Como sua casa do futuro poderá ser projetada por um robô
Design generativo, totalmente produzido por algoritmos de inteligências artificiais, está no futuro de engenheiros e arquitetos
Esqueça a papelada, as horas gastas em projetos e até os cálculos que se repetem sem fim. Uma tecnologia já está começando a revolucionar a vida de arquitetos e engenheiros: o design generativo.
Com o uso de algoritmos e inteligência artificial, é possível gerar centenas de soluções criativas e inovadoras em questão de segundos, tornando o processo mais eficiente e aprimorando a qualidade do projeto final. Em breve, essa novidade deve se tornar parte da rotina desses profissionais, transformando a forma como eles trabalham.
“O design generativo é uma forma de explorar o processo de design, seja ele aplicado à arquitetura, engenharia ou desenvolvimento de um novo produto”, explica Rafael Colucci, especialista técnico sênior da Autodesk Brasil, em entrevista ao Byte.
“Partindo de um objetivo definido, o arquiteto ou engenheiro insere os parâmetros necessários em um software de projeto, que oferece várias alternativas que atendem os resultados esperados, seja redução de custos, melhor aproveitamento de materiais ou restrições de espaço”.
Como funciona o design generativo?
Para pensar no design generativo, e entender como essa tecnologia entra no mercado responsável pela construção de prédios e casas, é preciso esquecer um pouco sobre as ferramentas que já existem nesses setores.
Afinal, a ideia é que o design generativo não seja uma plataforma de trabalho, mas um verdadeiro parceiro de ideias. O desenvolvimento do projeto não acontece aos poucos, parte a parte, mas como uma coisa só, de uma vez.
De um lado, o profissional insere especificações para o seu projeto: o que é, sua função, uso, material, análise de desempenho, eficiência, dimensões, como se estivesse preenchendo uma planilha inicial. Depois, o mecanismo produzirá automaticamente um design pronto como ponto de partida ou solução final. A finalização fica a cargo do engenheiro ou arquiteto: aquele projeto criado é o ponto de partida ou a solução final?
“O design generativo é uma forma de inteligência artificial que possui capacidade de resolver problemas de engenharia e arquitetura onde o designer apresenta os requisitos para o software que irá gerar inúmeros possíveis resultados e esses resultados podem então ser refinados pelo designer de acordo com suas necessidades”, detalha Henrique Thomas Franco, arquiteto e urbanista da FFV/Bold e especialista na área de Modelagem da Informação da Construção (BIM), ao Byte. “É como projetar de fora para dentro”.
Benefícios do design generativo
A partir disso, o design generativo traz alguns benefícios bem claros: é muito mais rápido para desenvolver certos projetos, já que a criação é compartilhada com essa inteligência artificial que conhece determinados padrões.
Também, com o tempo, o design generativo deve se tornar mais econômico: assim como o software foi educado a diminuir certas áreas e quantidades de materiais de uma ponte, isso pode acontecer com outros tipos de projetos.
“Acredito que deixar uma máquina encarregada pelo design de um edifício ou de uma peça mecânica permite que o profissional se libere do que mais consome tempo — testar opções, fazer os desenhos técnicos e documentar — para reassumir um papel protagonista, de visão estratégica de negócio, onde o foco passa a ser em repensar critérios, restrições e objetivos que retornem o melhor projeto em vez de fazer a documentação do mesmo o mais rápido possível”, resume Thomas Takeuchi, diretor da Arqgen, focada em arquitetura generativa.
Mas o design generativo vai muito além disso. Um dos pontos destacados por profissionais ouvidos pela reportagem indica que essa inteligência artificial pode tirar o arquiteto ou engenheiro do seu lugar de conforto.
Em um primeiro momento, por exemplo, o projeto pode ser feito com linhas retas, como o arquiteto está acostumado. Mas o programa entende que é melhor seguir outras formas geométricas e mudar completamente o enfoque.
Isso aconteceu no projeto dos escritórios da Autodesk em Toronto, uma das empresas com mais trabalhos em design generativo. Inicialmente, eles coletaram opiniões de funcionários sobre como é o dia a dia no escritório e, sobretudo, quais as preferências de uso no espaço.
As respostas se transformaram em parâmetros para um software de design generativo, que desenvolveu projetos atendendo aqueles requisitos e fugindo do óbvio de projetos do tipo.
Dentre outras coisas, por exemplo, observou-se uma preferência por ativações em espaços compartilhados, minimizar distrações visuais e sonoras, ter luz natural e circulação integrada. Infelizmente, nem tudo era possível no projeto — já que era preciso obedecer a certas limitações do prédio.
No entanto, foi o bastante para que engenheiros e arquitetos desenvolvessem uma planta pro escritório misturando essas vontades com necessidades.
Em outro exemplo bastante prático, na Holanda, a startup MX3D trabalhou com algoritmos generativos para criar o projeto e simulações digitais de uma ponte feita em aço com uma impressora 3D.
Para isso, a tecnologia determinou uma forma, executou simulações e, depois, removeu excesso de material a partir de cálculos estruturais e manipulação geométrica, além de engenheiros que mostraram quais partes eram menos cruciais.
No Brasil, criatividade e desafios
Apesar desses casos de sucesso e de destaque fora do Brasil, o país também coleciona alguns casos interessantes — e que mostram outros benefícios interessantes da tecnologia.
Um ponto de destaque é que o arquiteto e engenheiro podem brincar com a criatividade e as possibilidades de trabalho com a inteligência artificial. Ao redor do mundo, são vários os casos de design generativo usado em projetos e que exemplificam isso.
Aqui no Brasil, o arquiteto Guto Requena criou banquetas. Para isso, Guto escolheu dois sambas (Canto de Ossanha e As Pastorinhas) e, de cada um, extraiu parâmetros como vocais, graves, frequência e ritmo. Com isso, obteve-se os dados generativos da peça em tempo real.
O arquiteto Henrique Thomas Franco também já usou a ferramenta no Brasil. No início de 2019, começou a estudar softwares para gerar formas orgânicas e design generativo para aplicar em projetos e, em 2022, após inúmeras tentativas, conseguiu aprovar um projeto de fachada de um edifício de uso misto em conjunto com o escritório FFV/BOLD. “O resultado superou todas as expectativas e o cliente ficou muito satisfeito”, contextualiza Henrique.
Depois disso, ainda no final de 2022, Henrique fez um projeto arquitetônico de um edifício de escritórios de trading que apresentaram as seguintes condições: precisavam minimizar a distância entre equipes e funções colaborativas, garantir boa iluminação natural, níveis baixos de ruídos, interconectividade, facilidade para futuras ampliações, minimizar distrações visuais e varandas para descompressão.
“Alguns elementos não poderiam ser alterados, como banheiros e circulação vertical e após lançar essas variáveis, e o software foi configurado para explorar milhares de opções de layout. Após afinar o resultado das opções escolhidas, obtive uma excelente configuração otimizada de layout e foi um resultado positivo que sem o auxílio da inteligência artificial não teria sido possível”, explica.
Outro bom exemplo aconteceu na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. Buscando o retorno seguro para toda a comunidade acadêmica, a UFPR utilizou a tecnologia para explorar propostas de design seguras que atendessem às exigências de distanciamento social, mobilidade e circulação de ar.
“Medidas fundamentais durante o período de incerteza causado pela pandemia”, diz Rafael Colucci, da Autodesk Brasil. “Este estudo permitiu que o Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI) assim como os ambulatórios do hospital veterinário do Campus Curitiba fossem adequados para o funcionamento em conformidade com os protocolos sanitários estabelecidos”.
Vale também destacar o trabalho da Arqgen, de Thomas Takeuchi. A empresa desenvolve softwares que concebem projetos de arquitetura de forma automática, prometendo ser 57 vezes mais eficiente, 40 vezes mais barato e com 10 projetos por minuto. Eles criaram o Arqgen Layouts, software de design generativo que otimiza layouts arquitetônicos residenciais, comerciais e corporativos.
“Esse conceito ainda é muito restrito e, em geral, limitado aos ambientes acadêmicos de pesquisa. Mas, nos últimos anos, percebi o mercado se movimentando mais em busca de soluções de design generativo”, contextualiza o executivo.
Futuro do design generativo
Para especialistas, o futuro da arquitetura e da engenharia passa, sem sombra de dúvidas, pelo design generativo. Ele não apenas vai se tornar uma ferramenta essencial para diminuir tempo e conter gastos, como também vai deixar projetos mais criativos, integrados com o espaço e, sobretudo, deixando-os menos austeros e muito mais naturais. Afinal, às vezes, as linhas retas podem não ser a resposta de tudo e para todos no final do dia.
Segundo o relatório Leading The Future of Building Connecting Design Insight, da Dodge Data & Analytics em parceria com a Autodesk, cerca de 43% das companhias ainda não aplicam o design generativo em seus processos. Isso indica que o mercado ainda tem muito espaço para crescer, ampliando ainda mais o alcance e potencial da ferramenta.
“Especificamente na arquitetura, onde atuo, posso afirmar que a profissão vai mudar muito em alguns nichos. As arquitetas deixarão de ser tão ‘desenhistas’ para assumir posturas mais estratégicas — quais regras de arquitetura que, postas em conjunto, retornam um melhor espaço de convivência? Isso exigirá uma postura mais crítica e menos braçal”, diz Thomas.
Segundo ele, o design generativo se torna uma ferramenta muito poderosa.
"No médio prazo, acredito que os early adopters serão grandes empresas que necessitam de produção rápida, mas, com o avanço da tecnologia, eu imagino que ferramentas de design generativo, como da Arqgen, possam atender a todos os tipos de profissionais do setor”, continuou.
Ainda assim, porém, alguns desafios permanecem no horizonte. “O maior desafio está na popularização do design generativo como ferramenta”, diz Rafael. “Também existe a necessidade de criação de programas de capacitação que, além de aumentar a base de usuários com conhecimento adequado para aplicação, auxiliará no desenvolvimento de rotinas, compartilhamento de boas práticas e casos de referência de problemas complexos”.