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Computadores fazem arte? Inteligências artificiais em obras levantam polêmica

Imagens geradas por algoritmos levantam debate sobre seu valor artístico, plágio e impactos no mercado de design e ilustração

22 set 2022 - 05h00
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Imagem feita por IA de como seria uma pintura de Van Gogh da Estrela da Morte, da franquia Star Wars
Imagem feita por IA de como seria uma pintura de Van Gogh da Estrela da Morte, da franquia Star Wars
Foto: Pedro Markun

A obra “Théâtre d'Opéra Spatial” (“Teatro de Ópera Espacial”) foi eleita em agosto a primeira colocada no concurso artístico da Feira Estadual do Colorado (EUA), na categoria “artistas digitais emergentes”. Quem fez a inscrição na competição foi Jason M. Allen, mas o autor da obra não era humano.

O “artista digital emergente” era o Midjourney, um sistema de inteligência artificial (IA) que cria imagens a partir de frases. O algoritmo é treinado com um banco de dados de milhões de obras feitas por artistas reais.

Assim, quando um humano faz o comando, descrevendo a imagem que quer e até mesmo o estilo desejado, o sistema é capaz de criar uma obra correspondente a essa descrição. Além do Midjourney, também são usadas ferramentas como o DALL-E e o Stable Diffusion.

A premiação provocou debates na internet sobre a atribuição da palavra “arte” àquilo que é feito por máquinas. Apesar do elemento relativamente novo (as IAs), essa discussão já é antiga e se trata, basicamente, do conceito de arte: o que ela é, afinal? Ela depende necessariamente da habilidade e da sensibilidade humanas?

Contexto é tudo na arte

Professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) que estuda relações entre arte, tecnologia e comunicação, Nina Velasco argumenta que não é a tecnologia empregada na obra que define se ela é artística ou não, mas, sim, quão adequada ela está aos discursos sobre o conceito de arte — que são maleáveis e dependem do período histórico.

“Quando a fotografia surge, há uma discussão de que ela não pode ser considerada arte. Hoje, a fotografia está nos museus e fotógrafos são considerados artistas”, afirma. “Mas a fotografia também pode ser outras coisas. Ela é instrumento de documentação, de conhecimento, de memória.”

Para a professora, o mesmo se aplica a imagens criadas por IAs. “Dizer que qualquer coisa feita com o auxílio da inteligência artificial terá interesse para o campo da arte é questionável”, diz. Por outro lado, se houver, por trás dessas obras, uma conceitualização dentro do que é considerado arte a níveis institucionais e culturais, é possível que elas sejam consideradas produções artísticas.

Na visão de Pedro Markun, hacker que usa o Midjourney para visualizar seu projeto Jesus AI, uma inteligência artificial que simula Jesus Cristo, o que define um trabalho como artístico é a sua capacidade de emocionar — e isso as IAs conseguiriam fazer. “Hoje, isso está em debate. Em 20 anos, acredito que não será mais uma questão”, opina.

Markun também acredita que a ação humana por trás da IA traz certa subjetividade ao trabalho, já que é preciso aprender a dialogar com a máquina. Às vezes, são necessárias centenas de tentativas lapidando o prompt (a frase usada como comando) até que a imagem criada fique de acordo com o que foi imaginado.

“Da mesma forma que você precisa ter habilidades específicas para utilizar pincéis, você também precisa ter uma habilidade de entender o que você quer e pedir para a máquina”, diz Diogo Cortiz, professor de Design e Inteligência Artificial da PUCSP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “Então, nessas obras mais sofisticadas, há um processo de interação contínuo entre a pessoa e a máquina.”

Muitas pessoas, no entanto, são resistentes a essa ideia. “A nova tecnologia de geração de imagens por IA convenceu “crypto bros” [gíria usada para se referir, às vezes de forma pejorativa, a pessoas envolvidas com tecnologia] de que digitar um prompt é a mesma coisa que ter talento artístico”, escreveu um usuário do Twitter, comentando sobre a notícia da chegada ao mercado da primeira HQ com imagens geradas por inteligência artificial — uma versão ilustrada do livro Star Maker (1937), de Olaf Stapledon.

Referências artísticas ou plágio?

Além do debate sobre o valor artístico das obras criadas por IA, também se questionam algumas questões éticas, como o quanto o algoritmo “copiaria” obras já existentes. A semelhança entre as obras criadas por algoritmos e as obras presentes nos bancos de dados que alimentam as máquinas é vista, por alguns, como plágio. A acusação, entretanto, não é vista como um consenso.

“Efetivamente, não é um ‘ctrl+c’ e 'ctrl+v' nos pedacinhos das obras. Ela [a IA] nem sequer vê a obra de arte como a gente vê. Ela desconstrói aquela imagem em vetores numéricos”, diz Markun. “É quase como se ela aprendesse as pinceladas de um quadro, e é a partir dessa compreensão de como se faz uma pincelada que ela pinta um novo quadro”, defende.

Anderson Soares, coordenador do curso de inteligência artificial da UFG (Universidade Federal de Goiás) também compara a aprendizagem da máquina à forma como um ser humano pode se inspirar no estilo de outro artista. Para ele, isso está na fronteira do direito autoral. "Isso é complexo e difícil de ser julgado, então, prevejo uma série de conflitos a partir dessa situação”, diz.

Imagem gerada por IA reproduzindo o estilo dos irmãos grafiteiros Os Gêmeos
Imagem gerada por IA reproduzindo o estilo dos irmãos grafiteiros Os Gêmeos
Foto: Pedro Markun

Máquinas x designers

Outra questão ética sobre as imagens geradas por IA também levanta um debate antigo, sobre como as máquinas podem “roubar” postos de trabalho humanos — desta vez, está em jogo o emprego de designers e ilustradores. No entanto, não há motivos para que esses profissionais se desesperem, segundo Diogo Cortiz.

“Designers e ilustradores serão cada vez mais necessários, principalmente para trabalhar com uma criação mais sofisticada”, diz. “Mas claro que a máquina não chega no nível que um artista, hoje, consegue chegar. Então, vai ser mais uma ferramenta de auxílio para criar peças mais simples, do que realmente substituir designers e artistas. Isso não vejo no longo prazo.”

Markun também acredita na transformação do mercado, provocada, principalmente, pelos menores custos, energia mecânica e intelectual empregados na criação dessas obras digitais. Então, deverá ser mais comum ver designers e ilustradores usando IAs em seus processos de criação.

“Há uma resistência natural do ser humano a tudo que ameaça a sua primazia”, diz Markun. “Porém, assim como aconteceu em tantos outros campos em que a inteligência artificial já superou os seres humanos (por exemplo, no xadrez), não vai dar para segurar essa barreira por muito tempo. A inteligência artificial vai continuar melhorando cada vez mais.”

Fonte: Redação Byte
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