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Por que este texto pode mudar seu cérebro — as descobertas da neurociência sobre a leitura

Em entrevista à BBC, neurobiólogo Francisco Mora explica por que leitura é a 'grande revolução humana' e defende importância da neuroeducação — uma abordagem educativa baseada no funcionamento do cérebro.

5 nov 2021 - 12h25
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O cérebro humano tem cerca de 80 bilhões de neurônios que formam redes ou circuitos
O cérebro humano tem cerca de 80 bilhões de neurônios que formam redes ou circuitos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O título deste texto pode parecer pretensioso, mas ele reafirma um fato científico: a leitura muda a química, a física, o funcionamento e a anatomia do nosso cérebro.

A questão é o quanto o ato de ler consegue transformá-lo. Para o neurobiólogo espanhol Francisco Mora, isso depende do texto conseguir despertar nossa curiosidade e, sobretudo, as emoções.

"Você só pode aprender o que ama", afirmou Mora em seu livro Neuroeducación, publicado há 8 anos. Este ensaio sobre como a ciência do cérebro pode melhorar o ensino e o aprendizado já vendeu mais de 48 mil cópias e acaba de chegar à sua terceira edição.

No ano passado, o autor, que também é professor universitário, publicou Neuroeducación y lectura (Neuroeducação e leitura), buscando se aprofundar no que considera "a verdadeira grande revolução humana": a capacidade de ler.

Antes de sua palestra no evento Hay Festival Arequipa, no Peru, Mora conversou com a BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) sobre o cérebro, a educação e a leitura. Resumimos a conversa aqui em quatro pontos principais.

Francisco Mora é médico e se especializou em neurociências
Francisco Mora é médico e se especializou em neurociências
Foto: Francisco Mora / BBC News Brasil

1. Ler é um processo artificial e recente

"Conquistamos a capacidade de falar por meio de processos de mutação genética com o Homo habilis, há cerca de 2 a 3 milhões de anos", diz Mora.

Desde então, nós nascemos com circuitos neurais da linguagem — embora seja importante lembrar que só aprendemos a falar mediante o contato com os outros.

"Pode-se dizer que nascemos com um disco cerebral no qual podemos gravar, mas que ficará vazio se nada for gravado nele", escreveu Mora em Neuroeducación y lectura.

A leitura nasceu há cerca de 6 mil anos com a necessidade de se comunicar além das tribos e vilarejos, onde imperava o curto alcance do boca a boca.

Além disso, sua base não é genética, mas artificial — ou melhor, cultural.

"Ler é um processo que, por não ser geneticamente codificado (e, portanto, não transmitido de pais para filhos), se repete arduamente em cada ser humano e exige um trabalho duro de aprendizado e memória" que leva anos, quando não a vida inteira, explica no livro.

Mas "árduo" não significa "sofrido", diz Mora, que aos 4 anos começou a ser submetido ao "castigo da leitura no colégio" pelo desconhecimento de seus educadores sobre como funciona o cérebro.

2. Aprender a ler muito cedo não torna alguém mais inteligente

Mora diz que aprender a ler exige um amadurecimento prévio do cérebro
Mora diz que aprender a ler exige um amadurecimento prévio do cérebro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As crianças são "verdadeiras máquinas de aprendizagem" desde o útero, escreve o pesquisador. Na verdade, "o ser humano precisa aprender quase tudo".

Ler é um dos grandes marcos no desenvolvimento infantil, algo que enche os pais de orgulho... ou de preocupação.

"Quando uma mãe percebe que seu filho de 5 anos ainda tem dificuldade para aprender a ler e que a criança vizinha de 4 anos do outro lado da rua já lê com fluência, ela pode se perguntar: o meu filho é mais desajustado?", exemplifica o autor.

Acontece que a neurociência tem mostrado que, para aprender a ler, certas partes do cérebro devem ter amadurecido antes. Isso pode acontecer já aos 3 anos de idade, mas em geral se consolida quando as crianças têm 6 ou 7 anos.

Por isso, Mora defende que a leitura comece a ser ensinada formalmente aos 7 anos, "uma idade em que, quase certamente, as áreas cerebrais básicas para a leitura estão suficientemente desenvolvidas e maduras em todas as crianças".

"Esta é precisamente a idade em que se começa a aprender a ler em um país tão avançado na educação quanto é a Finlândia."

Esse é um dos exemplos que o pesquisador mais gosta de usar para explicar a importância da neuroeducação, ou seja, uma educação baseada no funcionamento do cérebro.

Além do risco de gerar sofrimento e frustração ao colocar uma criança para aprender a ler prematuramente, isso é ineficaz quanto a resultados futuros.

Em outras palavras, esse início precoce não gera uma vantagem acadêmica nem torna alguém mais inteligente.

Por outro lado, há algo a ser feito para ajudar no amadurecimento do cérebro, que tem um componente genético mas também cultural: crescer com pais que leem traz "uma dimensão emocional que facilita muito o aprendizado da leitura".

3. A internet está gerando um problema de atenção

"Ninguém duvida que a internet foi uma revolução cultural, criando uma 'era digital' em que a leitura não só é feita mais rapidamente, mas também de uma forma diferente", escreve Mora em Neuroeducación y lectura.

Diversos estudos sobre os efeitos da internet nos cérebros de crianças e adolescentes têm mostrado efeitos negativos, desde a diminuição da empatia ao enfraquecimento da capacidade de tomar decisões.

Conforme explica o autor em Neuroeducación, para ler precisamos inibir temporariamente "99% de tudo o que normalmente pensamos ou que entra no nosso cérebro e prestarmos atenção em apenas 1% disso". Além disso, ler exige tempo.

A internet está mudando a velocidade e a forma com que lemos, aponta neurobiólogo
A internet está mudando a velocidade e a forma com que lemos, aponta neurobiólogo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Já navegar na internet "requer um foco de atenção muito curto e que está em constante mudança".

Isso, diz o espanhol, está debilitando um dos muitos tipos de atenção que existem: a atenção executiva.

"É aquela que você precisa quando está fazendo um plano de trabalho, aquela que precisa para estudar", explica, acrescentando que se trata de uma atenção "sustentada" e "repousada".

Há até quem fale de uma nova forma de atenção, a digital.

Mora reconhece que hoje não faz sentido memorizar a data de nascimento de uma personalidade histórica, quando o Google pode responder isso rápida e corretamente — mas isso não significa que a memória deixou de ser importante na sala de aula.

"É preciso memorizar, e muito, porque suas memórias são o que você é", diz ele. "Não é bom lembrar alguma poesia ou o trecho de algum livro que vá embelezar sua fala?"

"Essa é uma dimensão importante da sua individualidade, daquilo que o torna diferente."

4. Ler muda o cérebro (e você)

Embora o cérebro não seja geneticamente projetado para ler, esse órgão tem uma propriedade fundamental para isso: a plasticidade.

A palavra vem do grego "plastikós", que significa "mudança" ou "modelagem".

Aprender a ler altera principalmente uma parte do cérebro que tem a função também de identificar formas e detectar rostos — na mesma medida, com a leitura, começamos a processar e construir palavras.

"O que (o professor) ensina tem a capacidade de mudar o cérebro das crianças em sua física e química, em sua anatomia e fisiologia, fazendo aumentar algumas sinapses, eliminando outras, formando circuitos neurais cujas funções se expressam no comportamento", escreve Mora em Neuroeducación.

Mas as transformações não acontecem apenas no nível fisiológico: como diz o autor em seu outro livro, Neuroeducación y lectura, "uma pessoa muda não só com o vivido, mas também com o lido".

"Ler não é um ato passivo de absorção do que está escrito em determinado documento ou livro, mas um processo ativo, ou até recreativo ('criar novamente'), em relação ao descrito ali."

Como escreveu o filósofo italiano Umberto Eco, em uma citação que Mora adora lembrar: "Quem não lê, aos 70 anos terá vivido apenas uma vida. Quem lê, terá vivido 5 mil anos. Ler é uma imortalidade retroativa."

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