Os chimpanzés têm suas próprias culturas - mas a atividade humana está acabando com a diversidade
Ao contrário de outros animais, diferenças de comportamento entre os bichos não são apenas respostas à variações no ambiente. Elas são únicas e transmidos de geração para geração - como acontece com a cultura humana.
Os seres humanos não são os únicos animais com diferentes culturas. Historicamente, a cultura era considerada um traço humano, uma característica única de nossa espécie. Mas a ciência encontrou evidências de que os animais também têm cultura - especialmente os chimpanzés. Esta espécie tem as culturas mais elaboradas e diversificadas entre todos os primatas, à exceção dos humanos, e elas estão ameaçadas.
A cultura é um conceito com muitas definições, mas pode ser entendido aqui como o padrão de conhecimento, crenças e comportamentos humanos que depende da capacidade de transmissão de conhecimento entre gerações.
Os chimpanzés têm hábitos e comportamentos que variam muito de grupo para grupo. E, diferentemente de outros animais, essas diferenças não são apenas respostas à variações no ambiente e são transmitidas de geração para geração - como acontece com a cultura humana.
Os chimpanzés da África Ocidental, por exemplo, são os únicos a usar madeira como martelo para quebrar nozes, embora a madeira esteja disponível para a espécie no continente todo. Eles também usam longas ferramentas para "pescar" algas. Na África Central, chimpanzés usam varetas para abrir colmeias de abelhas.
As diferenças também se aplicam na comunicação. Alguns grupos rasgam folhas com os dentes para chamar atenção dos companheiros, outros fazem barulho quebrando varetas.
40 tradições
A famosa primatologista Jane Goodall está entre os inúmeros pesquisadores que descreveram as diferenças culturais entre chimpanzés. Em um estudo publicado na revista científica Nature há 20 anos, ela sintetizou 40 tradições entre chimpanzés que eram comuns apenas em alguns grupos, indicando variação cultural.
São comportamentos que incluem uso de ferramentas, construção de ninhos, danças, rituais de acasalamento e catação (o chamado "grooming", a forma como eles se penteiam e cuidam uns dos outros).
Outro exemplo: na floresta Tai, na Costa do Marfim, os jovens chimpanzés que querem sinalizar para um colega que querem brincar, eles constroem um ninho no chão e sentam sobre ele - isso acontece apenas ali, já que na maioria das comunidades ninhos no chão são usados somente para descanso.
No entanto, um estudo publicado no mês passado na revista científica Science aponta que toda essa riqueza cultural está em perigo: a atividade humana está acabando com diversidade culturas dos bichos.
Os impactos negativos causados em espécies do reino animal normalmente são conduzidos "no contexto do declínio (em números) da espécie ou na perda de diversidade genética e funcionamento de ecossistemas. No entanto, diversidade comportamental também é um fator da biodiversidade", afirma o Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária, uma das 31 instituições que participaram da pesquisa.
A pesquisa foi feita por 77 cientistas do mundo todo e liderada por Hjalmar Kühl e Ammie Kalan, do departamento de primatologia do Instituto Max Planck.
O grupo descobriu que a perturbação causada pelos humanos está reduzindo esses traços complexos, ou seja, "a influência humana vai além da simples perda de populações, levando a mudanças comportamentais mesmo onde as populações persistem", segundo a Science.
A conclusão do estudo foi de que os homens destroem os recursos e perturbam os processos sociais de aprendizagem necessários para transmissão de comportamento e cultura entre os chimpanzés.
Os pesquisadores usaram informações de 144 comunidades de primatas em 15 países diferentes e analisaram 31 comportamentos. Os dados mostram que os bichos vivendo em áreas que sofrem alto impacto humano tem a diversidade de comportamento reduzida em 88%.
Herança cultural
É sabido que, entre humanos, o tamanho de uma população é crucial para a manutenção de traços culturais, e os biólogos acreditam que um mecanismo semelhante afeta o comportamento dos chimpanzés.
Além de terem sua população diminuída, esses grupos de primatas enfrentam o desafio de conviver com seres humanos em seu habitat natural. Para isso, eles precisam ser mais discretos para conseguir sobreviver em áreas onde há risco de serem caçados e onde suas fontes de alimento e seus abrigos são ameaçados por desmatamento, poluição e outros problemas trazidos pelas pessoas.
Segundo os pesquisadores, esses problemas forçam os chimpanzés a procurar comida em grupos menores e evitar comportamentos que possam chamar a atenção - como a quebra de nozes com instrumentos. Também os levam a usar menos comunicação à distância, como gritos, batidas em troncos de árvores e outras características culturais exclusivas a alguns grupos - como a construção de ninhos para chamar para brincar, no estilo dos primatas da Costa do Marfim.
"Isso tudo reduz oportunidades para aprendizagem social e impede a transferência de tradições locais de uma geração à outra", diz o estudo.
Segundo o Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária, o aquecimento global também é um fator importante, pois influencia a disponibilidade de comida.
Esses fatores combinados fazem com que comportamentos culturais não se espalhem, segundo os pesquisadores.
"Nossas descobertas sugerem que estratégias para conservação da biodiversidade deveriam ser ampliadas para incluir também a proteção da diversidade de comportamentos", disse Hjalmar Kühl, um dos biólogos do instituto que lideraram a pesquisa.
Ele sugere que locais em que comportamentos excepcionais foram observados entre os bichos deveriam ser protegidos como locais de "herança cultural de chimpanzés", algo que poderia também ser estendido para outras espécies em que há variação cultural, como orangotangos e baleias.
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