Doença parecida com a sífilis já era comum no Brasil há 2.000 anos
Pesquisadores realizaram análise de DNA de quatro indivíduos na região costeira de Santa Catarina
Um estudo publicado na revista Nature, nesta quarta-feira (24), mostrou que doenças como a sífilis endêmica já existia no Brasil há 2.000 anos.
A pesquisa, liderada por pesquisadores da Universidade de Basileia, na Suíça, analisou ossos pré-históricos pertencentes a quatro indivíduos que morreram há 2.000 anos na região costeira de Santa Catarina.
Para alguns dos indivíduos, foram detectadas alterações patológicas visíveis nos ossos pré-históricos, o que poderia indicar que o falecido sofria de uma doença semelhante à sífilis.
Os cientistas usaram ferramentas de perfuração de dentistas para remover minúsculas amostras de osso em condições estéreis. Dessas amostras isolaram material genético pré-histórico (DNA antigo) pertencente ao patógeno da sífilis.
O estudo
O estudo demonstra que todos os genomas bacterianos investigados podem ser atribuídos à cepa Treponema pallidum endemicum — grupo das espiroquetas, que causam doenças como sífilis, bejel, pinta e bouba.
Embora a sífilis como doença venérea (originadas do contato sexual) represente um risco global para a saúde, o bejel, que se espalha por contato com a pele, só ocorre hoje em regiões muito áridas de África e da Ásia.
“Nosso estudo conseguiu mostrar que a sífilis endêmica já estava presente nas zonas úmidas do Brasil há cerca de 2.000 anos”, disse a professora Verena Schünemann, líder do estudo, em um comunicado.
Isto sugere que as pessoas já estavam sendo infectadas com a patologia, provavelmente através do contato cutâneo, mais de 1.000 anos antes da chegada de Colombo às Américas.
Doenças
A descoberta é importante para a compreensão da história da sífilis. Ainda hoje decorrem intensos debates entre especialistas e historiadores médicos sobre se os marinheiros e soldados de Cristóvão Colombo espalharam a sífilis sexualmente transmissível após a chegada às Américas em 1492.
A doença propagou-se rapidamente a partir do final do século 15, particularmente em cidades portuárias.
“O fato de as descobertas representarem um tipo endêmico de doenças treponêmicas, e não a sífilis sexualmente transmissível, deixa a origem da patologia ainda incerta”, diz Kerttu Majander, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Basileia e um dos principais autores do estudo.
No entanto, os autores consideram que há muitos indícios de que as treponematoses já estavam disseminadas na Europa antes da época de Colombo.
“Como não encontramos qualquer sífilis sexualmente transmissível na América do Sul, a teoria de que Colombo trouxe a doença infecciosa para a Europa parece mais improvável”, concorda Schünemann.
Na verdade, descobertas anteriores do seu grupo, por exemplo na Finlândia e na Polónia, sugerem que algumas formas de treponematoses já existiam também na Europa.
A pesquisa também fornece novas informações sobre a evolução da família de bactérias Treponema pallidum.
A comparação do DNA pré-histórico dos ossos do Brasil e os patógenos atuais mostra que tais eventos de recombinação realmente ocorreram.
“Não podemos identificar exatamente quando esta troca ocorreu, mas é provavelmente um dos mecanismos impulsionadores da divergência entre as subespécies que causam diferentes infecções treponémicas”, diz Marta Pla-Díaz, da Universidade de Basileia, a outra autora principal do estudo. estudar.
A comparação do DNA também permite deduzir a data de surgimento da família Treponema pallidum. Suas investigações mostram que esses patógenos surgiram em algum momento entre 12 mil e 550 a.C. A história destes patógenos, portanto, remonta a muito mais tempo do que se supunha anteriormente.
“Embora a origem da sífilis ainda deixe espaço para a imaginação, pelo menos agora sabemos, sem sombra de dúvida, que as treponematoses não eram estranhas aos habitantes americanos que viveram e morreram séculos antes de o continente ser explorado pelos europeus”, conclui Schünemann.