Como vídeos de detectores de metal viraram febre nas redes sociais
Donos desses equipamentos bombam na internet com conteúdos sobre "busca de tesouros" escondidos na terra
Canais de exploradores munidos de detectores de metais têm caído nas graças de milhares de pessoas nas redes sociais. Procurando por artefatos valiosos deixados para trás por outras pessoas e até por "tesouros perdidos", em vídeos ora reais, ora ficcionais, os adeptos do "detectorismo" acumulam cada vez mais fãs.
Jack Charles tem 446 mil inscritos em seu canal do YouTube. Em seus vídeos, ele anda por diferentes paisagens naturais com seu cachorro, o Faísca, e um detector de metal. Nas produções, o criador de conteúdo aborda lendas e histórias sobre objetos misteriosos que supostamente estariam escondidos no local.
"Tudo começou como uma brincadeira, meu irmão praticava o hobby e fui fazer com ele sem pretenção nenhuma. Postamos o vídeo na internet e vimos que tinha muita procura. Vieram logo 100, 200, 400 mil inscritos, foi bem rápido", diz em entrevista a Byte.
Na descrição do canal, o explorador deixa explícito que os vídeos partem de premissas de ficção. Mas alguns outros criadores deixam a interpretação em aberto.
"Fazemos o detectorismo real, nas fazendas e propriedades, mas nem sempre dá certo de chegar lá e localizar alguma coisa. Então também criamos vídeos no improviso, na modalidade de ficção", conta o criador de conteúdo.
Charles afirma que pratica o detectorismo como hobby em paralelo aos vídeos. A prática não é proibida no Brasil, mas o Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) alerta que a violação de sítios arqueológicos e patrimônios históricos é vedada por lei. Além disso, a orientação é que eventuais achados de valor histórico e cultural sejam reportados ao órgão.
No Brasil, outros criadores de conteúdos sobre o tema acumulam centenas de milhares de seguidores no YouTube: o canal Detectorismo Quilombo conta com 188 mil inscritos; o Detectorismo Paraná Brasil, com 325 mil; e Detectorismo Mogi tem 215 mil inscrições.
Por que o detectorismo chama atenção?
Em países cuja história conta com eventos como guerras e processos de interiorização (nos EUA, a marcha para o oeste; no Brasil, o bandeirantismo), o interesse por "tesouros perdidos" aparece mais nas crenças nacionais. É o que diz Maycon Rodrigo da Silveira Torres, doutor em psicologia e professor de psicologia clínica e saúde mental na UFF (Universidade Federal Fluminense).
"Existe um traço cultural dessa perspectiva de enterrar tesouros, principalmente moedas de ouro e prata. Ha todo um folclore ao redor disso, de espíritos que indicam onde existem tesouros, de forças sobrenaturais que informam onde estão ou protegem os tesouros escondidos", diz.
Mas, mais do que explicitar aspectos culturais de uma nação como um todo, o detectorismo também pode refletir características individuais dos amantes do hobby, como a busca por objetos que valem muito dinheiro.
Na visão de Torres, a prática pode ser um hábito normal, mas exageros devem acender sinais de alerta. O primeiro deles está ligado à dependência de um sistema de recompensas, em um processo no cérebro muito similar ao que acontece em jogos de azar.
"Você investe tempo e dinheiro para a compra de instrumentos, como os próprios detectores de metal. Então, você tem o movimento de uma aposta que, entre os objetos encontrados, algum deles terá valor. Você abre mão de uma coisa em nome de algo que você popde vir a conquistar no futuro. Essa aposta é alta e a conquista pode nunca acontecer", afirma.
Para o doutor em psicologia, transtornos relacionados à dependência de colecionar objetos — de valor material ou sentimental — também podem estar ligados a alguns casos de praticantes do detectorismo.
"Vale sempre a pena a pessoa ficar alerta quando o hobby se torna um problema. Se a pessoa fica ansiosa, com sensação de urgência para encontrar os objetos, ou então tem dificuldade de vender e começa a acumular os objetos, é um elemento para tomar cuidado".