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'Precisamos odiar os ultraprocessados para deixar de comê-los', diz autor de best-seller sobre indústria de alimentos

Médico e pesquisador britânico fez uma experiência em si próprio para entender os efeitos da comida ultraprocessada na saúde. Num livro sobre o assunto, ele compara a necessidade de regulamentação desses produtos ao que aconteceu com o cigarro.

19 out 2024 - 06h15
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O médico Chris van Tulleken defende uma maior regulamentação sobre os alimentos ultraprocessados
O médico Chris van Tulleken defende uma maior regulamentação sobre os alimentos ultraprocessados
Foto: Jonny Storey 2023 / BBC News Brasil

O médico e escritor Chris van Tulleken defende que, em prol da saúde pública, alimentos ultraprocessados recebam o mesmo tratamento dado aos cigarros.

Infectologista do Hospital de Doenças Tropicais de Londres, professor da Universidade College London, no Reino Unido, e apresentador de alguns programas na BBC, ele também é autor do livro Gente Ultraprocessada - Por que Comemos Coisas que Não São Comida, e Por Que Não Conseguimos Parar de Comê-las (Editora Elefante).

A obra virou best-seller, ganhou prêmios e foi recentemente traduzida e lançada em português.

Mas as conexões do trabalho de van Tulleken com o Brasil são bem mais antigas.

Isso porque o conceito de ultraprocessados foi desenvolvido pela equipe liderada pelo epidemiologista brasileiro Carlos Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) — que, inclusive, assina o prefácio do novo livro.

O médico britânico confessa que duvidou do conceito de ultraprocessados de início e achava que os malefícios apontados nos estudos estavam relacionados apenas aos excessos de gordura, açúcar e sal presentes em muitos desses produtos.

Para colocar a ideia à prova, ele resolveu se submeter a uma pesquisa, em que radicalizou a própria dieta e passou a comer basicamente alimentos ultraprocessados.

Entre muitos outros detalhes e informações contidas no livro, ele detalha tudo que passou durante a experiência.

Em entrevista à BBC News Brasil, van Tulleken sugere que países e governos tomem ações mais contundentes para diminuir o consumo de ultraprocessados entre a população.

Na opinião dele, as grandes redes alimentícias vão destruir as culinárias tradicionais nos próximos 50 anos — e não há muito o que as pessoas individualmente possam fazer para mudar esse cenário (ou a própria dieta).

Confira os principais trechos da entrevista a seguir.

BBC News Brasil - Você tem uma formação em infectologia e virologia molecular. De onde surgiu o interesse acadêmico e científico pela alimentação?

Chris van Tulleken - Ainda como um jovem médico, trabalhei em países de renda baixa e média, especificamente na África Central e no Sudeste Asiático. E, como infectologista, testemunhei crianças morrendo por causa de doenças infecciosas.

Muitas dessas crianças morreram porque seus pais foram convencidos a comprar fórmulas infantis, muitas vezes sem condições financeiras, e eles não tinham acesso à água potável para prepará-las. Muitas vezes, eles também não sabiam como fazer o preparo dessas fórmulas.

Esse foi o meu primeiro contato com a indústria alimentícia, sobre a qual faria investigações no futuro.

Alguns anos depois, eu participei de alguns programas da BBC nos quais comecei a focar nos determinantes comerciais da saúde, ou como algumas corporações, principalmente as empresas que fabricam alimentos, afetam todos nós.

BBC News Brasil - Você se lembra da primeira vez que ouviu o termo "alimento ultraprocessado"?

Van Tulleken - Sim, isso aconteceu em 2009, quando uma produtora da BBC me encaminhou um artigo científico enquanto estávamos produzindo um documentário sobre obesidade infantil.

Esse artigo estava escrito metade em português, metade em inglês, e havia sido publicado num periódico de saúde brasileiro. Para mim, à época, não pareceu muito importante e ignorei o assunto por um longo tempo.

Quando finalmente li o artigo, senti que ali estava a explicação para tudo. Esse foi meu instinto.

Na sequência, fiz muitas outras leituras e transformei esse tema no meu objeto de pesquisa como cientista. Passados alguns anos, posso dizer que aquele meu instinto inicial estava correto e o conceito de ultraprocessado de fato explica como esses alimentos nos prejudicam

BBC News Brasil - No livro, você diz que duvidou do conceito de ultraprocessados, pois achava que os danos relacionados a muitos alimentos poderiam ser causados pelo excesso de sal, gordura e açúcar. Quais foram os motivos que levantaram essa suspeita?

Van Tulleken - Como mencionei, meu primeiro instinto foi que aquele conceito explicava tudo. Mas, num segundo momento, pensei: será que ele realmente é verdadeiro? Ou será que o prejudicial desses alimentos é o sal, o açúcar e a gordura?

É difícil explicar a emoção que senti nesse momento, mas foi um misto de curiosidade com ceticismo.

BBC News Brasil - Depois desses anos de pesquisa, na sua opinião, qual a forma mais simples de explicar o que é um ultraprocessado?

Van Tulleken - Se você pegar um alimento e precisar ler a lista de ingredientes, provavelmente estará diante de um ultraprocessado.

E, se nessa lista, aparecem ingredientes que você não encontra em qualquer cozinha ou despensa, definitivamente está diante de um ultraprocessado.

Esse conceito é uma maneira de descrever a maioria dos produtos que são feitos por corporações alimentícias transnacionais.

Há algumas exceções. A Nestlé, por exemplo, fabrica um cereal de trigo que não é tecnicamente um ultraprocessado.

Mas a maioria dos produtos que garantem dinheiro para Nestlé, Danone, Pepsico, Kraft Heinz, Coca-Cola, Mondelez e outras dessas empresas são ultraprocessados.

Estou conversando com você de um quarto de hotel e aqui na minha frente há um cesto com uma barra de castanhas, uma barra de chocolate, chicletes e um pacote de nozes e castanhas temperadas. Tudo isso é ultraprocessado.

BBC News Brasil - No livro, você faz comparações entre a indústria alimentícia e a indústria do tabaco, e também entre ultraprocessados e cigarros. Na sua visão, quais são as semelhanças e as diferenças entre esses dois setores e esses dois produtos?

Van Tulleken - Bem, essas indústrias não são apenas semelhantes. Elas são a mesma coisa.

Em meados dos anos 1980, uma das maiores companhias de cigarro do mundo, a RJ Reynolds, comprou a Nabisco, uma enorme empresa alimentícia.

Nessa mesma época, a Philip Morris [indústria tabagista] comprou a General Foods [de alimentos].

Falamos, então, dos mesmos conglomerados [embora essas empresas tenham sido desmembradas e mudado de mãos nas décadas seguintes]. Eles usam as moléculas testadas em laboratório para os cigarros, como os aromatizantes, nos alimentos. Eles usaram as mesmas técnicas de marketing e as mesmas redes de distribuição para vender comida que é viciante e danosa, do mesmo modo que fizeram com os cigarros.

Essa comparação, portanto, é muito legítima.

Hoje em dia, essas empresas são controladas pelos mesmos investidores institucionais e seguem se comportando de maneira parecida.

Para mim, é muito importante que as pessoas entendam que a indústria tabagista não é excepcional ou um caso único.

Comida, cigarro, álcool, apostas, combustíveis fósseis e remédios, todos eles são governados pelo mesmo rol. E todos precisam de algum tipo de regulamentação, com algumas nuances para casos específicos.

BBC News Brasil - Nós comumente pensamos que a obesidade está relacionada a uma conta matemática, que envolve o consumo de calorias, por meio da alimentação, e o gasto delas, através da atividade física. Essa equação faz sentido?

Van Tulleken - Quando pensamos em casos extremos, como um ciclista que faz o Tour de France ou um nadador olímpico, é claro que eles queimam mais calorias do que uma pessoa comum.

Mas ser mais ativo não altera de maneira significativa o número de calorias que você queima.

O que isso significa? Bem, se um brasileiro desistir de seu trabalho sedentário no Rio de Janeiro como médico ou jornalista e decidir viver na floresta, num estilo de vida ancestral, provavelmente ele não vai queimar muitas calorias a mais.

Essa observação parece contraintuitiva, eu sei, mas ela vem de estudos de altíssima qualidade.

O que as evidências recentes nos mostram é que um indivíduo, como eu, vai queimar 3 mil calorias por dia, independentemente se vivo como um caçador-coletor ou se decido investir na minha carreira de médico e escritor.

E isso explica o porquê de o exercício ser tão benéfico para nós. Quando fazemos atividade física, nós meio que "roubamos" essa queima de calorias de outras partes do corpo.

Ou seja, eu tenho que tirar energia que seria usada para outras coisas, como a ansiedade, a inflamação e a produção de altos níveis de hormônios reprodutivos.

O exercício é bom para nós porque gastamos menos energia com coisas como ansiedade ou inflamação. Mas ele não chega a modificar significativamente o número de calorias que queimamos.

No meu capítulo favorito do livro, explico que a maioria dos estudos que falam o contrário — ou seja, que nós queimamos mais calorias quando fazemos exercícios — foram patrocinados pela indústria das bebidas açucaradas.

Ou seja, nós temos evidências boas e independentes dizendo que o exercício não queima mais calorias — e um conjunto de estudos que diz o contrário, mas que foi financiado pela indústria das bebidas açucaradas.

BBC News Brasil - Ainda sobre essa questão, nos últimos anos vimos a ascensão e o aumento da popularidade de remédios para tratar a obesidade. No seu ponto de vista, esses fenômenos — aumento do consumo de ultraprocessados, crescimento da obesidade e surgimento de novos remédios para lidar com o excesso de peso — estão de alguma maneira interligados?

Van Tulleken - O interesse privado não faz dinheiro se resolver a crise da obesidade. Claro, haveria um grande benefício em termos de saúde pública e economia, mas isso não beneficia as corporações.

A indústria alimentícia nos vende comida que engorda porque eles precisam fazer isso. Essa é a única maneira deles lucrarem. Eles precisam vender alimentos que levam a um excesso de consumo, a um exagero, para que possam fazer mais e mais dinheiro.

Imagine uma empresa alimentícia que vendesse comida para satisfazer as pessoas. Ou seja, os consumidores não precisariam comprar grandes quantidades, apenas o necessário. Como essa companhia poderia competir?

Acredito que a indústria alimentícia precisa vender esses produtos para que elas próprias continuem a existir.

Nesse contexto, faz muito sentido que as empresas farmacêuticas proponham e vendam soluções para esse problema na forma de novos medicamentos.

A comparação que faço aqui é entre o cigarro, a quimioterapia e o câncer de pulmão.

Não é como se a indústria do tabaco e as farmacêuticas tivessem se reunido algum dia para combinar: olha, eu causo o câncer e você cria a cura para essa doença.

Claro, é muito importante celebrar a existência da quimioterapia, que ajuda a tratar muitos pacientes. Isso é excelente. Assim como é importante ter drogas antiobesidade, porque elas podem ajudar muitas pessoas.

Mas a quimioterapia não pode nos distrair da terrível tragédia de saúde causada pelo cigarro, que vai muito além do câncer.

O mesmo vale para os remédios que tratam a obesidade. Eles funcionam relativamente bem, mas não são a solução para todos os problemas relacionados àquilo que comemos. Essas drogas não curam a ansiedade, a depressão, o câncer, a inflamação, as doenças intestinais e os problemas cardiovasculares.

Não deveríamos nunca deixar as pessoas doentes para só depois cuidar delas. Seria muito mais barato e efetivo melhorar a dieta de crianças, regulamentar a indústria alimentícia e incentivar que todos vivam de forma saudável.

Isso é algo factível, basta apenas limitar o poder da indústria alimentícia.

O Dr. van Tulleken é professor na Universidade College London e apresentou programas na BBC
O Dr. van Tulleken é professor na Universidade College London e apresentou programas na BBC
Foto: Jonny Storey 2023 / BBC News Brasil

BBC News Brasil - No livro, você diz que não deseja passar recomendações de dieta ou mudar a alimentação de ninguém. Por que você tomou essa decisão?

Van Tulleken - O livro faz uma reflexão sobre o tema, mas não tem a pretensão de oferecer dicas práticas para o dia a dia. E o primeiro motivo disso é porque não existem soluções para o indivíduo.

Eu, inclusive, convido as pessoas a lerem o livro enquanto comem alimentos ultraprocessados. Ao final, muitos leitores me disseram que não queriam mais ingerir aquilo.

A verdade é que, mesmo assim, não existe uma solução. Por mais que a pessoa se sinta enojada com esse tipo de comida, é praticamente impossível evitá-la no dia a dia.

Você trabalha num escritório da BBC em Londres, e a comida vendida aí é ultraprocessada. Mesmo se você sair do prédio e decidir fazer uma refeição em algum estabelecimento nas proximidades, a grande maioria deles vai vender apenas ultraprocessados.

Esses alimentos estão nos postos de gasolina, nos aeroportos e praticamente em todo o lugar. Eles nos cercam, não importa onde vamos. E, muitas vezes, os ultraprocessados são a única comida que as pessoas conseguem pagar nos supermercados. Então, me parece um tanto cruel sugerir que elas deixem de consumi-lo.

Parte da minha decisão de não indicar mudanças de dieta vem dessa falta de esperança, de não achar muito gentil dizer às pessoas para mudar.

Estou verdadeiramente interessado no sistema alimentar. E desejo que o livro reduza a vergonha e o estigma que as pessoas sentem em relação à comida.

Eu conversei com muitos cientistas que trabalham na indústria alimentícia, e eles são muito claros ao dizer que fazem uma engenharia para alterar a comida, de modo que a gente não consiga parar de comê-la.

Então meu livro tem como objetivo dizer que o problema não está nas pessoas, mas em todo o sistema. Com isso, quero dizer que, se você não consegue deixar de comer esses produtos, não precisa se punir.

BBC News Brasil - Mas existe algum lugar do mundo em que essa regulamentação sobre os produtos ultraprocessados funciona? Na sua visão, quais seriam as maneiras de mudar esse sistema?

Van Tulleken - Chile, México e Argentina têm políticas públicas muito boas neste sentido. O Brasil também está desenvolvendo coisas interessantes.

Recentemente, dei uma palestra na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e um colega mexicano que estava na plateia comentou que, apesar de todos os alertas incluídos nas embalagens e de todos os impostos sobre ultraprocessados em voga no país, as pessoas ainda sofriam com obesidade.

Na minha visão, precisamos nos valer dos mesmos meios utilizados para o controle do tabaco. Precisamos de um sistema de alerta nas embalagens que seja maior que as logomarcas das empresas ou dos produtos. Precisamos taxar de forma agressiva os piores alimentos. Precisamos banir qualquer propaganda. E precisamos proibir a venda deles para as crianças.

Em última análise, precisamos pensar em maneiras de limitar o poder dessas corporações, porque esse sistema atual é ruim para todo mundo. É ruim para os negócios e para a economia. É ruim para quem é saudável ou quem sofre com doenças. É ruim para as empresas de pequeno e médio porte que fazem comida boa.

Ah, e também precisamos nos livrar dos conflitos de interesse.

No Reino Unido, o British Medical Journal acabou de publicar uma análise sobre o Comitê Científico Consultivo de Nutrição [um grupo que fornece subsídios para as políticas públicas sobre alimentação do país].

Os dados mostram que 65% dos membros do comitê receberam dinheiro de indústrias alimentícias, de empresas como Coca-Cola, Nestlé e Danone.

Ainda no Reino Unido, o Science Media Centre [um grupo que faz assessoria de imprensa relacionada a temas científicos] é ou já foi patrocinado por Nestlé e Procter & Gamble.

Temos departamentos de pesquisa e cientistas sempre citados pela imprensa que recebem verbas de Pepsico, Mars e Nestlé.

Há médicos, influencers e organizações de saúde, como a Fundação Britânica de Nutrição, que são financiadas por Coca-Cola e outras companhias.

Ou seja, enquanto não encararmos esse dinheiro da indústria alimentícia como algo sujo, não vamos acabar com todos esses conflitos de interesse.

BBC News Brasil - Você vê alguma diferença na forma de atuação dessas empresas alimentícias em países ricos e pobres?

Van Tulleken - O problema é global, acontece em todos os lugares. Vou te dar um exemplo prático. Em 2016, a rede de pizzarias Domino's abriu 1.281 novas lojas, ou uma a cada sete horas, a maioria delas fora dos Estados Unidos. Atualmente, a Índia possui ao redor de 1.500 unidades de Domino's.

No oeste da África, vemos o crescimento do Kentucky Fried Chicken (KFC) e de outras grandes redes de fast food. O mesmo acontece na China.

Em todos os lugares, crianças pequenas tomam cada vez mais fórmulas infantis, que são piores em termos de saúde quando comparadas à amamentação.

O projeto da indústria de alimentos ultraprocessados parece querer destruir todas as dietas tradicionais. Na Itália, as cafeterias viraram Starbucks e as pizzarias foram convertidas em Pizza Hut. O mesmo acontece no Brasil, no Reino Unido, nos Estados Unidos…

Mesmo lugares com culturas gastronômicas muito fortes, como Itália, França e Espanha, ficam cada vez mais vulneráveis.

Ou nós limitamos o poder dessas corporações da mesma maneira que fizemos com a indústria do tabaco, ou todas as dietas tradicionais serão destruídas nos próximos 50 anos.

Alimentos ultraprocessados representam 60% da dieta dos britânicos, calcula van Tulleken
Alimentos ultraprocessados representam 60% da dieta dos britânicos, calcula van Tulleken
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Brasil - Por que você decidiu submeter a si mesmo a uma experiência de consumo de ultraprocessados?

Van Tulleken - Bom, eu quis ser o primeiro paciente da pesquisa que estamos conduzindo sobre o assunto.

Sinceramente, eu não achei que o fato de aumentar o consumo de ultraprocessados mudaria algo em minha vida.

Mas, na prática, tive efeitos muito significativos na saúde, o que está totalmente alinhado com a literatura científica publicada sobre o assunto.

BBC News Brasil - Você detalha todos esses efeitos no livro, mas poderia dizer quais emoções sentiu durante a experiência?

Van Tulleken - A primeira semana foi bastante divertida. Mas, a partir da segunda, comecei a me sentir mais cansado, porque os ultraprocessados são muito salgados. E isso causa desidratação e constipação, pois eles também são pobres em fibras.

Ou seja, eu acordava, comia mais do que precisava e dormia de novo. Daí acordava durante a noite com vontade de ir ao banheiro, fazer xixi, e beber água. Mas parei de fazer cocô regularmente. Ou seja, minha bunda começou a doer e meu sono ficou cada vez pior.

Daí, como você come mais durante o dia, sente que não tem controle sobre a dieta. Me senti horrível nessa segunda semana de experiência.

Mas só percebi isso quando parei de ingerir comida ultraprocessada.

Nós vemos esse comportamento nas crianças. Quando estão com fome, elas não verbalizam esse sentimento. Elas simplesmente ficam mais nervosas, bravas e irritadas com todo mundo.

E eu senti o mesmo. Ficava furioso com meus familiares e me tornei uma pessoa difícil de conviver. Mas achava que o problema era sempre os outros, nunca eu mesmo.

Porém, no meio da experiência, uma cientista brasileira falou uma frase que mudaria tudo. Ela me disse: "Isso que você está comendo não é comida de verdade".

Essa frase girou uma chave no meu cérebro. A partir daquele momento, não tive mais vontade de comer ultraprocessados.

Esse, aliás, foi outro motivo para convidar os leitores a continuar comendo ultraprocessados enquanto leem o livro.

BBC News Brasil - Mas, ao fim do experimento, você realmente conseguiu deixar de comer ultraprocessados?

Van Tulleken - Eu deixei de comê-los quase que completamente. Eventualmente até perdi peso, mas não posso prometer que isso vai acontecer com todas as pessoas.

No entanto, se você for capaz de eliminar os ultraprocessados, existe alguma evidência que isso pode ser útil para o processo de emagrecimento.

Mas, na minha opinião, a única maneira de eliminar os ultraprocessados de nossas dietas é começar a odiá-los.

Por isso que o livro foi escrito de um modo para que você odeie esse sistema alimentar, em vez de odiar a si próprio.

BBC News Brasil - E como foi a reação à publicação do livro no Reino Unido? Como as empresas mencionadas reagiram?

Van Tulleken - O livro se tornou popular no Reino Unido e sou muito grato por isso. E a indústria reagiu de duas maneiras diferentes.

O primeiro contato que recebi foi do McDonald's. Eles enviaram um email, que pensei ser um processo judicial ou uma liminar para recolher os livros das gráficas e das lojas.

Mas, na verdade, eles me fizeram um convite para virar embaixador da marca.

Na sequência, todas as empresas alimentícias me ofereceram enormes somas de dinheiro para dar palestras. Algo como US$ 50 mil [R$ 283 mil, na cotação atual] para conversar com eles por uma hora.

Obviamente, disse não para todos esses convites.

Logo depois, começaram a aparecer processos jurídicos e queixas legais contra a editora que publicou o livro.

Felizmente, o livro foi escrito com muito cuidado e passou por muitas leituras de diversos advogados antes da publicação. Então nenhum desses processos foi bem-sucedido.

Mas não deixa de ser estressante lidar com essas queixas e gastar horas para respondê-las.

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