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Quanto falta para que seu carro possa se dirigir sozinho

Veículos autônomos estão cada vez mais se tornando uma realidade, apesar dos inúmeros obstáculos a serem superados - e poderão mudar o nosso mundo em formas inesperadas.

16 jan 2022 - 19h36
(atualizado em 17/1/2022 às 06h36)
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A empresa norte-americana de carros autônomos Waymo, ligada à Google, já está oferecendo serviços de táxi sem motorista em São Francisco, na Califórnia, e em Phoenix, no Arizona
A empresa norte-americana de carros autônomos Waymo, ligada à Google, já está oferecendo serviços de táxi sem motorista em São Francisco, na Califórnia, e em Phoenix, no Arizona
Foto: BBC News Brasil

É tarde da noite na região metropolitana de Phoenix, no Arizona (Estados Unidos).

Sob o brilho artificial da iluminação pública, um carro pode ser visto se aproximando lentamente. Sensores ativos sobre o veículo emitem um zumbido baixo. Uma letra "W" verde e azul brilha no para-brisa, fornecendo apenas luz suficiente para olhar para o interior do carro - e podemos ver o assento do motorista vazio.

O freio é firmemente ativado, o carro estaciona e uma notificação de chegada soa no telefone da pessoa que o aguarda. Quando o passageiro abre a porta para entrar, uma voz o cumprimenta pelo sistema de som do veículo: "boa noite, este carro é todo seu - sem ninguém sentado na frente".

Esse é um robotáxi Waymo One, chamado apenas 10 minutos antes por um aplicativo. A oferta desse serviço ao público vem se expandindo lentamente pelos Estados Unidos e é um dos vários progressos que indicam que a tecnologia dos veículos autônomos está realmente se tornando parte das nossas vidas.

A promessa da tecnologia de veículos sem motorista vem seduzindo as pessoas há muito tempo. Ela pode transformar nossa experiência de transporte e longas viagens, afastar as pessoas de ambientes de trabalho de alto risco e agilizar as indústrias. Essa tecnologia é também fundamental para ajudar-nos a construir as cidades do futuro, redefinindo a nossa dependência e relação com os carros, reduzindo as emissões de carbono e construindo o caminho para formas de viver mais sustentáveis.

E poderá ainda, em teoria, tornar nossas viagens mais seguras. A Organização Mundial da Saúde estima que mais de 1,3 milhão de pessoas morrem todos os anos em acidentes de trânsito. "Queremos estradas mais seguras e redução do número de mortes. A automação poderá um dia nos oferecer isso", afirma Camilla Fowler, chefe de transporte automático do Laboratório de Pesquisa de Transportes (TRL, na sigla em inglês) do Reino Unido.

Mas, para que a tecnologia de transporte sem motorista seja adotada em larga escala, muitas mudanças ainda são necessárias.

"Os veículos sem motorista devem ser uma forma muito calma e serena de ir do ponto A ao ponto B. Mas nem todo motorista humano à sua volta comporta-se dessa maneira", afirma David Hynd, cientista-chefe de segurança e pesquisa do TRL. "É preciso ser capaz de lidar com motoristas humanos dirigindo em alta velocidade, por exemplo, ou desrespeitando as regras de trânsito."

E este não é o único desafio. Existe a regulamentação, a reformulação dos códigos de trânsito, a percepção do público, a melhoria da infraestrutura das nossas ruas, vilas e cidades e a grande questão da responsabilidade final pelos acidentes de trânsito. "Toda a indústria de seguros está examinando como lidar com essa mudança, em que não há mais uma pessoa responsável encarregada do veículo causador do acidente", segundo Richard Jinks, vice-presidente comercial da companhia de software para veículos autônomos Oxbotica, com sede em Oxfordshire, na Inglaterra.

A companhia está testando sua tecnologia em carros e veículos de entrega de mercadorias em diversos locais no Reino Unido e na Europa continental.

O objetivo dos especialistas é ter veículos com direção totalmente autônoma, seja na indústria, nas redes de transporte mais amplas e nos carros de passeio, que possam ser desenvolvidos e utilizados em qualquer parte, em todo o mundo.

A Mcity, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, testa carros autônomos em suas pistas que imitam o ambiente de uma cidade real, completa e com faixas para pedestres
A Mcity, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, testa carros autônomos em suas pistas que imitam o ambiente de uma cidade real, completa e com faixas para pedestres
Foto: Jeff Kowalsky/AFP/Getty Images / BBC News Brasil

Mas, com todos esses obstáculos a serem transpostos, o que exatamente nos espera para os veículos autônomos nos próximos 10 anos?

Daqui a 2 anos

O maior obstáculo da indústria de tecnologia de carros sem motorista é como fazer com que os carros sejam operados com eficiência e segurança em ambientes humanos complexos e imprevisíveis. Resolver essa parte do quebra-cabeça será o foco principal de atenção nos próximos dois anos.

Especialistas estão estudando essa questão nas instalações de teste da Mcity, na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. A primeira pista de testes específica para veículos autônomos do mundo é uma minicidade típica, com 6,5 hectares de infraestrutura de tráfego.

A pista inclui sinais de trânsito, passagens subterrâneas, fachadas de edifícios, arborização pública, fachadas de residências e garagens para testar serviços de entrega de mercadorias e táxi e diferentes terrenos como ruas, faixas de pedestres, trilhos de trem e marcações de rodovias onde os veículos precisam transitar.

É nessa pista que os especialistas testam cenários que até os motoristas mais experientes podem ter dificuldades de enfrentar, desde crianças brincando na rua até dois carros tentando entrar em um cruzamento ao mesmo tempo.

"O teste da tecnologia de carros sem motorista depende de centenas de variáveis diferentes em cada situação", explica Necmiye Ozay, professora de engenharia elétrica e da computação da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. A solução proposta por ela é a criação de um grupo de planejadores diversos.

"Estamos tentando trazer pessoas de diferentes partes da universidade - não apenas engenheiros, mas também de outras disciplinas, como psicologia. (São) pessoas mais relacionadas com a interação entre seres humanos e máquinas, porque existem muitas questões relativas à segurança que estamos tentando solucionar", afirma Ozay.

Na instalação de testes, Ozay e sua equipe podem testar diferentes cenários de trânsito e explorar como os veículos autônomos comunicam-se entre si, mantendo os dados pessoais e dos veículos protegidos contra hackers.

Os táxis sem motorista já estão nas ruas de Phoenix, no Arizona, devido a um prolongado processo de testes como o que está sendo conduzido pela equipe de Ozay. Atualmente, o serviço só é disponível como teste para o público em pequenas áreas definidas, mas existem planos para liberar os táxis autônomos em escala maior e mais ampla nos próximos dois anos.

A companhia norte-americana Waymo, por exemplo, está expandindo seus testes para novas cidades. Realisticamente falando, San Francisco e Nova York, nos Estados Unidos, poderão ver robotáxis em operação até 2023. Mas uma de suas principais executivas, Tekedra Mawakana, é cautelosa ao afirmar quais poderiam ser as próximas expansões do seu serviço e em quais locais, porque "a segurança exige tempo".

A start-up AutoX, financiada pela Alibaba, lançou seu robotáxi totalmente autônomo em Xangai, na China, em 2020. Até 2023, é provável que o seu serviço esteja disponível em outras cidades chinesas e também na Califórnia, nos Estados Unidos.

Grande parte da tecnologia de veículos sem motorista já em uso encontra-se em ambientes industriais, como minas, armazéns e portos, mas David Hynd acredita que, nos próximos dois anos, podemos esperar que ela se estenda até "o último quilômetro da entrega" - ou seja, a parte final da viagem para produtos e serviços, o ponto onde eles são fornecidos para o consumidor: veículos de carga pesada autônomos nas estradas, por exemplo, ou até veículos de entrega de alimentos e outros produtos.

Daqui a 5 anos

Embora a Apple afirme que pretende lançar carros elétricos totalmente autônomos daqui a quatro anos, os especialistas da indústria são mais cautelosos sobre o que nos reserva o futuro próximo.

Segundo Camilla Fowler, as discussões sobre a regulamentação e o novo papel das companhias de seguro nesse setor de transporte precisam amadurecer. "A abordagem precisa ser recorrente, seja começando com ônibus e cápsulas ou com veículos para todo terreno, quando houver benefício nesse uso, e você terá um ambiente potencialmente mais controlado, [sabendo] o que funciona com o quê", afirma ela. "Depois podemos ampliar [a abordagem] e englobar outros tipos de veículos e mais casos de uso."

Ônibus autônomos como este em Iserlohn, na Alemanha, poderão ajudar a levar passageiros do transporte público para outras partes da cidade
Ônibus autônomos como este em Iserlohn, na Alemanha, poderão ajudar a levar passageiros do transporte público para outras partes da cidade
Foto: Alamy / BBC News Brasil

Um novo setor onde podemos esperar o desenvolvimento da tecnologia de carros autônomos são os ambientes de alto risco, que vão desde instalações nucleares até ambientes militares, para reduzir os riscos para a vida humana, segundo Fowler. Uma mina do grupo Rio Tinto no oeste da Austrália, por exemplo, está operando atualmente a maior frota de veículos autônomos do mundo. Os caminhões são controlados por um sistema centralizado a quilômetros de distância, na cidade australiana de Perth.

"Se você puder retirar as pessoas daquele local, colocar veículos autônomos operando de forma totalmente automatizada e tiver alguém para controlar à distância os veículos naquele ambiente de alto risco, isso só pode ser algo bom", afirma Fowler.

Nos próximos cinco anos, a maior parte da tecnologia de veículos autônomos permanecerá longe do público em geral. A empresa britânica TRL está pesquisando o potencial de veículos de carga pesada sem motorista nas estradas, incluindo a ideia de pelotões de veículos.

Os pelotões são um grupo de veículos semiautônomos que dirigem a pouca distância entre si, impedindo outros veículos de separá-los. Trafegando próximos entre si, os veículos do pelotão podem reduzir o consumo de combustível, aproveitando a esteira do caminhão à frente, e também ajudam a reduzir os congestionamentos, já que os caminhões juntos ocupam menos espaço na rodovia.

A empresa Plus, a primeira fabricante de caminhões autônomos, também está explorando esse campo. Seus experimentos europeus iniciaram operação em 2021, após um teste bem-sucedido na rodovia Wufengshan, no centro econômico do Delta do Rio Yangtze, na China.

Longe dessas indústrias, Necmiye Ozay prevê ainda que "poderemos ver veículos robóticos mais leves, que poderão usar as calçadas e ciclovias com velocidade limitada, para entrega de itens como alimentos".

Com relação ao transporte público, a Oxbotica também está trabalhando com a empresa especialista de sistemas de veículos ZF, sediada na Alemanha, ao longo dos próximos cinco anos para tornar o ônibus autônomo um padrão real para as cidades europeias, operando nas ruas e aeroportos, de forma muito similar aos ônibus atuais.

"Os veículos sobre trilhos que vemos atualmente em aeroportos não precisarão mais desses trilhos daqui a cinco anos. Isso significa que os ônibus autônomos poderão transportar você do estacionamento até o aeroporto, depois direto para o seu portão de embarque e até o avião", explica Richard Jinks.

Para os usuários, isso poderá resultar em sistemas de transporte mais confiáveis e econômicos. "A interligação dos sistemas de transporte autônomos para formar um sistema de transporte público que seja tão eficiente quanto entrar no seu carro e dirigi-lo pode ser a solução para os congestionamentos no futuro", acrescenta Jinks.

Daqui a 7 anos

Todos os especialistas concordam que os próximos sete anos dependerão dos sucessos e fracassos dos desdobramentos iniciais e como evoluirão a segurança e a confiança do público. Mas a maioria espera que novos projetos nas cidades permitam maior adoção dessa tecnologia e nos ajudem a adotar essas formas de vida modernas e mais eficientes.

"Se você mora em uma área urbana densa, espera-se que você possa confiar na mobilidade enquanto serviço. Você poderá chamar o carro, ele chegará em dois minutos e você faz a sua viagem. Você não precisaria mais ter aquelas enormes filas de carros estacionados na rua, o que deixa faixas mais livres para os veículos automáticos", afirma Hynd.

Sem carros estacionados ao longo da rua, a faixa de circulação dos veículos poderá ser mais estreita, o que abre espaço para mais áreas verdes. Mas, enquanto os defensores dos veículos autônomos insistem que eles tornarão nossas ruas mais seguras, alguns acreditam que pedestres e veículos autônomos simplesmente não podem ser misturados. Isso poderá fazer com que nossas cidades e a forma como fazemos uso delas recisem ser reprojetadas.

Parte desse pensamento já está se tornando realidade. Em 2018, a empresa sueca IKEA desenvolveu um conceito de veículo autônomo que pode também servir de sala de reunião, hotel e armazém. O impacto desse tipo de inovação é a redução da necessidade de viajar, em primeiro lugar, oferecendo ambientes intercambiáveis como e quando precisarmos. Nossas necessidades poderão ser atendidas onde quer que nos encontremos.

Ozay espera que muitas outras opções autônomas sejam oferecidas para os clientes nesse período, inclusive no campo dos carros de passeio. "Minha esperança é que os carros tenham inteligência suficiente para dizer 'sim' ou 'não', quando questionados se podem levar um passageiro do ponto A ao ponto B com confiabilidade e segurança em um dado dia, analisando antecipadamente as condições do tempo e do tráfego", explica ela.

Daqui a 10 anos

Apesar de todos os desdobramentos e inovações que a próxima década provavelmente irá trazer, alguns especialistas acham que ainda poderemos estar longe do total desenvolvimento dos veículos autônomos.

Segundo Ozay, "a direção totalmente automática - em todas as condições possíveis, em que você pode colocar as crianças sozinhas no carro e enviá-las para qualquer lugar sem preocupação - é algo que eu não espero chegar a ver" ao menos até 2031.

David Hynd concorda que a automação total nesse prazo é improvável. "Como ocorre com qualquer outra infraestrutura de transporte, com tudo o que a sociedade utiliza, muitas outras coisas precisam acontecer para isso chegar. E não falo só de regulamentação", afirma ele.

A segurança será um obstáculo importante, especialmente em países mais lentos para adotar mudanças devido aos enormes custos envolvidos. A infraestrutura também definirá a rapidez e a eficiência de desdobramento dessa tecnologia - e a percepção e a disposição do público de utilizar veículos autônomos precisarão aumentar, segundo Hynd.

Mas nem todos concordam com isso. Richard Jinks acredita que veremos veículos autônomos nas estradas ao lado dos veículos dirigidos por seres humanos daqui a 10 anos. Nesse sentido, você poderá entrar em um ônibus autônomo no aeroporto e dali sair para um táxi sem motorista que irá levá-lo até o seu destino final.

Ser dono de um carro autônomo nos próximos 10 anos é menos provável - segundo Hynd, ele ainda será caro demais para a maioria das pessoas. Mas a promessa da tecnologia de veículos sem motorista está por libertar-nos da nossa dependência dos carros, o que pode transformar o uso do nosso tempo e o nosso ambiente.

Para Jinks, "estamos tentando resolver um dos maiores problemas de engenharia do último século. A evolução se dará ao longo do tempo, com o aumento da complexidade dos ambientes e recursos, em todos os lugares. É um continuum, pense sobre esse continuum... ele continuará melhorando com o passar do tempo. Essas coisas aprenderão continuamente umas com as outras."

Da mesma forma que as estações de carregamento de eletricidade começam a entrar lentamente nos estacionamentos, nas ruas laterais e nos postos de gasolina, os veículos autônomos também entrarão algum dia na nossa vida diária. Daqui a alguns anos, poderemos até ficar imaginando como conseguíamos viver sem eles.

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