Como política fez Telegram bombar no Brasil
WhatsApp ainda é preferido para falar com família, mas Telegram ganhou terreno com política e oferece outros conteúdos, dizem especialistas
O Telegram foi uma das principais estrelas digitais da campanha presidencial deste ano. É lá que Jair Bolsonaro tornou-se um o político brasileiro mais popular do app. Já o canal de seu rival, Luiz Inácio Lula da Silva, tem menos inscritos (108 mil) mas o petista e seus eleitores também o usaram como estratégia de campanha.
As eleições teriam, então, ajudado o Telegram a finalmente deixar de ser uma segunda opção ao WhatsApp e caminhar por suas próprias pernas? Segundo dados recentes e a análise de especialistas, de fato o app de origem russa ganhou um impulso inédito neste ano, mas ainda não é uma ameaça real à hegemonia do "Zap" no país.
Uma pesquisa do InternetLab com a Rede Conhecimento Social, de agosto deste ano, mostra que 99,8% dos internautas brasileiros usam o WhatsApp. Já 43% são usuários do Telegram, que apresentou um crescimento de doze pontos percentuais de 2020 até agora. Outros dados do Panorama Mobile Time/Opinion Box mostraram que o Telegram está presente em 65% dos smartphones no país.
Um motivo para grupos de extrema-direita terem migrado para o Telegram foi o fato de o WhatsApp ter tomado medidas nos últimos anos para reduzir o alcance de disparo de mensagens em massa — uma das maiores táticas para disseminar fake news políticas impunemente.
Segundo Leonardo Nascimento, coordenador do projeto Ecossistema de Desinformação e Propaganda Computacional do Telegram da Universidade Federal da Bahia (UFBA), feito em parceria com os pesquisadores Paulo Fonseca, da mesma universidade, e Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e da InternetLab, o aplicativo registrou no Brasil uma troca de mensagens nunca antes vista neste ano.
Esse movimento teria contado com o estímulo de líderes políticos, que convocaram o público a se cadastrar no Telegram. Em 2018, os professores contaram pouco mais de 25 grupos e canais bolsonaristas. Hoje é impossível saber esse número, mas estima-se que sejam ao menos dez ou 20 vezes mais. Além disso, o número de pessoas cresceu assustadoramente – um dos maiores canais é o do presidente, com mais de 2,7 milhões de inscritos.
Diversos serviços estatais brasileiros entraram no aplicativo desde o ano passado, como o Exército, o INSS e o atendimento de violência contra a mulher. E em 2022, houve uma nova explosão impulsionada pelas eleições.
Canais, caráter híbrido e figurinhas
Para Nascimento, o uso do Telegram não é para ser um substituto do WhatsApp, que tem mais um perfil de aplicativo de mensagens entre membros da família, amigos etc. Na verdade, os aplicativos se complementariam, com o Telegram sendo mais acessado para obter conteúdos alternativos.
Se no WhatsApp, a tendência é a formação de grupos menores, no Telegram os canais são o foco. Neles, as pessoas interagem com desconhecidos que tenham interesses em comum. Algo semelhante às comunidades, que víamos no Orkut, mas agora com muito mais interação: diária e instantânea.
“Todos os pesquisadores concordam que o Telegram tem um caráter híbrido. Ele é mensageiro, mas é também rede social. Essa é uma das primeiras diferenças em relação ao WhatsApp, que é um app de troca de mensagens. Vai ter o WhatsApp Comunidades, que terá canais, mas ainda não chegou ao Brasil”, defende Nascimento.
De acordo com Raffa Lotto, sócia e diretora de planejamento da YouPix, o Telegram no Brasil foi responsável por popularizar as figurinhas e os GIFs que representam a cultura memética da Geração Z e dos millennials. “Além disso, a possibilidade de edição de mensagens e sua criptografia avançada que garante maior privacidade foram alguns dos fatores que atraíram novos usuários”, acrescentou.
Proliferação maior e desejo por mais opções
Após o WhatsApp manter um limite de 256 usuários por grupos, tanto públicos mais ligados à política quanto marcas viram no Telegram uma oportunidade de criar um canal direto com um número muito grande de pessoas.
“Empresas têm criado grupos exclusivos no Telegram para ofertar em primeira mão lançamentos, ações promocionais, sorteios, etc. Criadores de conteúdo oferecem os grupos como canal com conteúdo e interação exclusivas, e uma infinidade de usos diferentes dos que acompanhamos nas dinâmicas das redes sociais”, explicou Lotto.
Para Christian Perrone, diretor de direito e tecnologia do ITS Mídias, algumas motivações do crescimento do Telegram foram a preocupação das pessoas com as práticas de coleta de dados pessoais dos apps da Meta (como o WhatsApp); algumas funcionalidades extras que o Telegram oferece, como a possibilidade de grandes grupos; e a vontade de ter outras formas de compartilhar conteúdos.
"As pessoas estão buscando outras opções, mas há limitações, porque nem sempre a pessoa com a qual você quer conversar está naquela plataforma”, explica Perrone. No entanto, ele sente uma procura por mais opções de redes sociais além das tradicionais, como Twitter, Instagram e TikTok.
Moderação parece vir mudando, mas ainda gera desconfiança
Porém, as políticas de moderação da plataforma levantam divergências. Se por um lado, Lotto argumenta que a plataforma ainda gera preocupação em relação à falta de políticas para combate à desinformação, Nascimento diz que a postura do Telegram tem mudado do início deste ano para cá.
Após a polêmica falta de comunicação com o Supremo Tribunal Federal, a empresa têm respondido melhor e atendido aos pedidos de instituições e da justiça, assim como já faziam outras plataformas com atuação no Brasil, como Twitter e Youtube.
“Há uma certa evolução proativa do Telegram em punir e banir conteúdos caracterizados como impróprios ou errôneos, mas ainda falta transparência sobre o quanto disso está sendo colocado em prática”, lembra Lotto.