Pássaros que imitam flores, animais 'daninhos' e outras insólitas criaturas do futuro na Terra
Que seres poderiam se desenvolver em 100 milhões de anos, diante do que sabemos sobre a vida no planeta hoje e os princípios da evolução?
No início dos anos 1980, o escritor Dougal Dixon publicou After Man: A Zoology of the Future (Depois do homem: Uma zoologia do futuro, em tradução livre), em que imaginava como os animais seriam daqui a milhões de anos.
Dixon escreveu sobre musaranhos que usam caudas como paraquedas, macacos voadores, cobras muito compridas que atacam pássaros em pleno voo, marsupiais planadores que empalam suas presas com longos espinhos no peito, pássaros com cara de flor e morcegos que enganam insetos polinizadores para pousar em suas bocas famintas.
Décadas depois, Dixon diz que seu livro não foi uma tentativa de prever o futuro, mas sim uma exploração de todas as possibilidades do mundo natural: "Livros sobre evolução parecem sugerir que a evolução é algo do passado. Mas a evolução está ocorrendo hoje e continuará a ocorrer no futuro, muito depois de termos partido."
Embora o livro de Dixon seja uma obra de ficção, a maioria dos biólogos concorda que, daqui a milhões de anos, a Terra será um lugar muito diferente.
"Acho que vai parecer um planeta alienígena", diz Athena Aktipis, bióloga evolucionária da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos.
Qualquer que seja essa evolução, seu resultado parecerá estranho e improvável para nós hoje - assim como o mundo atual, dominado por mamíferos, teria parecido improvável do ponto de vista dos dinossauros. Então, como será a vida no futuro? Que criaturas poderão se desenvolver em, digamos, 100 milhões de anos, dado o que sabemos sobre a vida na Terra e os princípios da evolução?
Vamos começar retrocedendo milhões de anos, para uma era muito mais antiga de nosso planeta. Na explosão Cambriana, há cerca de 540 milhões de anos, a Terra passou a ser povoada por criaturas "esquisitas", de acordo com Jonathan Losos, um biólogo evolucionário da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
"O Folhelho Burgess [no Canadá] era habitado por um verdadeiro bestiário", escreve ele em Improbable Destinies: Fate, Chance e Future of Evolution (Destinos improváveis: Destino, acaso e futuro da evolução, em tradução livre).
Animais do gênero Hallucigenia, com seu corpo fino, parecido com um tubo, coberto por fileiras de espinhos enormes e apêndices semelhantes a garras, eram "algo como um episódio de uma série de ficção científica".
Não é impossível que criaturas evoluam para formas tão estranhas e incomuns quanto essa no futuro. "Qualquer coisa que consideramos hoje plausível evoluiu a partir de algum lugar em algum ponto de alguma espécie. Com tempo suficiente, até mesmo o improvável pode ocorrer", argumenta Losos.
Segundo ele, as possibilidades biológicas são vastas, e talvez ainda não tenhamos visto tudo. "Não estou nem um pouco convencido de que a vida na Terra tenha descoberto todos os modos e formas imagináveis de existir", escreve Losos.
O homem como força evolucionária
Ainda assim, é difícil prever quais dessas possibilidades podem ser alcançadas. O livro de Losos analisa os argumentos a favor e contra a previsibilidade da evolução - a questão de saber se o curso da história se repetiria se voltássemos no tempo.
Há evidências conflitantes, e simplesmente não sabemos até que ponto a evolução é previsível e repetível durante longos períodos de tempo. Acrescente a isso um elemento de acaso - uma enorme erupção vulcânica ou um asteroide atingindo a Terra -, e previsões se tornam quase impossíveis.
No entanto, podemos fazer suposições. Primeiro, no entanto, devemos abordar o impacto de uma grande força evolucionária que já está transformando a vida em todo o mundo: o Homo sapiens.
Se humanos prosperarem por milhões de anos, terão um efeito marcante na evolução futura, e a seleção natural produzirá novas variedades de vida para lidar com os ambientes que criaremos.
"Veja a evolução do bico de um pássaro que se especializou em se alimentar de latas, ou ratos que desenvolveram uma pele oleosa para se proteger de água tóxica", escreve Peter Ward, paleontólogo da Universidade de Washington, em Future Evolution (Evolução Futura, em tradução livre).
Ward prevê oportunidades para novos tipos de criaturas resistentes e adaptáveis que não se importam em viver no entorno de humanos e são capazes de fazer uso de seu mundo, como gatos domésticos, ratos, guaxinins, coiotes, corvos, pombos, estorninhos, pardais, moscas, pulgas, carrapatos e parasitas intestinais.
Em um planeta mais quente e seco por influência dos seres humanos, a falta de água doce também pode levar a adaptações. "Imagino animais que evoluam para capturar a umidade do ar", diz Patricia Brennan, bióloga evolucionária do Mount Holyoke College, em Massachusetts, nos Estados Unidos.
"Animais maiores podem desenvolver abas de pele que podem ser estendidas no início da manhã para tentar capturar a umidade. As dobras do pescoço de alguns lagartos, por exemplo, podem se tornar muito grandes para coletar água dessa maneira."
Em um mundo mais quente, Brennan também prevê o surgimento de mamíferos e pássaros pelados: "Mamíferos podem perder o pelo em algumas áreas e coletar água com bolsas de pele. Em um planeta em aquecimento, animais endotérmicos [aqueles que geram seu próprio calor] podem enfrentar dificuldades, então, as aves em climas mais quentes podem perder penas para evitar o superaquecimento, e os mamíferos podem perder a maior parte da pelagem."
Humanos do futuro também podem decidir manipular diretamente a vida - na verdade, isso já está acontecendo. Como a pesquisadora Lauren Holt escreveu para a série Civilização Profunda, da BBC Future, no início deste ano, a trajetória da vida na Terra poderia ser "pós-natural".
Nesse cenário, a engenharia genética, a biotecnologia e a influência da cultura humana poderiam redirecionar a evolução para caminhos radicalmente diferentes, como drones de polinização. A evolução da vida seria entrelaçada com os desejos e necessidades da humanidade.
O papel das extinções em massa
No entanto, existem caminhos alternativos para a evolução: por exemplo, nossos descendentes podem decidir reordenar a natureza e deixar a evolução natural seguir seu curso, ou os humanos podem ser extintos (como é o cenário de After Man).
A extinção, em particular, pode levar a inovações evolutivas radicais. Em essência, uma extinção em massa reconfigura o relógio evolucionário, argumenta Ward. Após as extinções em massa anteriores, diz ele, plantas e animais mudaram radicalmente.
A extinção do período Permiano, cerca de 252 milhões de anos atrás, eliminou mais de 95% das espécies marinhas e 70% das espécies terrestres, incluindo répteis com barbatanas e outros seres enormes que dominavam a Terra na época. Isso abriu espaço para que os dinossauros evoluíssem e se tornassem os animais terrestres dominantes, um resultado tão improvável e inesperado quanto a invasão de mamíferos após a extinção em massa dos dinossauros.
"Não foi apenas uma simples mudança, mas uma transformação profunda", escreve Ward. "As extinções em massa fizeram mais do que apenas mudar o número de espécies na Terra. Elas também mudaram a composição do planeta."
Após uma extinção, alguns biólogos acreditam ser possível que surjam novas formas de vida tão diferentes que nem imaginamos como poderiam ser. Nos primeiros bilhões de anos de vida na Terra, por exemplo, animais que respiram oxigênio seriam inconcebíveis, porque esse gás era escasso, e as células não evoluíram para usá-lo como energia.
Isso mudou para sempre há cerca de 2,4 bilhões, quando a chegada das bactérias fotossintetizadoras levou à primeira extinção em massa da Terra.
"Os micróbios fizeram com que todo o planeta tivesse oxigênio, e isso criou uma enorme mudança", diz Leonora Bittelston, bióloga evolucionária do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. "Houve muitas inovações que poderiam ter sido difíceis de prever, mas, uma vez que começam a acontecer, elas mudaram nosso planeta."
Um mundo pós-humano
Então, sem os humanos à vista, quão selvagens e sofisticados os outros seres vivos se tornariam daqui a 100 milhões de anos?
Árvores começariam a andar ou a se alimentar de animais depois de matá-los com fumaça tóxica ou dardos venenosos? Aranhas se mudariam para a água e usariam teias para pescar sardinhas, enquanto peixes aprenderiam a voar para se alimentar de insetos e pássaros? Animais que habitam as profundezas do mar poderiam projetar hologramas brilhantes de si mesmos para enganar predadores, atrair presas ou impressionar possíveis parceiros? Talvez orcas e bagres recuperem a capacidade dos seus antepassados de andar sobre a terra para caçarem?
Poderíamos também ver organismos se estabelecerem em habitats anteriormente pouco explorados: por exemplo, fungos venenosos gigantes que flutuam no ar, como uma água-viva no mar, consumindo tudo que encontram pela frente? Ou insetos e aranhas construiriam ninhos de seda nas nuvens para se alimentar de organismos fotossintetizantes no céu? E, se plantas ou micróbios desenvolvessem uma espécie de painel solar para concentrar a luz do sol, oásis de vida poderiam surgir nas geleiras glaciais?
Nenhuma dessas criaturas fantásticas parece impossível, diz Aktipis. Muito disso se baseia no que já existe na natureza: há aranhas que navegam e planam, há vida microbiana nas nuvens, e o tamboril do fundo do mar usa esferas bioluminescentes para atrair presas. Algumas populações de orcas e bagres chegam bem próximos da praia para caçar animais, e pequenos oásis de já vida florescem no gelo, onde há resíduos de fuligem, pedras e micróbios.
Jo Wolfe, uma bióloga evolucionária da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, observa que algumas árvores são capazes de "caminhar" muito lentamente em direção a fontes de água, e pensa ser possível que evoluam para caçar usando gases venenosos ou até ramos pontiagudos. Afinal, já temos plantas carnívoras que usam armadilhas venenosas.
Ela também aponta para a existência de aranhas que comem peixes, e diz que os micróbios que habitam as nuvens podem evoluir da multidão de pequenos organismos conhecidos como Prochlorococcus que vivem nas partes mais elevadas do oceano.
Na natureza, muitas vezes são necessárias adaptações para viver em ambientes extremos. A Terra já tem muitos destes, e isso não vai mudar. Por exemplo, o tamboril macho respondeu à terrível escassez de potenciais parceiros no oceano profundo. Quando encontra uma fêmea, ele se funde ao seu corpo.
"É tão improvável que ele volte a se deparar com outra fêmea que simplesmente se torna um estoque de esperma para ela", diz Kristin Hook, ecologista comportamental da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. "Então, poderemos ver animais fazendo mais coisas assim, e, com o tempo, imagino que a seleção favorecerá animais que poderão se autofecundar quando achar parceiros for quase impossível."
Com base no que sabemos sobre a natureza, também não devemos presumir que as futuras criaturas permanecerão confinadas aos seus habitats atuais. A bioquímica Lynn Caporale aponta que alguns peixes "voadores" já podem pegar insetos (e até pássaros), e alguns peixes conseguem andar sobre a terra e até escalar árvores. Mesmo lulas ocasionalmente voam acima da superfície do oceano, usando jatos de água como propulsão e barbatanas que funcionam como asas.
Essa possível troca de habitat leva a algumas possibilidades bastante fantásticas. Pense num sapo cuja garganta incha como um grande saco de gás usado para fazer atrair fêmeas para acasalamento. Em seu livro, Ward imagina que ele se torna um novo tipo de animal flutuante que habita a atmosfera.
O sapo poderia evoluir para produzir hidrogênio fora da água e armazená-lo em sua garganta, ajudando-o a pular e flutuar no ar. Suas pernas - não mais necessárias para andar - poderiam se tornar tentáculos usados para a alimentação e cresceriam para evitar serem comidos - talvez até maiores que uma baleia.
Estes animais, diz Ward, ainda são "ficção", "mas existe um lampejo de realidade nesta fábula". Certa vez, houve um primeiro organismo voador e o primeiro organismo nadador, e sabemos que outras espécies evoluíram a partir deles, já que a inovação permitiu que eles fossem para um habitat ao qual nunca haviam tido acesso antes.
Dado que nossa compreensão da evolução e da genética é incompleta e que isso provavelmente dependerá de eventos fortuitos, ninguém pode saber ao certo como será a vida futura. Escolher os vencedores evolutivos do futuro é como fazer apostas no mercado de ações ou prever o tempo, escreve Ward.
Temos alguns dados para fazer suposições, mas também há um grande grau de incerteza: "As cores, os hábitos e as formas da fauna do futuro só podem ser imaginados."
Losos concorda. "No fim do dia", diz ele, "o possibilidades são tão amplas e incertas que é realmente inútil especular sobre a vida futura, que pode seguir por muitos caminhos diferentes."
Mas, se a estranheza da vida atual é um guia, não devemos descartar a possibilidade de que a evolução futura possa trilhar caminhos verdadeiramente espantosos. E mesmo a diversidade natural atual permanece inexplorada.
De fato, Dixon observa que várias das criações "puramente especulativas" que ele descreveu em Afterman foram depois descobertas: por exemplo, morcegos que caminham e cobras que podem pegar morcegos do ar. Como ele refletiu em seu livro: "Muitas vezes, me deparei com um novo desenvolvimento ecológico ou evolucionário e pensei: 'Se eu tivesse colocado isso em After Man, todos teriam rido'".