Conheça histórias de mães e filhos que só se comunicam pela internet
Psicólogo comenta o quão saudável — ou não — é manter relações familiares pelas redes sociais
Aos 15 anos, a então estudante Thays Cavalcante saiu da casa da mãe na pequena cidade de Serra Talhada, no interior de Pernambuco, para morar com a irmã e estudar em uma cidade maior. Na época, ela lembra que o WhatsApp ainda era pouco usado e, elas se comunicavam como era possível: inclusive, por ligações de três segundos, método utilizado anteriormente para evitar a cobrança de chamada pelas operadoras.
Com o tempo, mãe e filha passaram a se comunicar via WhatsApp e as coisas melhoraram muito. No entanto, antes a barreira era da distância entre cidades da mesma região. Hoje, Thays trabalha na Holanda e tem que lidar com a distância e o fuso horário para se manter próxima da mãe.
"A saudade a gente tem, não tem como não ter, mas a necessidade leva a gente a fazer escolhas. Morar fora foi para procurar uma vida melhor e até uma forma de poder ajudar ela também", comenta Thays.
Apesar da saudade, ambas comentam que as redes sociais são um grande auxílio para mantê-las unidas. E, com o WhatsApp, elas comemoram a possibilidade de poder se falar constantemente, telefonar e enviar fotos.
"Eu não acredito que substitua o contato físico, de maneira nenhuma, mas ajuda muito! A se ver, conversar, poder olhar para ela pela tela me dá a sensação de que eu estou ali, apesar de estar a quilômetros de distância, mas eu consigo sentir um pouquinho do calor que é estar por perto", diz a filha.
A mãe, Edina Cavalcante, conta que antes de a filha mudar de país, ela já mexia um pouco na internet, mas Thays foi quem a explicou como fazia chamada de vídeo, chats por mensagens como o Messenger e pediu para a mãe aumentar a velocidade da internet para se falarem melhor pelas telas.
"Lidar com a saudade não é nada fácil. Tem dias que seu coração aperta, quando ela viajou eu tive que me adaptar com a saudade, sem falar nas preocupações. Além de ser mãe e filha, somos muito unidas. Eu tenho uma afinidade muito grande com ela. Eu posso até sentir quando ela está triste ou quando algo está para acontecer com ela", comenta Edina.
Para matar a saudade, elas compartilham diariamente mensagens de bom dia, boa noite e fazem ligações cerca de três vezes por semana. Assim como Thays e Edina, milhares de mães e filhos contam somente com a internet para manterem os laços.
Edmar Campos e Josefina Campos deixaram de morar juntos em 2007, quando a mãe se mudou para os Estados Unidos e o filho continuou no Brasil para concluir a faculdade. Hoje, ele mora na França e, mais uma vez, o fuso horário de cerca de seis horas é uma das barreiras.
"Desde então as redes sociais — e a evolução dela desde 2007 — teve uma contribuição gigantesca para amenizar um pouco a distância e achar recursos para continuar se falando e tendo contato".
No início, eles se falavam pelo Messenger do Facebook, depois passaram a se falar pelo Skype, onde agendavam horários para se encontrarem nas chamadas. Com o tempo, a comunicação evoluiu graças ao WhatsApp, onde mãe e filho encontram mais disponibilidade para fazer ligações de voz e vídeo.
"A gente não compartilha tudo da rotina, acaba sendo uma coisa mais pontual. Às vezes a gente se fala ou troca uma mensagem, ou se liga rapidinho. Eu acho que estando aqui na Europa dificultou um pouco essa espontaneidade, justamente por causa do fuso horário", comenta Edmar.
Quando os filhos ainda são crianças
Diferente de quado os filhos se mudam de casa, há casos de mães que precisam viajar constantemente por causa do trabalho, como no caso de Eliane Macera, moradora de Santos (SP) e mãe de Rafaela, 16, Manuela e Leonardo, de 13 anos.
Ao Byte, Eliane conta que as viagens a trabalho já a fizeram perder datas importantes com os filhos, como dia das mães, dia dos pais e festinhas na escola. Para amenizar a saudade, ela também recorre à internet para estar presente na rotina deles.
"Eles estão super acostumados, me ligam o dia inteiro de vídeo para contar as novidades, assuntos relacionados a escola, amizade, lições de casa, e até mesmo para eu ajudar a estudar para provas".
"É uma ótima forma de amenizar a saudades e as preocupações, pois conseguimos ver nos olhinhos deles como estão. Claro que sempre ficamos com muita vontade de abraçá-los e dar vários beijinhos", conta a mãe.
Laços sociais e a saúde mental
Os laços sociais são fundamentais para a saúde mental e podem servir como fator de proteção contra transtornos mentais e de recuperação quando a pessoa apresenta algum sofrimento.
Levando em consideração a relação mãe e filho, é fundamental manter as conexões com pessoas que moram longe, ou seja — encontrar formas de manter essa conexão, mesmo com a distância; conforme explica Maycon Torres, doutor em psicologia e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
"O sentimento de pertencimento é um ponto muito importante. A família costuma ser o primeiro grupo em que a pessoa é inserida. Então, essa sensação de pertencimento precisa ser desenvolvida e mantida, com uma manutenção da qualidade desse vínculo", disse o psicólogo.
No entanto, o especialista pontua que as famílias nem sempre têm sentimentos e emoções puramente positivas.
"Vai ter também essas emoções negativas, e aí a gente precisa avaliar como que uma determinada família lida com essas emoções. Como eles conseguem fazer é resolução de conflitos; tudo isso precisa ser levado em consideração", diz.
Precauções nas relações via rede social
Para Maycon Torres, as redes sociais podem contribuir muito para manutenção das conexões entre as pessoas, porém, esse meio de comunicação exige cuidados.
"A gente tem as redes sociais que são mais expositivas, principalmente o Instagram, então é importante prestar atenção no modo como se usa as redes sociais porque pode gerar desentendimentos, e isso é uma característica da comunicação na internet", diz.
O professor explica que a internet tem como característica um aumento do mal-entendido, por ser uma forma de comunicação que não envolve a comunicação direta, em que a gente consegue avaliar presença corporal e modulação de voz.
Substitui a interação pessoal?
Como relatado pelos filhos e mães, a internet pode ser uma super aliada para matar a saudade; seja por mensagem de texto, um áudio ou uma videochamada.
No entanto, o doutor em psicologia Maycon Torres reitera que a internet consegue substituir a interação pessoal e destaca a importância do contato físico.
"A internet tem um ganho muito grande que é de ajudar as pessoas a manter as conexões. Mas é difícil dizer que ela substitui completamente, então é muito importante é pensar nas possibilidades de encontros reais", pontua Torres.
"Por mais que a internet tem esse componente muito visual e muito auditivo, ela não tem o componente do tato, do cheiro. Essa corporeidade do afeto é muito importante! Poder tocar, beijar, abraçar, tudo isso é parte do conjunto que envolve as emoções, e a internet não consegue substituir".