Brasileiros desenvolvem coração artificial implantável e mais barato
Modelo está sendo testado em bezerros e ainda precisa passar por uma série de testes antes de ser liberado para uso em humanos; modelo deve custar bem menos do que os existentes hoje
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia desenvolveram o primeiro protótipo brasileiro de coração artificial totalmente implantável. O dispositivo é indicado para pacientes com insuficiência cardíaca, problema que afeta cerca de 6,5 milhões de pessoas no País e mata em torno de 25 mil todos os anos, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
O objetivo do equipamento, que ainda não foi testado em humanos, não é substituir o coração e sim auxiliá-lo no bombeamento de sangue enquanto o paciente aguarda um órgão para transplante. Os primeiros experimentos realizados com bezerros apresentaram bons resultados. "Em países desenvolvidos já existem modelos de coração artificial totalmente implantáveis, mas o custo de importação é elevado – mais de R$ 200 mil – e poucos têm acesso. Nossa ideia é desenvolver uma versão nacional que custe em torno de R$10 mil", contou José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica (Poli) da USP e coordenador da pesquisa financiada pela Fapesp.
Segundo Cardoso, há outros modelos de coração artificial desenvolvidos no Brasil, no Instituto do Coração (Incor) da USP e até mesmo no próprio Dante Pazzanese. Mas são todos equipamentos extracorpóreos. Nesses casos, tubos saem do corpo do paciente e ficam ligados a uma maleta, onde está a bomba e a bateria. "O paciente precisa carregar essa maleta para todo lado e o equipamento fica em contato com o ambiente. Além do incômodo, o grande problema é o risco de infecção", disse Cardoso.
O novo protótipo implantável começou a ser desenvolvido em 2006. A bomba foi feita no Departamento de Engenharia Mecatrônica da Poli e os motores elétricos e circuitos que controlam seu funcionamento foram criados no Laboratório de Eletromagnetismo Aplicado, coordenado por Cardoso. A parte médica e os ensaios com animais ficaram sob a responsabilidade da equipe do Dante Pazzanese, instituto vinculado à Secretaria de Estado da Saúde. "A maioria dos modelos existentes no exterior usa bombas do tipo axial, em que o sangue entra por um lado de um tubo e sai pelo outro. Nós optamos por uma bomba do tipo radial, em que o sangue entra pelo centro do cilindro e sai pela lateral", contou Cardoso.
A vantagem, segundo o pesquisador, é que a bomba radial funciona com uma rotação menor. Além de diminuir o ruído – algo importante a se considerar em um dispositivo que fica dentro do corpo –, a agressão ao sangue durante o bombeamento também é menor.
Dois tipos de problemas são mais preocupantes quando o sangue é pressionado de forma exagerada: a liberação excessiva de hemoglobina pelos glóbulos vermelhos, o que poderia intoxicar os rins e o fígado, e a ativação das plaquetas, elevando o risco de trombose. Por esse motivo, um dos grandes desafios dos pesquisadores é prever o comportamento do sangue em função da pressão da bomba, explicou Cardoso. "O sangue é um fluido muito difícil de modelar, pois é composto de partes líquidas e sólidas e, quando você pressiona, ele diminui de volume. É diferente da água, que sempre mantém o volume constante. Fazemos simulações por meio de ferramentas computacionais e experiências em bancada para verificar se a distribuição está ocorrendo na velocidade prevista e se não há pontos de estrangulamento", explica.
Como funciona
A bomba foi idealizada para ser implantada em uma cavidade próxima ao coração. Tem formato de cone e o tamanho aproximado de uma laranja. Os pesquisadores pretendem aperfeiçoar o dispositivo e torná-lo ainda menor.
A equipe contou com a consultoria do cardiologista Adib Jatene, diretor do Hospital do Coração, na definição da forma ideal da bomba e o local mais adequado para implantá-la.
Também fazem parte do dispositivo uma caixa, que abriga o circuito eletrônico e fica perto da bomba, e uma bobina, que fica próxima à pele e serve para recarregar o aparelho.
"Outro grande desafio para fazer um dispositivo implantável é encontrar uma boa maneira de carregá-lo. Nós desenvolvemos um método que funciona por indução, ou seja, uma bobina é colocada em cima da pele e fazemos passar um corrente por ela. Isso produz um campo magnético que induz a corrente para a bobina interna e carrega a bateria", diz Cardoso.
Os cientistas estimam que a bateria teria de ser carregada diariamente, mas o processo levaria apenas 40 minutos aproximadamente. O paciente levaria consigo um carregador pequeno, ligaria em uma tomada e colocaria a bobina embaixo da camisa. O método mostrou bons resultados nos testes feitos em laboratório, em que os cientistas usaram uma camada de água para simular as características da pele. Mas Cardoso alerta que novos experimentos precisam ser realizados in vivo para ter certeza de que a corrente elétrica usada não vai lesionar os tecidos.
Já o funcionamento da bomba foi avaliado em testes com bezerros, contou o pesquisador. "Mas, até o momento, deixamos o equipamento do lado de fora do corpo dos animais para poder avaliar se o volume de sangue bombeado estava adequado e se a pressão estava correta. Agora vamos fazer novos experimentos com o equipamento implantado e precisaremos deixar alguns fios de fora para fazer as medições", disse.
Nesta segunda etapa da pesquisa que se inicia, contou Cardoso, a meta é transformar o protótipo em um produto capaz de competir com os modelos existentes no exterior. "Além do funcionamento, precisamos avaliar outros parâmetros, como aquecimento, ruído e ajustar o circuito impresso para reduzir ainda mais o tamanho. Existe uma série de problemas de natureza mecânica e elétrica que ainda precisam ser estudados para se chegar ao tamanho mínimo", afirma Cardoso.
Os experimentos feitos até o momento já deram origem a cerca de 50 artigos publicados em revistas científicas e apresentados em congressos.