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De volta ao Brasil, Nokia aposta em nostalgia e preço para vender smartphones

Dona da marca da tradicional fabricante finlandesa, HMD Global começa retorno ao Brasil com celular de R$ 900; faixa de aparelhos entre R$ 700 e R$ 1,1 mil foi responsável por 48% das vendas do País em 2019, diz IDC

3 mai 2020 - 06h11
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Vendido por R$ 900, o Nokia 2.3 representa o retorno da marca ao Brasil 
Vendido por R$ 900, o Nokia 2.3 representa o retorno da marca ao Brasil
Foto: HMD Global/Divulgação / Estadão

Ela voltou - e se depender da promessa dos executivos, agora é para ficar. Uma das marcas que ajudou o Brasil a entender o que era um telefone celular, a Nokia começa de novo neste domingo, 3, sua trajetória no mercado nacional. A partir desta data, começa a ser vendido no País o Nokia 2.3, smartphone que leva a marca da finlandesa e aposta em preço (R$ 900) e na nostalgia para voltar a ocupar os bolsos dos brasileiros. Mas esta é uma Nokia que se modificou bastante, mostrando que nem tudo está igual como era antes.

Pioneira no mercado de celulares, com modelos como o "o celular do jogo da cobrinha" (o Nokia 5110) ou o "bananafone do filme Matrix" (Nokia 8110), a marca finlandesa teve um caminho tumultuado nos últimos anos. Em 2013, a divisão de dispositivos móveis da Nokia foi comprada pela Microsoft. Pouco tempo depois, com o fracasso do sistema operacional Windows Phone frente aos rivais Android (do Google) e iOS (da Apple), a área foi posta de lado pela companhia fundada por Bill Gates.

No final de 2016, por contrato, os direitos sobre a marca "Nokia" retornaram à finlandesa, que permaneceu como fabricante de tecnologia para telecomunicações. A companhia então cedeu o uso da marca para a HMD Global, empresa recém-fundada por ex-funcionários da Nokia para fazer smartphones com sistema Android para o mundo todo. Desde fevereiro de 2017, a HMD Global tem lançado aparelhos em mais de 50 países, incluindo diversos mercados da América Latina.

Agora, chegou a vez do Brasil. "É um País estratégico para nós. É um mercado particular, então precisamos aprender os processos pouco a pouco e fazer adaptações", afirma Juan Olano, diretor de portfólio da HMD Global para as Américas, em entrevista ao Estado. Segundo apurou a reportagem, o plano era que a estreia acontecesse um pouco antes, mas o andamento do processo foi afetado pela pandemia do coronavírus.

Por aqui, a HMD tem um parceiro forte: a fabricante local Multilaser que cuidará da distribuição dos aparelhos junto às lojas do País todo, em especial depois que o período de isolamento social passar. "É um parceiro que nos traz capilaridade importante, especialmente no varejo físico, onde precisamos estar para sermos conhecidos", afirma Junior Favaro, diretor de marketing e vendas da HMD Global no Brasil - e também um veterano da Nokia por aqui. Ele aposta no poder de vendas do Dia das Mães, uma data forte para a venda de smartphones, para chamar a atenção para seu produto.

Aposta

Com preço sugerido de R$ 900, o Nokia 2.3 é um dos smartphones mais simples da Nokia. "O primeiro algarismo de cada modelo mostra a família dele, e quanto mais equipado é o aparelho. O segundo número é a geração, o que explica que ele é a quarta geração de sua família", explica Olano.

Com tela de 6,2 polegadas, câmera traseira de lente dupla e 32 GB de armazenamento, além de uma bateria de 4.000 mAh, ele tem especificações interessantes e que podem mexer com a categoria dos smartphones de entrada, faixa de preço mais popular do Brasil. Segundo números da consultoria IDC Brasil para o ano de 2019, 48,5% dos 45,5 milhões de dispositivos do tipo vendidos no País no ano passado custavam entre R$ 700 e R$ 1,1 mil.

Inicialmente, o Nokia 2.3 chegará ao Brasil importado, mas a empresa não descarta fabricar modelos por aqui em um futuro próximo. Lá fora, ele custa US$ 130 (em torno de R$ 700). "Tentamos trazer o preço certo para o mercado brasileiro", diz Olano. Sem entrar em detalhes ou fazer promessas, os executivos da HMD Global afirmam ainda que pretendem ter outros modelos e faixas de preço no País até o final do ano.

"Vamos ter um portfólio maior", diz Favaro. No exterior, a empresa tem até aparelhos topo de linha e inclusive chega a antecipar tendências - no ano passado, por exemplo, lançou o primeiro smartphone com cinco lentes na câmera traseira, o Nokia 9 Pureview, vendido no exterior a partir de US$ 700.

Além de smartphones, a HMD também tem lançado versões "retrô" dos aparelhos clássicos da Nokia, como os já citados "da cobrinha" e do "filme Matrix". Equipados com o sistema operacional KaiOS, com direito a 4G e WhatsApp, os dispositivos são considerados celulares simples (feature phones) e têm preços abaixo dos US$ 100. Questionados pela reportagem se os modelos também chegarão ao Brasil, os executivos evitaram falar sobre o tema.

 Juan Olano diz que o coronavírus atrasou a reestreia da Nokia no Brasil 
Juan Olano diz que o coronavírus atrasou a reestreia da Nokia no Brasil
Foto: HMD Global/Divulgação / Estadão

Disputa

Os desafios da HMD Global por aqui, porém, serão grandes. O primeiro será tentar capturar um lugar ao sol no mercado brasileiro, em que duas marcas - Samsung e Motorola - são há anos responsáveis por pelo menos 60% das vendas de aparelhos no País, se não mais do que isso. Enquanto isso, um segundo grupo, formado por LG, Asus e, desde o ano passado, Huawei e Xiaomi, briga por fora, competindo com as líderes em um atributo: preço. "Tem uma grande parcela dos consumidores brasileiros que não é fiel a uma marca, mas busca o melhor preço possível para ter uma boa tela, câmera ou bateria", afirma Eduardo Pellanda, professor da PUC-RS.

Na visão do especialista, a grande rival da Nokia no País será a Motorola. "As duas empresas têm uma marca forte na mão de um novo dono e se pautam por celulares bem construídos e com bom custo-benefício", diz. Para Favaro, da HMD, a consolidação do mercado "não impede que a gente dispute com grandes marcas."

Para o professor da PUC-RS, porém, começar pelo mercado de aparelhos mais baratos talvez não seja a estratégia mais acertada para a HMD aqui no Brasil. "O público que tem nostalgia dos aparelhos da Nokia tem maior poder aquisitivo, até para poder ter tido um celular há anos atrás. Não é o mesmo público que busca um smartphone de entrada", diz. Para Ranjit Atwal, diretor de pesquisas da consultoria Gartner, o mercado de baixo custo tem ainda outro problema: é uma categoria onde o preço se impõe ainda mais como prioridade ao consumidor, que por vezes pode desprezar especificações ou inovações em prol de um produto pelo qual ele possa pagar. "É um mercado extremamente competitivo", diz.

Pellanda, da PUC-RS, também tem dúvidas se o consumidor brasileiro acreditará que a 'nova Nokia" herdará, na preferência do consumidor, os atributos que fizeram a finlandesa se destacar no País, como a durabilidade dos aparelhos e a resistência das baterias - durante a década de 2000, popularizaram-se imagens na internet com piadas sobre a duração infinita da carga e a capacidade do aparelho de permanecer funcionando mesmo caindo de grandes alturas ou sendo até arremessado na rua.

Para Atwal, do Gartner, a pandemia do coronavírus traz um empecilho extra ao desafio da HMD Global por aqui: o tamanho do bolso dos consumidores. "Em meio a uma crise como essas, as pessoas estão procurando gastar menos - e por isso, vão demorar para trocar seus celulares", diz. "E quando essas pessoas precisarem trocar de celular, elas vão querer apostar no seguro. Se o preço for igual, elas não vão querer experimentar com uma marca que está há pouco tempo no mercado", afirma. Em outras palavras: nada garante que, mesmo com a Nokia chegando de novo ao portão do Brasil, os consumidores estarão dispostos a 'sorrir' para ela mais uma vez.

Estadão
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