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o projeto foi encampado pelo Departamento de Antropologia e Arqueologia da instituição mineira. Atualmente, o programa está firmando uma parceria também com a Universidade Nacional de Córdoba, da Argentina.
Todos os custos da missão, por enquanto, estão sendo bancados com recursos próprios dos pesquisadores. "A UFMG nos dá apoio institucional. Mas nossa ideia é firmar parcerias que nos patrocinem, inclusive com órgãos como Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação)", afirmou o professor. "Acredito que na próxima etapa, em 2019, já teremos algo mais sólido em relação aos financiamentos."
Para ser viabilizado, o trabalho também foi estruturado a partir de uma parceria com o governo egípcio - por meio do Centro de Documentação de Antiguidades, órgão do Serviço de Antiguidades do Egito.
"Nosso projeto é centrado na escavação, na restauração e na conservação da tumba", explicou o arqueólogo. "Vamos registrar e documentar os objetos, tentar entender as cenas, as paredes, os hieróglifos, trabalhar com toda a cultura material que virá da tumba. Por fim, cuidar da restauração do espaço, que está bem danificado." Na parte antropológica do projeto, estão previstas conversas com a população local em busca de respostas interpretativas.
O Egito tem tanta riqueza histórica que, na avaliação de Pellini, "vão se passar 150 anos e ainda terá muita coisa para ser descoberta por aqui". "Esta tumba é um exemplo: mesmo na Necrópole Tebana, que já tem mais de um século de trabalhos arqueológicos, ela nunca foi escavada e estudada. Então estamos fazendo história aqui", disse.
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