Como a PF acessou dados de Anderson Torres que estavam na telefonia móvel
Estamos constantemente compartilhando dados com as torres das operadoras
Quem possui um celular está constantemente compartilhando dados, e não necessariamente precisa estar conectado à internet para isso acontecer. Por exemplo, durante investigação criminal, o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou que as operadoras de telefonia móvel mantivessem os registros de conexão e geolocalização dos indivíduos que participaram do ataque às instituições em Brasília.
Ou mesmo agora, quando a Polícia Federal acessou os dados do celular de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PL), alvo das investigações sobre os ataques terroristas de 8 de janeiro.
Torres não entregou aparelho para que fosse investigado, então não é possível saber se ele apagou informaçõs. No entanto, a PF conseguiu acessar a "nuvem" após obter autorização de prestadora de serviço do celular.
Em todas essas situações, as operadoras de telefonia estão monitorando a sua localização 24 horas por dia. Mas essa coleta e armazenamento de dados não ocorrem simplesmente "do nada".
Seja pelo fato de se conectar à internet por 3G/4G/LTE, ou simplesmente por usar nosso número de celular como meio de identificação e autenticação (como no login através do envio de tokens), nós estamos contribuindo para isso.
Como elas armazenam
Por estarmos ligados e dentro da área de cobertura, qualquer aparelho celular está em constante comunicação com as torres de telefonia que estão no alcance.
As Estações Rádio-Base (ERBs), como são chamadas essas torres, são espalhadas pela operadora de telefonia em todas as áreas que ela se propôs a levar cobertura, e cada uma em uma célula que cobre uma parte do território – daí o nome de telefonia celular.
E é aí que funciona toda magia: essas estações, que além da antena, possuem computador e espaço de armazenamento, são ligadas à central da operadora, que é quem organiza (e cobra) as ligações, mensagens e internet móvel, provendo conexão à rede mundial de computadores.
O aparelho, em busca de ERBs, transmite tanto seu International mobile subscriber identity (IMSI) – ou identidade internacional do assinante de celular, em português – , que é um número que identifica exclusivamente todos os usuários de uma rede, quanto o IMEI (registro do aparelho).
Assim, as operadoras, que mantêm um banco de dados que associa esses números às informações cadastrais, conseguem saber o tempo inteiro em qual célula um cliente está.
Esses dados podem ser analisados por meio de investigações para fins diversos, como por exemplo, prever o status socioeconômico de pessoas, visualizar redes sociais formadas por ligações para investigação de crimes, etc. E forças policiais e judiciais podem, em muitas jurisdições, acessar os dados tanto nas operadoras quanto nas próprias ERBs, prática conhecida como tower dump.
Por parte da operadora de telefonia, essa constante transmissão de dados não pode ser contornada porque faz parte do serviço oferecido. No caso do usuário, pode ser barrada desativando o funcionamento do SIM-card (Chip) nas configurações do celular ou o colocando em uma bolsa que o isole de sinais eletromagnéticos — mas aí você não pode conectar seu dispositivo à internet, por exemplo.
O que diz a lei
A Associação Nacional das Operadoras de Celulares (Acel) questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) dispositivos da Lei federal 12.850/2013 que obrigam as empresas de telefonia móvel a fornecer dados cadastrais de clientes, independentemente de autorização judicial.
Atuamente, a Lei 12.850/2013 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, as infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
No artigo 15, consta que é permitido aos delegados e membros do Ministério Público a requisição às empresas de telefonia de dados cadastrais de pessoas investigadas como qualificação pessoal, filiação e endereço, sem autorização judicial.
Já o artigo 17 determina que operadoras de telefonia deixem à disposição dessas autoridades os registros de ligações locais e interurbanas das pessoas investigadas pelo prazo de cinco anos.
Para a Acel, ambos os dispositivos violam ao artigo 5º, inciso X, da Constituição, que trata da inviolabilidade do direito à intimidade do indivíduo. Quanto ao artigo 21, a Acel afirma que a imposição de pena de seis meses a dois anos de reclusão mais multa pela omissão dos dados cadastrais fere o princípio constitucional da proporcionalidade.