Críticas do Google não invalidam PL das Fake News, dizem especialistas
Um diretor do Google afirmou que aprovação poderia "piorar internet do brasileiro"
O Google assumiu publicamente um posicionamento contrário ao PL 2630/2020, também conhecido como o PL das Fake News. Entretanto, especialistas acreditam que, apesar de algumas críticas feitas pela empresa terem fundamento, elas não são o suficiente para invalidar propostas.
Em publicação no blog da companhia, o diretor de relações governamentais e políticas públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda afirmou que a proposta vai na contramão do objetivo de combater a desinformação e poderia "piorar a internet do brasileiro".
Segundo o Google, o PL das Fake News:
- Protege quem eventualmente produzir desinformação, pois impede a remoção de conteúdos de empresas jornalísticas e pessoas de interesse público;
- Dá amplos poderes ao governo para decidir o que os brasileiros podem ver na internet;
- Ameaça a liberdade de expressão, dando a empresas a responsabilidade de filtrar e moderar conteúdos considerando uma análise legal e assumindo uma função exercida tradicionalmente pelo Poder Judiciário;
- Prejudica empresas, anunciantes, criadores de conteúdo e consumidores, pois cria mais burocracia para a conceção de licenças de direitos autorais e anúncios;
- Trata o Google como uma rede social, o que é tecnicamente impreciso.
PL vai facilitar desinformação?
A parte do PL das Fake News que protege empresas de jornalismo e pessoas cujas contas são de interesse público, como políticos, é uma das que mais gerou discordância mesmo entre defensores do projeto.
"Esse é o pior ponto do PL, pois sabemos que parlamentares e políticos muitas vezes são as pessoas que mais disseminam desinformação", diz Nina Santos, coordenadora-geral do Desinformante, projeto de combate à desinformação no Brasil.
Rone Santos, professor e pesquisador na área de desinformação no Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais, também considera a proposta "delicada". A imunidade parlamentar, que protege o político por falas enquanto exerce a sua profissão, pode dar às autoridades carta branca para mentir nas redes sem nenhuma responsabilização.
"Aquilo que o protege na tribuna do parlamento pode se extender às redes e fazer com que ele seja imune a ser cobrado por mentiras ou induzir alguém ao erro. É complexo", diz.
A própria definição de quais devem ser as empresas jornalísticas abarcadas pela proteção também é difícil. Afinal, as redes sociais tornaram as fronteiras entre o jornalismo profissional e a comunicação descentralizada mais frágil.
Mas, segundo os especialistas, isso não significa que o projeto não possa servir como um primeiro passo para uma regulação mais precisa e cuidadosa sobre o assunto.
"Não é necessariamente negativo partir de uma definição ampla para, depois, tentar afunilar mais", diz Nina.
Dever de cuidado
A coordenadora do Desinformante acredita que o dever de cuidado das plataformas — que exige ação das redes assim que conteúdos nocivos forem detectados, não dependendo apenas de pedidos da justiça — não siginifica que o judiciário deixará de fazer o seu papel, como sugere a nota do Google.
Em vez disso, comenta, a nova regra elenca prioridades que devem ficar no radar das empresas.
"Esse dispositivo traz uma exigência permanente para as plataformas, para que fiquem atentas a esse tipo de conteúdo. No caso dos recentes ataques às escolas, por exemplo, foi prejudicial não termos a retirada imediata de certos conteúdos", diz.
As empresas só serão responsabilizadas se um protocolo de segurança for acionado por vias judiciais. Portanto, "o julgamento do judiciário não sai do jogo, só passa a ser combinado com critérios prévios".
"É muito cômodo para as plataformas digitais afirmar que não são responsáveis pelo que é produzido nas redes. Mas, se elas fornecem os meios para pessoas praticarem crimes, precisam ter a parcela de responsabilidade no que ocorre reconhecida, mesmo que não produzam o conteúdo em si", diz Ronei Santos.
Definições técnicas podem ser melhoradas
Um ponto levantado por Marcelo Lacerda, do Google, é que sites de busca são tratados da mesma forma que redes sociais e aplicativos de mensagens. Essa falta de distinção poderia prejudicar serviços essenciais da plataforma e derrubar páginas legítimas.
"Igualar buscadores a redes sociais também impõe aos buscadores um dever inviável de monitorar proativamente toda a internet em busca de determinados tipos de conteúdo considerados ilegais pela regulação. Isso, inevitavelmente, levaria a um bloqueio massivo de páginas potencialmente legítimas, já que em se tratando de temas controversos, como imagens fortes, mas que na verdade fazem parte de reportagens jornalísticas, seriam bloqueados para evitar possíveis sanções", diz a nota.
Nina Santos aponta que o texto da lei não define exatamente o que é desinformação. "A lei também fala de criar um grupo de trabalho sobre a desinformação e não define o que é. O texto da lei não é exatamente o lugar para se fazer isso", explica.
Ela também destaca que as plataformas e os buscadores são diferentes e precisam ser encarados como tal, mas isso não significa que não existam mecanismos em comum. "Como falamos de publicidade, podemos traçar paralelos de semelhança entre um espaço no Google e de uma rede social".
Entidade fiscalizadora
Versões iniciais do PL previam que o Poder Executivo criasse um órgão de fiscalização das plataformas. Ele seria responsável por abrir um protocolo de segurança para atuar quando houvesse risco a direitos fundamentais ou se as companhias descumprissem suas obrigações.
Após repercussão negativa, a última versão do PL excluiu a criação de um órgão autônomo de fiscalização das plataformas digitais, com fins de evitar interdição do debate.
Governo responde
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) determinou nesta terça-fera aplicação de multa de R$ 1 milhão por hora ao Google, em caso de descumprimento de medidas cautelares impostas pelo órgão à empresa no âmbito das discussões sobre o chamado PL das Fake News. O órgão abriu um processo administrativo para investigar a conduta da Google.
Mais cedo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, chegou a publicar no Twitter que a pasta irá apurar a possível ocorrência de práticas abusivas pelas empresas.
Estou encaminhando o assunto à análise da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, à vista da possibilidade de configuração de práticas abusivas das empresas. https://t.co/amkQe57ffc
— Flávio Dino 🇧🇷 (@FlavioDino) May 1, 2023
Ao fazer o anúncio em sua conta oficial, o ministro compartilhou uma publicação da organização de combate à desinformação Sleeping Giants Brasil, segundo a qual a empresa Google estaria "usando a própria plataforma para atacar a PL e, o Twitter deslogando a conta das pessoas para atrapalhar".
O Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo notificou o Google e a Meta, empresa responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, sobre campanhas das plataformas contra o projeto de lei, dando dez dias para as empresas se manifestarem.
Em coletiva de imprensa, Dino ainda afirmou que o ministério está tentando impedir uma censura "privada e clandestina" ao debate sobre o PL das Fake News, que transcorre na Câmara dos Deputados.
Após a repercussão negativa, o Google tirou link para o texto contra a PL das Fake News da página principal do seu buscador.