Dancinha, combate a fake news e mais: como o poder público usa o TikTok
Plataforma tem sido usada pelos órgãos públicos para combater fake news, ensinar política e construir uma nova imagem das instituições
Em crescimento no Brasil, principalmente entre pessoas com menos de 30 anos, o TikTok passou a ser usado também por órgãos do poder público como um canal para transmitir informações e construir uma imagem pública mais "pop". O Senado Federal, a Câmara dos Deputados, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o STF (Supremo Tribunal Federal) são alguns exemplos de entidades que aderiram à plataforma com abordagens parecidas.
O contraste entre a sobriedade das instituições e a informalidade do TikTok pode representar um desafio para as equipes de comunicação responsáveis pelas redes sociais desses órgãos públicos. Os “adms” (administradores, no jargão da internet) precisam pensar em estratégias para falar com o público jovem de maneira despojada, mas sem perder a essência da instituição.
Câmara aposta na "marca"
No TikTok desde janeiro de 2021, a Câmara dos Deputados afirma ser o primeiro parlamento do mundo a ingressar na plataforma. Em seu perfil, com 23,6 mil seguidores, o órgão publica vídeos de tom mais lúdico, como curiosidades sobre a casa, e de teor educativo, com informações do mundo da política — explicações do vocabulário legislativo, por exemplo.
“A experiência da Câmara dos Deputados mostra que vídeos com os melhores desempenhos têm a combinação de três fatores: assunto curioso, informação exclusiva e linguagem bem-humorada (persona)”, disse a Byte a equipe de comunicação do órgão.
O vídeo mais visto do perfil, com 427 mil visualizações, reúne essas características: ele mostra, em tom descontraído, como funciona o setor de restauração de livros, obras de arte e móveis antigos. Outro foca em Margaux, uma cadela da Polícia Legislativa (ver abaixo).
Esse tipo de abordagem, segundo a Câmara, permite um bom engajamento com o público, que passa a conhecer a casa de um outro ponto de vista. “Verifica-se, em alguns casos, a formação de comunidade, ou seja, cidadãos que defendem a Câmara e chancelam os temas tratados”, afirma a casa. “Outro ponto favorável é o acolhimento do canal por parte de seguidores de ideologias opostas.”
@camaradosdeputados A Margaux, da Polícia Legislativa, tá com saudade dos visitantes! Saiba como visitar o Congresso: https://www2.congressonacional.leg.br/visite #camaradosdeputados #visita #congressonacional ♬ Sunroof - Nicky Youre & dazy
Senado produz conteúdo educativo para um novo público
Presente no TikTok e no Kwai desde o início deste ano, o Senado Federal entrou para as redes sociais de vídeos curtos porque, devido ao crescimento que tiveram no Brasil, elas representam uma maneira de se comunicar com mais pessoas (e de perfis mais diversos).
Em sua conta no TikTok, com 13,6 mil seguidores, o órgão se propõe a falar de assuntos sérios de forma leve, trazendo conteúdo educativo e bastidores do Senado.
“Procuramos estar sempre atentos às tendências das redes de vídeos curtos, no intuito de perceber quais podem ser aproveitadas e adaptadas para o conteúdo típico do Senado. Também buscamos adaptar para o formato de vídeos curtos publicações que já fizemos em outras redes e que tiveram bom engajamento”, explica a equipe de comunicação do Senado.
Com uma média de 1,5 mil novos seguidores por mês, o grupo considera positivos os resultados obtidos na plataforma até o momento. “É desafiador desbravar esse novo universo, e isso nos ajuda a aprimorar nossa comunicação em todas as frentes”, afirma.
@senadofederal Maria Leopoldina, que viria a ser a primeira imperatriz do Brasil, teve papel importante na condução da #IndependênciaDoBrasil em #1822. Sua influência foi decisiva para que Dom Pedro decidisse separar o Brasil de Portugal. #SenadoNos200Anos #SenadoNoBicentenário #Independência200Anos #NossaHistória #História #PrincesaLeopoldina #UmaHitóriaFeitaPorNós #HistóriaDoBrasil #BicentenárioDaIndependência @TV Senado ♬ som original - SenadoFederal
TSE quer ser fonte de informação segura
O perfil do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no TikTok está ativo desde outubro de 2020 e já conta com 68,4 mil seguidores. Os vídeos mais recentes têm foco nas informações sobre o processo eleitoral — há, por exemplo, uma série de vídeos sobre a fabricação e o funcionamento das urnas eletrônicas, além de dicas práticas sobre como usar o e-Título ou o que levar na hora de votar. O perfil também conta com a série “Fato ou Boato”, que desmente fake news.
“A ideia é levar informações atualizadas de maneira acessível, democrática e irreverente aos seguidores”, diz o time de comunicação do TSE, que cita, ainda, a parceria que o órgão firmou com o TikTok e outras redes sociais para combater a desinformação.
Os recursos típicos do TikTok — dancinhas, dublagens, paródias e challenges (desafios de dança) — também são usados pela equipe, mas como forma de levar informação ao público jovem. “Os vídeos publicados nos últimos meses foram um importante meio para contrapor os fatos sobre o sistema eleitoral brasileiro com a campanha de desinformação que estava circulando pelas redes sociais”, considera o órgão.
O perfil do TSE chegou a ser contemplado, em 2021, com o Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, na categoria Mídia Social. O evento é promovido anualmente pelo Fórum Nacional de Comunicação e Justiça (FNCJ).
@tsejus #títuloeleitoral #eleições #agoravocêsabe ♬ som original - TSEJus
TikTok do STF também ganhou prêmio
O perfil do STF (Supremo Tribunal Federal) também ganhou o Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, na categoria Mídia Social, mas neste ano.
“A premiação é um marco, que sinaliza o reconhecimento de um trabalho coletivo de aproximação do STF com o público geral, principalmente o mais jovem”, afirmou, em publicação no site do STF, Fábio “Bito” Teles, coordenador de Multimeios da Secretaria de Comunicação do STF. “A leveza e o humor dos nossos conteúdos estão impregnados por correção e interesse público”, ressaltou.
O STF está presente no TikTok desde julho de 2021 e conta com mais de 50 mil seguidores. Assim como os demais órgãos, ele produz conteúdos informativos e educativos sobre política e o funcionamento da instituição.
@stfoficial Você também pode acessar clicando neste link aqui ➡️ https://spoti.fi/3dYDbfF #STF #spotfy ♬ Aesthetic - Tollan Kim
Criar "persona" política no TikTok é positivo, mas desafiador
Marcelo Vitorino, professor de marketing político da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), considera positivo que os órgãos públicos estejam presentes na maior quantidade possível de plataformas. A questão, para ele, é como fazer isso da melhor maneira. “É ruim abrir mão do diálogo com o público por não estar na rede social. O diálogo acontece independentemente de você estar lá ou não. Quando você está, você pode participar”, afirma.
Então, a partir do momento em que é tomada a decisão de estar no TikTok, é preciso criar a "persona" apropriada, ou seja, a personalidade construída para representar a instituição naquele canal. Essa pode ser, segundo o professor, uma boa maneira de fazer o público se aproximar das instituições, entendendo seu papel e conhecendo o seu funcionamento.
Por outro lado, pode ser desafiador conseguir propagar conteúdo político em uma rede social mais conhecida pelo conteúdo de entretenimento. “O TikTok tem uma lógica focada na experiência do usuário, então, o conteúdo político vai ser exibido para as pessoas que já gostam do assunto. Alcançar novas pessoas pode ser difícil”, avalia Vitorino.
Mesmo assim, a produção de conteúdo na plataforma pode trazer resultados positivos e iniciar (ou fortalecer) o vínculo entre as instituições e uma parcela mais jovem da sociedade. Isso acontece, segundo o professor, após um processo de aprendizado e adaptações no mundo virtual.
“Não há uma única maneira de fazer redes sociais. Elas têm características de mutação rápida. Quando você acha que dominou, a plataforma muda a regra e você tem que se readaptar”, diz. Por isso, o domínio dos órgãos públicos sobre as novas redes pode acontecer após um período de tentativas. “Há um processo de aprendizado, acerto e erro. O importante é buscar acertar”, conclui Vitorino.