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Transplante fecal: 'Por que resolvi virar uma doadora de fezes'

O material, repleto de bactérias 'boas', será usado em transplantes para pacientes com doenças relacionadas ao intestino.

25 jan 2019 - 06h47
(atualizado às 12h15)
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"Alguns amigos acham que é um pouco estranho ou nojento, mas eu não ligo. Fico feliz em contribuir", diz Campenella
"Alguns amigos acham que é um pouco estranho ou nojento, mas eu não ligo. Fico feliz em contribuir", diz Campenella
Foto: Reprodução

Claudia Campenella, de 31 anos, trabalha como gerente do serviço de apoio a estudantes de uma universidade do Reino Unido e, nas horas vagas, é doadora de fezes.

"Alguns amigos acham que é um pouco estranho ou nojento, mas eu não ligo. É muito fácil doar, e eu só quero ajudar as pesquisas médicas. Fico feliz em contribuir."

O material, repleto de bactérias "boas", será usado em transplantes fecais - que consistem em transferir as fezes de um doador (por via anal, oral ou nasal) para o intestino de outro paciente, como forma de tratamento para doenças relacionadas ao intestino.

Campenella sabe que a doação é extremamente útil - é por isso que ela se voluntaria -, mas o que a qualifica para tal?

Os cientistas acreditam que as fezes de algumas pessoas podem conter uma mistura ideal de bactérias saudáveis para curar doenças intestinais, o que as tornaria "superdoadoras".

Campenella conta que decidiu começar a doar porque leu que os veganos podem ser candidatos particularmente qualificados.

Não há nenhuma evidência forte de que as fezes de indivíduos veganos sejam melhores do que qualquer outra, mas os pesquisadores estão investigando o que pode tornar o material fecal "superior".

Fezes perfeitas?

Nosso intestino abriga milhões de bactérias que vivem em uma espécie de comunidade. Este microbioma é diversificado, sendo único para cada indivíduo - não há dois exatamente iguais.

Embora o transplante fecal ainda seja um campo relativamente novo da medicina, estudos sugerem que alguns doadores oferecem material de mais qualidade para o procedimento.

Justin O'Sullivan, especialista em biologia molecular na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, estuda o conceito de "superdoadores" de fezes.

Nosso intestino abriga milhões de bactérias que vivem em uma espécie de comunidade
Nosso intestino abriga milhões de bactérias que vivem em uma espécie de comunidade
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Nós vemos transplantes de 'superdoadores' atingirem taxas de remissão que são eventualmente o dobro da média", diz O'Sullivan.

"Nossa esperança é que, se conseguirmos descobrir como isso acontece, podemos melhorar o sucesso do transplante fecal e até testar o procedimento para novas condições associadas ao microbioma, como Alzheimer, esclerose múltipla e asma."

Jon Landy é gastroenterologista da rede de hospitais que atende a região oeste de Hertfordshire, na Inglatera, e ajuda a coordenar a unidade de transplante fecal.

Ele concorda com a ideia de um "superdoador", mas diz que encontrar um pode ser complicado.

"Ainda não entendemos o que faz um 'superdoador'", afirma.

"Sempre nos certificamos de que os doadores são indivíduos saudáveis e não apresentam nenhuma doença, mas não testamos todo o microbioma para ver como é."

"São investigações deste tipo que precisam ser feitas", completa.

Bactérias fecais

A pesquisa de O'Sullivan, publicada na revista científica Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, indica que apresentar uma grande variedade de micro-organismos nas fezes pode ser uma vantagem.

Segundo ele, a presença de um número maior de espécies no material fecal do doador tem se mostrado um dos fatores que mais influenciam o resultado do transplante fecal. E os pacientes que respondem bem aos transplantes também desenvolvem um microbioma mais diversificado.

Mas estudos sugerem que o sucesso do procedimento também pode depender de quão compatível é o doador com o paciente.

E pode não ser apenas uma questão de que bactérias estão presentes nas fezes.

"Alguns casos de infecção com diarreia recorrente foram curados com transplantes de fezes filtradas, que tiveram todas as bactérias vivas filtradas, mas ainda contêm DNA, vírus e outros detritos."

"Esses vírus podem afetar a sobrevivência e a função metabólica das bactérias transplantadas e de outros micróbios", explica O'Sullivan.

A infecção por Clostridium difficile é considerada uma doença intestinal perigosa
A infecção por Clostridium difficile é considerada uma doença intestinal perigosa
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Julie McDonald, especialista em microbiomas do Imperial College London, na Inglaterra, estuda como aumentar a taxa de sucesso dos transplantes de fezes.

Atualmente, a maioria das doações é usada para tratar infecções por Clostridium difficile, que podem ocorrer quando as bactérias "boas" do intestino do próprio paciente são eliminadas por antibióticos. Para os mais vulneráveis, pode ser mortal.

A pesquisa de McDonald sugere que os transplantes fecais desempenham uma função muito específica, substituindo algo que foi perdido em decorrência da doença.

Ela descobriu que os pacientes que sofrem de infecções por Clostridium difficile apresentavam níveis quase imperceptíveis de um valerato de ácido graxo de cadeia curta produzido pelo metabolismo microbiano do intestino saudável.

Os níveis só puderam ser restaurados com um transplante fecal bem-sucedido.

"Em nosso laboratório, estamos tentando descobrir exatamente como os transplantes funcionam e estamos vendo até se deixamos de transplantar as fezes propriamente ditas."

Em vez de dar ao paciente uma injeção fecal, eles receberiam um tratamento baseado nas fezes, que poderia ser considerado menos invasivo.

Segundo ela, isso poderia ajudar a contornar a questão do tabu associado à doação de fezes.

Campenella quer que as pessoas "superem a barreira psicológica" e cogitem se tornar um doador.

"Doar é muito fácil. É simples de fazer. Se você está pensando a respeito, verifique se um hospital próximo oferece o serviço e entre em contato com eles".

"Eu coleto minha amostra fresca em casa em um recipiente fornecido pelo hospital. E deixo no hospital no meu caminho para o trabalho. É só um pouquinho de esforço", acrescenta.

Ela agora está pensando em se tornar doadora de sangue também.

"Não cheguei a doar ainda, mas é algo que eu poderia fazer."

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