Criação em laboratório de vírus híbrido de gripe aviária desperta temor
Imunologistas expressaram preocupações nesta sexta-feira sobre o trabalho "perigoso" de cientistas na China, que criaram um vírus híbrido de gripe das aves capaz de se disseminar pelo ar entre cobaias, e que agora é mantido no freezer de um laboratório.
A equipe da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas e da Universidade Agrícola Gansu escreveram em um artigo na revista científica Science que haviam criado um novo vírus misturando os genes da "gripe das aves" H5N1 e o da "gripe suína" H1N1.
Transmitido às pessoas pelas aves, o H5N1 é letal em 60% dos casos, mas não é transmitido entre humanos, característica que até agora evitou uma pandemia. Alguns argumentam que estudos híbridos como este esclarecem como o vírus consegue sofrer mutação na natureza para causar uma epidemia humana, e podem ajudar às pessoas a se preparar.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o H5N1 infectou 628 pessoas e matou 374 desde 2003. O H1N1, que surgiu no México, é altamente transmissível e infectou um quinto da população mundial em uma pandemia registrada entre 2009 e 2010, mas é quase tão letal quando uma gripe comum.
O novo vírus mutante foi transmitido facilmente entre cobaias através de gotículas respiratórias. Com isso, a equipe chinesa indicou ter provado que o vírus mortal H5N1 pode precisar apenas de uma simples mutação genética para "adquirir transmissibilidade entre mamíferos".
Híbridos de gripe podem aparecer na natureza quando duas cepas infectam a mesma célula e trocam genes em um processo conhecido como reagrupamento, mas não existem evidências de que o H1N1 e o H5N1 tenham feito isso até agora. Alguns observadores temem que a ciência esteja colocando a Humanidade em risco ao criar tais mutantes.
"Estes vírus feitos pelo homem nunca estiveram na natureza. Agora estão armazenados em um freezer", disse à AFP o professor de virologia Simon Wain-Hobson, do Instituto Pasteur, da França. Wain-Hobson citou um vazamento em laboratório de febre aftosa, uma doença que afeta o gado e que causou um surto na Grã-Bretanha seis anos atrás.
Ainda não ficou claro como o híbrido da gripe, que não é mortal para as cobaias, poderia afetar as pessoas, mas Wain-Hobson alertou: "Estes vírus podem causar pandemias". "Isto é, se acontecer algum erro e eles escaparem ou coisa parecida, isso pode afetar as pessoas e provocar entre 100 mil e 100 milhões de mortes", acrescentou.
Wain-Hobson e outros temem que o risco possa ser ainda maior que o valor científico da pesquisa. As descobertas, argumentam, têm pouco valor para a descoberta de uma vacina ou de um tratamento que levaria anos para desenvolver, provavelmente muito antes de um surto.
"O registro de retenção nos mais importantes laboratórios de contenção não é bom. Tem havido repetidos vazamentos", afirmou Robert May, ex-presidente da Royal Society of Science britânica.
"Você não faz estas coisas a menos que exista algum apelo de emergência extrema", afirmou. "Estamos enfrentando um perigo presente e real com benefícios extremamente dúbios para o público".
O virologista John Oxford, da Universidade Queen Mary, de Londres, no entanto, disse que o experimento era um alerta importante. Ele demonstrou como dois vírus, ambos que ainda infectam pessoas ao redor do mundo, podem trocar genes.
"A matemática dirá que cedo ou tarde uma pessoa será coinfectada", afirmou, provavelmente levando a um vírus híbrido "que começará a se disseminar". "Precisamos nos reorganizar, rever nossos planos de pandemia e estar certos de que temos estoques de vacina para o H5N1", afirmou Oxford.
Em janeiro, cientistas dos Estados Unidos e da Holanda retomaram a controversa pesquisa sobre seus próprios vírus híbridos após uma pausa de um ano para reduzir temores de que o vírus possa escapar do laboratório ou cair nas mãos de terroristas.
Sua criação conseguiu ser transmitida entre furões, considerados bons modelos de pesquisa para a disseminação de doenças entre seres humanos. As equipes americana e holandesa citaram uma "responsabilidade de saúde pública" para retomar o trabalho, interrompido após um clamor público e sondagens sobre segurança global.
Jeremy Farrar, diretor da Unidade de Pesquisa Clínica da Universidade de Oxford, no Vietnã, disse à Nature News que o novo estudo demonstrou que o H5N1 continuava a representar uma ameaça muito real.
"Eu acredito que esta pesquisa é crítica para a nossa compreensão do influenza. Mas este trabalho, onde quer que seja no mundo, precisa ser estritamente regulado e realizado nas instalações mais seguras, que sejam registradas e certificadas com padrão internacional", afirmou.
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