Registro de ondas previstas por Einstein abre caminho para nova era da astronomia
Cientistas americanos detectam pela terceira vez distorções resultantes de uma grande fusão de buracos negros; com descoberta, além de tentar "ver" os eventos distantes, cientistas também os "ouvem" ao provocar vibrações no cosmos.
Cientistas detectaram ondas gravitacionais no espaço que foram causadas pelo choque de buracos negros a três bilhões de anos-luz da Terra. Esta é a terceira vez que as distorções são registradas, reforçando a Teoria Geral da Relatividade prevista por Albert Einstein no início do século 20.
Isso leva os estudos sobre o Universo a uma nova era. "O ponto fundamental deste terceiro registro é que estamos saindo do período da novidade para a de uma nova ciência observacional, uma nova astronomia das ondas gravitacionais", disse David Shoemaker, porta-voz da colaboração científica do Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser, na sigla em inglês), nos EUA.
Os sinais foram detectados no dia 4 de janeiro e seus detalhes estão descritos num artigo publicado no periódico científico Physical Review Letters.
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Como nas outras duas vezes, o novo evento foi gerado por uma fusão de buracos negros, que produziu uma quantidade extraordinária de energia.
A análise sugere que os dois buracos negros tinham massa de 31 vezes e 19 vezes a do Sol e, quando se chocaram, produziram um objeto de quase 50 vezes a massa solar.
"Esses são os eventos astronômicos mais poderosos testemunhados pelos seres humanos", afirmou Michael Landry, do laboratório do Ligo em Hanford, nos EUA.
"Essa energia é liberada num espaço de tempo muito curto, e nada disso produz luz, por isso que você precisa de detectores de ondas gravitacionais."
Ondulações no espaço-tempo
- Ondas gravitacionais foram previstas pela Teoria Geral da Relatividade, de Einstein
- Levou-se décadas para se desenvolver a tecnologia para detectá-las diretamente
- São ondulações no espaço-tempo geradas por eventos violentos
- Massas em movimento acelerado produzem ondas que se propagam na velocidade da luz
- Fontes detectáveis são fusões de buracos negros e estrelas de nêutrons
- O equipamento do Ligo direciona o laser para túneis longos em formas de L; as ondas fazem a luz se movimentar
- Detectar as ondas abre caminho para investigações totalmente novas sobre o cosmos
Assim como nas duas observações anteriores, em setembro e dezembro de 2015, os cientistas não têm certeza onde exatamente o evento do dia 4 de janeiro ocorreu.
Num intervalo de três milissegundos entre o sinal detectado primeiro em Hanford e depois no laboratório de Livingston, em Lousiana, os pesquisadores conseguem determinar apenas um grande arco de possibilidades para a fonte do evento.
Telescópios convencionais foram alertados de um flash de luz coincidente, mas eles não observaram nada que poderia ser atribuído à fusão dos buracos negros.
Só será possível resolver esse problema de triangulação - para determinar a localização do evento - quando uma terceira estação chamada Virgo, na Itália, começar trabalhar com as instituições americanas, nos próximos meses.
'A cada 15 minutos'
A detecção de ondas gravitacionais foi descrita como uma das mais importantes descobertas da física nas últimas décadas.
Conseguir perceber as distorções no espaço-tempo produzidas a partir de eventos cataclísmicos representa um passo transformador no estudo do Universo. Agora, assim como tentar "ver" os eventos distantes, cientistas também os "ouvem" ao provocar vibrações no cosmos.
Essa abordagem traz novos conhecimentos para os pesquisadores, como uma classe totalmente nova de buracos negros. Antes disso, esses objetos celestes, com massas que podiam ser mais de 25 vezes a do Sol, eram totalmente desconhecidos.
"Em dois anos, passamos de não saber que esses eventos existiam a ter confiança de que existe um grupo deles lá fora", comentou Sheila Rowan, membro da equipe do Ligo pela Universidade de Glasgow, no Reino Unido.
"E as ondas gravitacionais de um desses sistemas pode passar por nós aproximadamente uma vez a cada 15 minutos, de algum lugar do Universo", ela disse à BBC News.
Para o futuro, espera-se que o equipamento do Ligo seja mais sensível para detectar ainda mais eventos.
Einstein no caminho certo
Os novos achados trazem mais dados para pesquisas sobre as propriedades dos buracos negros.
Os cientistas garantem, pela natureza do sinal do dia 4 de janeiro, que as rotações dos objetos não estavam totalmente alinhadas quando se chocaram.
Isso sugere que eles não foram criados a partir de uma dupla de estrelas que explodiu e provocou os buracos negros. Em vez disso, sua origem mais provável é a partir de estrelas que tiveram vidas independentes e em algum momento se tornaram uma dupla.
"Nesse primeiro caso, esperaríamos que as rotações permanecessem alinhadas", disse Laura Cadonati, porta-voz do grupo de pesquisa. "Com isso, encontramos uma nova peça para o enigma na compreensão dos mecanismos de formação (do evento)."
Além disso, a astronomia das ondas gravitacionais mais uma vez confirma a teoria de Einstein.
Os pesquisadores buscaram um efeito chamado dispersão, que ocorre quando a onda de luz muda de velocidade dependendo do meio físico - como quando a luz apontada para um prisma de vidro produz um arco-íris.
A teoria sugere que a dispersão não ocorre nas ondas gravitacionais quando elas se propagam de sua fonte no espaço em direção à Terra. E, de fato, a equipe de pesquisa não encontrou evidências desse efeito.
"Nossas medidas são realmente muito sensíveis a pequenas diferenças nas velocidades de frequências, mas não registramos nenhuma dispersão, mais uma vez, não provamos que Einstein estava errado", explicou Bangalore Sathyaprakash, membro da equipe do Ligo e representante da Universidade de Cardiff, no Reino Unido.
Em uma comovente coincidência, o último 4 de janeiro também foi o dia em que Heinz Billing, pioneiro da ciência da onda gravitacional, morreu, aos 102 anos.
O alemão especialista em física e informática construiu um dos primeiros interferômetros a laser - instrumentos hoje usados para detectar ondas gravitacionais.
Seu primeiro trabalho foi crucial para o desenvolvimento dos sistemas do Ligo.