Por que há tão poucas invenções atribuídas a mulheres?
Mulheres estão presentes em menos de 13% dos pedidos de patente no mundo. Ou seja, há apenas uma mulher inventora para cada sete homens. Mas por quê?
É fácil citar uma série de invenções de mulheres que estão presentes no dia a dia — a máquina de lavar louça, o limpador de para-brisa, o jogo de tabuleiro Banco Imobiliário, entre outras. Entretanto, o mundo ainda falha em aproveitar as ideias inovadores das mulheres, como um novo relatório indica.
Mulheres integram menos de 13% dos pedidos de patente no mundo, de acordo com estudo feito pelo Instituto de Propriedade Intelectual do Reino Unido (IPO). Isso equivale a apenas uma mulher inventora para cada sete homens.
Ainda que a proporção no número de pedidos de patente tenha aumentado, só será possível chegar à paridade de gênero em 2070, se mantivermos o ritmo atual.
Por que há tão poucas mulheres patenteando invenções?
Pesquisadores atribuem essa lacuna à falta de mulheres nos campos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês). De acordo com Penny Gilbert, sócia do escritório de advocacia focado em propriedade intelectual Powell & Gilbert, trata-se de um problema do "pipeline" de seleção.
"Se queremos ter mais mulheres registrando patentes, então precisamos ver mais mulheres cursando matérias nas áreas de STEM nas universidades e que também sigam carreira em pesquisa", diz ela.
Atualmente, as mulheres compõem apenas um quarto das pessoas empregadas nessa área no Reino Unido. Além disso, menos mulheres e meninas optam por tais disciplinas no Ensino Médio e na faculdade, apesar dos esforços recentes para identificar e solucionar o problema.
Já no Brasil, o índice de mulheres autoras de artigos científicos chega a 49%, mas a ala feminina é minoria em áreas como ciência da computação e matemática. O país não entrou no levantamento feito pelo IPO, que foi focado nas dez nações que produzem mais patentes.
Dois terços das equipes são compostas apenas por homens
Patentes são concedidas ao autor de uma invenção, permitindo que o criador dela impeça seu uso por outras pessoas.
Para ser considerada a patente de uma "invenção" de fato, é necessário que ela apresente uma ideia nova, útil — e que não seja óbvia para uma pessoa qualificada na área.
As patentes podem ser solicitadas individualmente ou por equipes de inventores.
A disparidade de gênero entre inventores fica ainda mais evidente quando se leva em conta que muitas dessas mulheres integram equipes dominadas por homens.
Mais de dois terços de todas as patentes vêm de equipes exclusivamente masculinas ou de inventores individuais que são homens — enquanto as inventoras individuais totalizam apenas 6%.
Times exclusivamente femininos são praticamente inexistentes, constituindo apenas 0,3% dos pedidos de patente, de acordo com o IPO.
Mesmo quando solicitam patentes, mulheres têm menor probabilidade de obtê-las, segundo estudo conduzido nos Estados Unidos por pesquisadores da Universidade Yale.
Além disso, nem todos os envolvidos em uma invenção são creditados na patente.
Contudo, mulheres cientistas têm menos que metade das chances de obter uma patente pelas pesquisas que desenvolvem. A constatação vem de outro relatório lançado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, indicando que mulheres são menos propensas a comercializar suas invenções.
Biotecnologia é área mais igualitária
Em 1991, Ann Tsukamoto desenvolveu uma forma de isolar células-tronco. Sua inovação levou a grandes avanços no entendimento dos sistemas sanguíneos de pacientes com câncer, e pode levar à cura da doença.
A cientista, que hoje conduz pesquisas sobre o crescimento das células-tronco, também é co-patenteadora em sete outras invenções.
Biotecnologia — o uso de organismos vivos para desenvolver produtos úteis, como medicação e alimentos — é o setor que apresenta a maior porcentagem de mulheres. Cerca de 53% das patentes dessa área apresentam ao menos uma como patenteadora.
Em segundo lugar, 52% das patentes farmacêuticas têm ao menos uma mulher como inventora.
Engenharia elétrica ficou com a pior colocação da lista, já que menos de 10% dos pedidos de patente apresentam ao menos uma inventora mulher.
Paridade em 2070
A proporção de mulheres inventoras dobrou ao longo dos últimos 20 anos, de acordo com o IPO. O índice saltou de 6,8% em 1998 para 12,7% em 2017, o último ano com dados disponíveis.
Durante o mesmo período, o número de pedidos de patente que continham ao menos uma mulher listada como uma das inventoras subiu de 12% para 21%.
Penny Gilbert diz que estereótipos relacionados às decisões de carreira e de educação das mulheres devem ser abordados, encorajando mais mulheres a escolher carreiras em ciência e tecnologia, criando programas de mentoria e celebrando mulheres que são referência nessas áreas.
"Nós devemos aplaudir o fato de que muitas das maiores cientistas e inventoras ao longo da história foram mulheres, desde Marie Curie e Rosalind Franklin até Grace Hopper, inventora da programação de computadores, e Stephanie Kwolek, inventora do kevlar", diz ela.
"Nós devemos contar a história delas."
Rússia no topo da lista
Com 17% dos pedidos de patente listando ao menos uma mulher, a Rússia alcançou a maior proporção entre os dez países que produzem mais patentes, seguida pela França. Já o Reino Unido aumentou seu número de inventoras no período analisado, de 8% em 1998 para 11% em 2017.
Na outra ponta do ranking, no Japão e na Coreia do Sul, menos de um em cada vinte pedidos de patente incluía uma mulher, durante o período analisado.
Como os dados foram obtidos?
O gênero de quem solicita as patentes não costuma ser listado, então o Instituto de Propriedade Intelectual do Reino Unido (IPO) optou por outra abordagem. O IPO deduziu o gênero das pessoas envolvidas a partir do primeiro nome, usando informações do banco de dados PATSTAT (Escritório Europeu do Banco de Dados Estatísticos de Patentes).
Esses nomes foram combinados com o gênero correspondente usando dados do Instituto Nacional de Estatísticas Britânico e da Administração de Seguridade Social dos Estados Unidos, que listam os nomes de todos os bebês nascidos, e o número de registros masculinos e femininos.
Os responsáveis pelo estudo também traçaram perfis do Facebook para criar uma lista maior de nomes e a qual gênero costumam estar associados.
Apenas nomes cuja associação ao gênero masculino ou feminino fosse de, no mínimo, 95% eram incluídos. Nomes mais neutros como "Robin", que serviam para as duas categorias, foram excluídos.
Um total de 75% dos nomes de inventores correspondiam a um gênero específico, mas essa taxa variou de acordo com o país. A lista usada favorecia nomes ocidentais, então países como o Reino Unido tinham a maior "taxa de sucesso". Enquanto isso, o índice era menor em países como Coreia do Sul e China.