Cientistas criam pé na cabeça de animal aquático para estudar células
Um dos principais reguladores encarregados pela identidade das células da hidra foi descoberto no experimento: o fator de transcrição Zic4
Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Genebra (UNIGE), em colaboração com o Instituto Friedrich Miescher de Pesquisa Biomédica (FMI), ambas na Suíça, fizeram crescer um pé no tentáculo de uma hidra, um pequeno organismo que vive em água doce. A ideia do experimento era descobrir um dos principais reguladores encarregados pela identidade das células do corpo do bicho.
Os pesquisadores notaram que, ao reduzir a expressão do fator de transcrição Zic4 pela metade, as células do tentáculo da hidra mudaram sua identidade e se tornaram células do pé, o que fez crescer literalmente um pé na cabeça do animal.
O fator de transcrição Zic4 foi assim identificado como um regulador chave na manutenção da identidade das células do animal. Ele é uma proteína localizada nos núcleos das células da hidra, responsável por regular a expressão de uma série de genes.
“Mostramos mais precisamente que o Zic4 desempenha um papel crucial na formação e manutenção das células que compõem os tentáculos, e que, reduzindo sua expressão, é possível modificar a organização e a função dessas células”, explicou o assistente sênior da pesquisa da UNIGE, Matthias Christian Vogg.
Sobre o crescimento do “pé” na hidra, os cientistas argumentam que o que aconteceu foi uma troca das células epiteliais na camada externa dos tentáculos por células epiteliais do pé.
“Na hidra, o pé é chamado de disco basal do animal. (...) Após a redução do Zic4, demorou apenas alguns dias para que o processo de transdiferenciação das células tentaculares ocorresse, levando ao desenvolvimento de pés no lugar dos tentáculos”, defendeu a professora emérita Brigitte Galliot, da UNIGE.
Por que a hidra foi escolhida para os testes?
Quando um organismo se desenvolve, as células-tronco se dividem e dão origem a novas células capazes de uma ou mais funções específicas. Esse processo é chamado de diferenciação. Em casos raros, as células podem mudar sua identidade depois que são diferenciadas, quando ocorre a transdiferenciação.
Ainda que esse processo seja bem conhecido, não se sabe ao certo o que faz uma célula manter a sua identidade, evitar sua desdiferenciação (perda da identidade) ou transdiferenciação (mudança da identidade).
Uma pista para essa investigação, portanto, são animais capazes de regenerar seus órgãos, membros ou até todo o corpo. No processo, algumas células perdem ou mudam temporariamente de identidade, antes de se renovarem. O caso é válido para a hidra, estudada pelos cientistas.