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Cura da aids ainda está distante, diz um dos descobridores do HIV

Robert Gallo, um dos primeiros a relacionar o vírus como causa da aids, não vê "cura funcional" de bebê como sinal de vacina definitiva próxima

11 mar 2013 - 08h21
(atualizado às 08h21)
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Em foto de 2009, Robert Gallo e Luc Montagnier (ao fundo), dois dos pioneiros nas pesquisas sobre o HIV, durante palestra em Washington
Em foto de 2009, Robert Gallo e Luc Montagnier (ao fundo), dois dos pioneiros nas pesquisas sobre o HIV, durante palestra em Washington
Foto: Win McNamee / Getty Images

No dia 3 de março, uma equipe de virologistas americanos anunciou o primeiro caso de cura funcional da aids durante uma conferência em Atlanta, nos Estados Unidos. A repercussão da notícia foi tão grande que muitos acreditaram que a cura estaria próxima. Mas realidade pode ser bem diferente, segundo o médico e pesquisador americano Robert Charles Gallo, um dos descobridores do vírus HIV.

A criança, de dois anos, que nasceu com o HIV transmitido pela mãe, recebeu três drogas utilizadas no tratamento da aids em adultos menos de 30 horas após seu nascimento. O bebê foi tratado com antirretrovirais até os 18 meses de idade, quando o tratamento foi suspenso. Dez meses depois, a presença do HIV não era mais detectada nos exames de sangue.

Enquanto os franceses Luc Montagnier e Françoise Barré-Sinoussi, do Instituto Pasteur, da França, teriam sido os primeiros a isolar o HIV, Gallo foi quem relacionou o vírus como causa da aids. Ele e sua equipe também foram pioneiros no desenvolvimento do teste de HIV.

De acordo com o cientista americano, diretor do Instituto de Virologia Humana (Institute of Human Virology - IHV), da Universidade de Maryland, a "cura funcional" da aids em um bebê de dois anos não representa, de forma alguma, um avanço para outros casos, como em adultos. "Não tem qualquer efeito sobre a infecção de ninguém, exceto crianças", relata. O médico também rebate as informações de que o bebê não teria mais a presença do vírus. "Infelizmente, essa conclusão não pode ser feita até o exame post mortem (depois da morte), que explora os tecidos da pessoa na busca de sequências virais", argumenta.

Por outro lado, Gallo vem trabalhando em uma vacina preventiva contra a aids, que deve entrar em testes clínicos em 2014. Embora destaque os avanços que teve em suas pesquisas, o cientista admite que ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Confira a seguir a entrevista completa com Robert Charles Gallo:

Terra - Recentemente foi publicada nos jornais a "cura funcional" da aids em um bebê de dois anos. O caso ocorreu em circunstâncias especiais. Como você vê esse avanço?

Robert Charles Gallo -

Eu acredito que isso tenha sido noticiado excessivamente. Isso não é uma descoberta, é um recuo do HIV, que não ocorre. Isso pode ser, pelo menos, em parte, explicável por uma infecção de baixa dosagem, a qual foi tratada de forma agressiva ainda no início. Mas sua aplicação prática vai ser limitada para uma parcela das nações mais pobres, já que a infecção do HIV em crianças no mundo "desenvolvido" é muito limitada, por causa da nossa prevenção com a transmissão do HIV de mãe para filho. Mas a abordagem envolve o uso de múltiplas drogas e testes com muita frequência, e ambos são difíceis em países pobres, por causa das despesas e da necessidade de ajuda médica. Se essas coisas forem alcançadas, então este relatório (da cura funcional da aids) poderia ter aplicação na prevenção da aids em crianças de países ainda em desenvolvimento. O desafio imediato é encarar problemas de financiamento até para uma droga, e essa abordagem requer três drogas. Por isso, é difícil, para mim, saber o impacto duradouro que este relatório terá.

Terra - A descoberta pode nos colocar mais próximos de uma cura de fato? Qual é a perspectiva de que isso aconteça?

Gallo -

Acho que isso é um exagero. Não tem qualquer efeito sobre a infecção de ninguém, exceto crianças. Eles não estão falando apenas da doença, mas estão falando a respeito da cura total do vírus. Em outras palavras, a reivindicação é de que não há mais o vírus no corpo do paciente. Infelizmente, no entanto, essa conclusão não pode ser feita até o exame

post mortem

(depois da morte), que explora os tecidos da pessoa na busca de sequências virais. Nós sabemos disso a partir dos estudos em macacos. Só é possível dizer que aquele bebê pode ser funcionalmente curado e o vírus, completamente suprimido.

Terra - Você está trabalhando no desenvolvimento de uma vacina preventiva eficaz e no desenvolvimento de terapias inovadoras contra o HIV. Em que fase está esse trabalho? Quando os pacientes poderão contar com essa vacina?

Gallo -

Quanto às tentativas de desenvolver uma vacina preventiva contra o HIV, o nosso Instituto tem um candidato promissor, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e o Instituto Nacional de Saúde (National Institute of Health), que deve entrar em testes clínicos em humanos no próximo ano. Nós sabemos que uma vacina eficaz deve visar ao exterior da proteína do HIV para uma vacina preventiva, e nós estamos aprendendo como fazer vacinas que fazem a resposta (anticorpos) que cubram o exterior da proteína, de forma suficientemente ampla para interagir com as diversas variantes do HIV. Apesar disso, precisamos de maior progresso em manter os anticorpos no exterior. Eles estão tendo curta duração. Precisamos que os anticorpos durem. Esse objetivo é uma das nossas missões principais.

Em termos de terapia medicamentosa para as pessoas já infectadas com HIV, muito tem sido feito a respeito das células infectadas de forma latente que permanecem após a terapia e apresentam um problema para a cura da pessoa infectada com HIV, ou seja, nós não sabemos como eliminar essas últimas células.

Creio que o problema é muito mais profundo do que em geral é discutido atualmente, e eu penso que nós estamos apenas arranhando a superfície das questões relacionadas à identificação desses locais (onde ficam as células infectadas) e as razões pelas quais elas não morrem. Eu, pessoalmente, acredito que há muito mais do que um tipo "tal" de célula, e eu acho que é muito possível que existam algumas que ainda não foram identificadas.

Terra - Você é o diretor científico de uma organização sem fins lucrativos, a Global Virus Network (GVN). Qual é a função dessa organização?

Gallo -

Eu cofundei a GNV em março de 2011 com dois colegas da Europa, para atender necessidades globais especiais relacionadas ao controle do vírus. A GNV é uma defesa essencial e crítica contra a doença viral. É uma coalizão composta pelos melhores virologistas abrangendo mais de 20 países em todo o mundo, todos trabalhando para o avanço do conhecimento sobre como os vírus nos deixam doentes, para desenvolver medicamentos e vacinas para prevenir doenças e morte, e para treinar a próxima geração.

Nenhuma instituição do mundo tem experiência em todas as áreas virais. GNV traz os melhores médicos virologistas juntos para alavancar forças individuais e para focar equipes globais de cientistas sobre os principais problemas científicos. O poder de GVN está em seu alcance global, a profundidade de sua ciência e seu compromisso para resolver os desafios virais enfrentados pela população. Não existe nenhuma outra entidade como a GVN.

Foto: AFP
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