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Zolpidem: os preocupantes efeitos colaterais do remédio que virou moda entre os jovens

Medicamento para indução de sono é seguro quando usado por um tempo limitado e com acompanhamento. O consumo prolongado dele pode causar tolerância, dependência e surtos de alucinações ou sonambulismo, alertam médicos.

12 out 2022 - 12h56
(atualizado em 13/10/2022 às 10h20)
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Zolpidem pode ajudar em episódios agudos de insônia, mas não deve ser tomado por muito tempo
Zolpidem pode ajudar em episódios agudos de insônia, mas não deve ser tomado por muito tempo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Nas primeiras horas da madrugada, o nome de um medicamento costuma virar assunto frequente nas redes sociais.

"Ideia de encontro: tomar zolpidem juntos para ver quem alucina mais e apaga primeiro".

"Na noite passada, tomei zolpidem e picotei meu cabelo todinho."

"Tomei quatro comprimidos de zolpidem agora e me deu vontade de comprar uma lhama."

Relatos como esses, publicados num intervalo de poucas horas no Twitter, mostram como um remédio desenvolvido para tratar a insônia virou um fenômeno cultural, especialmente entre os mais jovens.

Lançado no início dos anos 1990, o zolpidem é um fármaco da classe dos hipnóticos (para indução do sono) que deve ser usado por um curto período — no máximo, quatro semanas — por quem tem dificuldades para dormir ou manter o sono por um tempo adequado.

De acordo com médicos ouvidos pela BBC News Brasil, o uso dele tem se popularizado além da conta — o que abre alas para efeitos colaterais preocupantes e quadros de dependência.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que, entre 2011 e 2018, a venda do fármaco cresceu 560% no país.

Apenas em 2020, foram comercializadas 8,73 milhões de caixas desse medicamento nas farmácias brasileiras.

Interruptor desligado

O zolpidem atua num receptor dos nossos neurônios e mexe com um químico cerebral chamado ácido gama-aminobutírico, também conhecido pela sigla Gaba.

"Isso, por sua vez, promove uma cascata de eventos que faz a gente ficar sedado e dormir", explica a médica Sandra Doria, do Instituto do Sono, em São Paulo.

"É como se nosso cérebro tivesse um interruptor e o zolpidem apertasse o off para desligá-lo", compara.

Quando dormimos naturalmente, esse processo acontece devagar: aos poucos, o cérebro vai relaxando e se desconectando da realidade, até entrarmos no estado de sono.

O zolpidem faz isso de uma maneira rápida e abrupta — o que é temporariamente bem-vindo para pessoas que não conseguem dormir de jeito nenhum.

Mas o uso desses comprimidos tem uma indicação bem clara e precisa.

"Ele pode ser útil para situações em que a pessoa está passando por um evento muito estressante, como a morte de um familiar ou a perda de emprego, e não consegue pegar no sono por causa disso", exemplifica Doria.

Nesses casos, o tratamento acontece por um curto período, que chega no máximo a quatro semanas.

Se, depois desse período, o descanso noturno continua a ser insuficiente, os médicos costumam partir para outras abordagens, que envolvem medicações diferentes, mudanças de hábitos e terapias psicológicas.

Uso desvirtuado

A grande questão, apontam os pesquisadores, é que o zolpidem está sendo indicado para qualquer dificuldade no sono e por um tempo prolongado demais.

"Apesar de a venda ser controlada e necessitar de prescrição médica, é relativamente fácil obter uma receita hoje em dia", observa a neurologista Dalva Poyares, da Associação Brasileira de Medicina do Sono.

"E isso nos gera muita preocupação", complementa.

Que fique claro: o remédio é seguro e pode beneficiar alguns pacientes. O problema acontece quando há o uso indiscriminado e por tempo prolongado.

A médica aponta que essa popularidade entre os jovens também está relacionada a uma indicação inadequada do zolpidem.

"Ele está sendo prescrito para tratar o distúrbio de ritmo, que acontece quando indivíduos, geralmente mais jovens, dormem mais tarde e apresentam dificuldades para acordar cedo e ir para a escola, a faculdade ou o trabalho", descreve.

"Nesse contexto, o zolpidem é visto como uma solução rápida e como uma forma de dormir mais cedo, mas ele não é indicado para esse fim", alerta.

Zolpidem virou uma espécie de 'fenômeno cultural' entre os mais jovens
Zolpidem virou uma espécie de 'fenômeno cultural' entre os mais jovens
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Doria lembra que, quando o zolpidem foi lançado há quase três décadas, acreditava-se que ele não levaria à dependência ou à tolerância (quando a pessoa precisa de doses mais altas para obter o mesmo efeito).

"Hoje sabemos que não é bem assim. Vimos ao longo dos anos que o uso inadequado pode gerar dependência e tolerância, o que faz o medicamento não ser tão isento de efeitos colaterais como se previa", avalia.

Cerca de 5% dos indivíduos que tomam o fármaco podem sofrer com um quadro de sonambulismo e amnésia.

O risco desse evento adverso aumenta se a pessoa ingerir o comprimido e não deitar na cama logo depois, como recomendado pelos médicos.

"Nessa situação, o cérebro passa a funcionar como num sonambulismo, em que o paciente não está totalmente acordado e nem totalmente dormindo", descreve Poyares, que também é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

É justamente aí que surge o risco de comportamentos imprevistos e inadequados.

"Tem quem faça compras, pegue o carro, se alimente, ligue para os outros, poste nas redes sociais… No dia seguinte, a pessoa não se lembra direito de ter feito essas coisas", caracteriza a médica.

Um dos relatos que viralizou nas redes sociais foi compartilhado por Pedro Pereira. Numa postagem, ele alega ter gastado 9 mil reais ao comprar um pacote de viagens para Buenos Aires, na Argentina, durante uma alucinação relacionada ao zolpidem.

Já a atriz Bia Arantes contou no Twitter que tomou o remédio e não dormiu imediatamente. No outro dia, ao acordar, ela descobriu que havia pesquisado na internet sobre "máquinas necessárias para abrir uma padaria".

Embora muitas dessas histórias sejam engraçadas e curiosas, não se pode ignorar os riscos envolvidos em muitos desses casos.

"E se a pessoa faz algum comentário inadequado no WhatsApp? Ou come algo estragado? Ou, pior, dirige um carro e coloca em risco a si e os outros?", questiona Poyares.

Quando há indicação de uso do zolpidem, a orientação dos especialistas é tomar o comprimido e ir direto para a cama — de preferência, com o celular bem longe para evitar eventuais compras inesperadas ou postagens comprometedoras.

Esse cuidado deve ser ainda maior com as versões sublinguais da medicação (colocadas debaixo da língua para dissolver). Nelas, a absorção é mais rápida e o efeito de sonolência acontece em poucos minutos.

Dependência e tolerância

Doria chama a atenção para a probabilidade de a dose inicial do zolpidem começar a ser insuficiente depois de algum tempo.

"Há também uma dependência emocional, pois alguns passam a acreditar que só conseguirão dormir se tomarem o remédio", diz.

Ela conta que já atendeu pacientes que precisavam ingerir três comprimidos para pegar no sono. Daí, às 3 horas da manhã, eles acordavam e consumiam mais duas unidades. Às 5h, ocorria um novo despertar, com a necessidade de repetir a dose mais uma vez.

Poyares revela que já lidou com colegas médicos que, pela facilidade de acesso ao zolpidem, chegaram a tomar até 30 comprimidos desses por noite.

"Vemos claramente um aumento nos casos de dependência a esse medicamento", atesta.

E esse abuso traz consequências: há o risco de problemas na memória, no raciocínio e na atenção, apontam as médicas.

A melhor maneira de evitar esses estragos é sempre consultar um especialista em medicina do sono se houver alguma queixa relacionada ao descanso noturno — e, se for o caso, seguir à risca a prescrição medicamentosa adequada, em que o zolpidem só é usado por um tempo curto.

"Existem algumas bandeiras vermelhas que indicam a dependência. A principal delas ocorre quando o sujeito toma um comprimido e, depois de um tempo, começa a acordar antes ou a sentir a necessidade de aumentar a dose", exemplifica Poyares.

Para esses casos, há um tratamento que ajuda a se livrar da necessidade de engolir o comprimido para dormir.

"Não é indicado cortar o zolpidem de uma hora para outra. Nós podemos indicar classes diferentes de fármacos que fazem essa substituição aos poucos junto com a terapia cognitivo-comportamental", propõe Doria.

Cerca de 73 milhões de brasileiros têm insônia
Cerca de 73 milhões de brasileiros têm insônia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Sono que não aparece

O estudo EpiSono, liderado pelo Instituto do Sono, revelou que os brasileiros demoram, em média, 12 anos desde o início dos sintomas para procurar um tratamento contra a insônia.

Segundo a Associação Brasileira do Sono, esse problema afeta 73 milhões de pessoas no país.

Para Poyares, existe até um desafio em definir o que é esse transtorno.

"A insônia é caracterizada pela dificuldade de iniciar ou manter o sono e pelo despertar precoce", resume.

"Se isso acontece mais de três vezes na semana por pelo menos três meses e há um prejuízo durante o dia, com sonolência excessiva, dificuldade de concentração e irritação, temos um diagnóstico do distúrbio", complementa.

Nesse contexto, o zolpidem é apenas uma das ferramentas coadjuvantes de um processo muito mais complexo, que busca resgatar aos poucos as boas noites de descanso.

"O principal tratamento é a terapia cognitivo comportamental, que muitas vezes é conduzida por um psicólogo especialista em sono", diz Doria.

"Durante os encontros semanais entre o paciente e o terapeuta, são sugeridas mudanças de hábitos, crenças e perspectivas relacionadas ao quarto, à cama e ao dormir", descreve.

É claro que, durante as consultas, o especialista também vai detectar problemas individuais que estão por trás do bloqueio noturno — pode ser que a dificuldade no adormecer tenha a ver com uma ansiedade não tratada ou com hábitos prejudiciais, como o uso de celular minutos antes de ir para a cama e um quarto muito barulhento, por exemplo.

"Não podemos ignorar também os pacientes que necessitam de uma terapia medicamentosa", lembra Poyares.

"Mas ela precisa estar baseada no uso racional dos fármacos e na menor dose possível para obter o efeito desejado", finaliza a neurologista.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63233824

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