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Como os tentáculos do Facebook alcançam mais longe do que você imagina

Mapeamento inédito sugere que usuários "trabalham" para a rede social alimentando-a com informações e comportamentos - e, com isso, deixam a empresa de Mark Zuckerberg cada vez mais poderosa.

29 mai 2017 - 14h06
(atualizado às 14h31)
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A gama de informações que armazena faz do Facebook umas das organizações mais influentes do mundo. Com base nisso, a Share Lab, empresa de pesquisa e mapeamento de dados, decidiu destrinchar os algoritmos e as conexões gigantes da rede social para entender melhor as relações de poder e a estrutura social dentro da companhia.

Há cerca de dois anos, Vladan Joler e seus amigos nerds começaram a investigar de Belgrado, capital da Sérvia, o funcionamento interno de uma das corporações mais poderosas do globo.

O grupo, que inclui especialistas em análises forenses cibernéticas e visualização de dados, já havia feito pesquisas sobre o que chamam de "diferentes formas de estruturas invisíveis" por trás dos provedores de internet sérvios.

Mas Joler e seus colegas, agora trabalhando no projeto do Share Lab, já estavam de olho em um alvo maior.

O centro de dados do Facebook na Suécia foi um dos primeiros
O centro de dados do Facebook na Suécia foi um dos primeiros
Foto: BBC News Brasil

"Se o Facebook fosse um país, seria maior do que a China", disse Joler, que também é professor na Universidade Novi Sad, na Sérvia.

Ele discorre sobre os números familiares, mas impressionantes: a empresa ainda adolescente no Vale do Silício armazena 300 petabytes de dados, possui quase dois bilhões de usuários e arrecadou quase US$ 28 bilhões (R$ 96 bilhões) somente em 2016.

Joler argumenta que, apesar disso, conhecemos muito pouco sobre o que acontece no interior da empresa - embora sejamos nós, como usuários, os responsáveis por fornecer, e de forma gratuita, a maior parte do combustível que a mantém funcionando.

"Todos nós, quando fazemos um upload de alguma coisa, quando marcamos as pessoas em nossas postagens, quando comentamos, estamos basicamente trabalhando para o Facebook", diz.

As informações geradas a partir das nossas interações alimentam os complexos algoritmos que fazem a rede social funcionar. Logo, nosso comportamento é transformado em produto, afirma Joler.

Complexidade

Mas tentar desvendar esse processo, em grande parte oculto, provou ser uma tarefa gigantesca.

"Nós tentamos mapear todos os campos e ferramentas que nos fazem interagir e alimentar o Facebook, e o que resulta disso", diz o especialista.

"Mapeamos curtidas, compartilhamentos, atualizações de status, adição de fotos, amigos, nomes, tudo que nossas ferramentas dizem sobre nós, todas as permissões que estamos dando ao Facebook via aplicativos, como o status do telefone, a conexão Wi-Fi e a habilidade de gravar áudio."

Toda essa pesquisa forneceu apenas uma fração do todo. Por isso, o grupo também pesquisou as aquisições do Facebook e vasculhou a sua miríade de arquivamentos de patentes.

Os resultados são surpreendentes.

Gráficos de fluxo que levam horas para serem completados mostram como os dados que damos para o Facebook são usados para calcular a nossa afinidade étnica (termo usado pela empresa), orientação sexual, afiliação política, classe social, agendamento de viagens e muito mais.

Um dos mapas mostra como tudo - dos links que postamos às páginas que curtimos e o nosso comportamento online em muitos outros cantos do ciberespaço que são de propriedade ou interagem com a empresa, como Instagram, WhatsApp ou sites que usam o Facebook meramente para o login - poderia estar alimentando um processo algorítmico gigante.

E esse processo permite ao Facebook atingir os usuários com precisão impressionante pela habilidade de identificar seus gostos alimentares, quanto tempo levam no deslocamento para o trabalho e a idade de seus filhos, por exemplo.

Uma parte do mapeamento dos fluxos do Facebook
Uma parte do mapeamento dos fluxos do Facebook
Foto: Share Lab

Privacidade

Outro mapa detalha as permissões que muitos de nós estamos dispostos a dar ao Facebook por meio de seus muitos aplicativos para celular, inclusive a habilidade de ler mensagens de texto, baixar arquivos sem permissão ou identificar a nossa localização com precisão.

Se individualmente são ferramentas poderosas, combinadas formam um motor de coleta de dados que, segundo Joler, está pronto para ser explorado.

"Se você pensar somente nos cookies, somente nas permissões do celular, ou só na retenção de metadata - cada uma dessas coisas, da perspectiva da análise de dados, é muito intrusiva."

Há anos o Facebook afirma que a privacidade dos dados e a segurança de suas operações é um dos pilares da rede social.

As informações não podem, por exemplo, serem usadas por desenvolvedores para criar ferramentas, e a empresa afirma que obedece as leis de proteção de privacidade em todos os países. Milhares de novos funcionários foram contratados justamente com esse objetivo.

Mas Joler, apesar de admitir que sua pesquisa o tenha feito ficar paranoico sobre a informação que está sendo coletada, diz estar mais preocupado com isso no longo prazo.

Os dados vão permanecer nas mãos da empresa. Mesmo se seus atuais líderes sejam responsáveis e confiáveis, como podemos saber sobre quem estará no poder daqui a 20 anos?

Moeda de troca

Alguns analistas afirmam que o trabalho do Share Lab é valioso e impressionante.

"É provavelmente o mais completo mapeamento do Facebook que já vimos", diz a especialista em leis e políticas da tecnologia da Cornell Tech, Julia Powles.

"A pesquisa mostra em termos frios e calculistas o quanto estamos dando em troca de termos a possibilidade de nos comunicarmos com nossos amigos."

A escala do alcance do Facebook pode ser declarada em números brutos - mas os mapas do Share Lab o fazem de forma visceral, de um jeito que as comparações e paralelos não conseguem.

Para especialistas, poder de empresas como o Facebook não tem precedentes
Para especialistas, poder de empresas como o Facebook não tem precedentes
Foto: Getty Images

"Nós não temos analogias históricas apropriadas para as gigantes de tecnologia", explica Powles.

Os poderes dessas empresas, segundo a pesquisadora, vão "muito além" de empresas como a Est India ou monopólios antigos como a Standard Oil.

E enquanto muitos consideram que os objetivos do império de Mark Zuckerberg sejam benignos, os seus efeitos nem sempre o são.

Segundo Powles, o Facebook "brinca com nossos impulsos psicológicos básicos" ao valorizar a popularidade acima de qualquer coisa.

Apesar disso, ela não espera que a pesquisa do Share Lab leve a um êxodo massivo do Facebook, ou a um aumento dramático no escrutínio sobre as gigantes de tecnologia.

"O que é mais impressionante é o senso de resignação, a importância da regulação, a falta de opção, a apatia do público. Que situação extraordinária para uma entidade que tem o poder da informação - não há poder maior, na verdade."

O que o time do Share Lab quer deixar claro é a dominância extraordinária do Facebook. Mas Joler também destaca que mesmo os mapas e gráficos produzidos por eles não são capazes de fornecer um quadro preciso sobre as capacidades do gigante das redes sociais.

Não há garantias, por exemplo, de que não existam outros algoritmos em funcionamento e que são mantidos em segredo.

Joler argumenta, porém, que o trabalho de sua equipe "ainda é o único mapa que existe" de uma das grandes forças que moldam nosso mundo atualmente.

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