Drones já atrapalham espaço aéreo no Brasil; o que FAB e Anac têm feito?
Para a Anac, um dos desafios é conscientizar a população de que drones podem ser perigosos e não servem só para diversão
Os drones, ou aeronaves não tripuladas, têm se tornado cada vez mais populares no Brasil, com aplicações em diversos setores, como a agricultura, a segurança pública e a logística. Mas a frequência deles no céu também traz riscos para a segurança do espaço aéreo.
Uma das principais ameaças são as colisões entre drones e aviões tripulados. Em março, por exemplo, um aparelho foi detectado voando próximo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, e atrapalhou a operação de cinco voos, que foram direcionados para outros aeroportos. Em novembro, relatos nas redes sociais disseram que o problema se repetiu por 30 minutos.
Liberou agora, ficou quase 30 minutos parado.
— Lito Sousa (@avioesemusicas) November 19, 2023
Outro risco é o uso de drones para fins ilícitos, como o transporte de drogas ou explosivos. Em junho de 2022, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu uma dessas aeronaves que transportaria celulares para um presídio.
A Força Aérea Brasileira (FAB), por meio do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), diz que trabalha para mitigar esses riscos com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Essas questões crescem na mesma proporção da importância dos drones em nossas vidas. Segundo uma pesquisa da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio), divulgada em março, eles são a tecnologia mais presente no Brasil no combate à criminalidade, adotados por 63% das forças de segurança das 27 unidades da federação.
Legislação existe mas é burlada
No Brasil, a legislação sobre drones é regulamentada pela Anac. As regras estão definidas nas Regras de Uso do Espaço Aéreo, publicada em 2021.
Como explicou a agência, em entrevista ao Byte, por e-mail, a operação de drones no Brasil é livre para equipamentos até 250 gramas e também livre para aqueles com peso superior, desde que obedeçam ao limite de 120 metros acima da linha do solo e a distância de 30 metros horizontais de pessoas não envolvidas e não anuentes com a operação.
“Este limite não precisa ser observado caso haja uma barreira mecânica suficientemente forte para isolar e proteger as pessoas não envolvidas e não anuentes, como paredes de uma residência ou a estrutura de um automóvel”, disse a Anac.
Para os drones acima de 250 g, eles devem ser registrados junto à Anac e o plano de voo previamente autorizado junto ao Decea, subordinado ao Comando da Aeronáutica (Comaer). A entidade é responsável pela gestão do espaço aéreo brasileiro, planejando e controlando atividades de navegação e ordenação dos fluxos de tráfego.
Há também áreas proibidas, como locais próximos a aeroportos, heliportos, linhas de transmissão de energia, instalações militares e outras áreas sensíveis.
Entre 2017 e 2022, o crescimento de drones no Brasil chegou a 1.474%. Também em 2022, o país teve 310 mil operações homologadas — um aumento de 27,8% frente a 2021, segundo um relatório do Decea.
Os dados são referentes aos voos inseridos no Sistema para Solicitação de Acesso ao Espaço Aéreo Brasileiro por Aeronaves Não Tripuladas (Sarpas). Ele foi criado para facilitar os pedidos de acesso ao espaço aéreo brasileiro para usar Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (RPAS, ou drones).
Quem pode usar drones?
Robson Leandro, fotógrafo e videografista de São Paulo, disse que acredita que as regras para o uso de drone no Brasil são suficientes e fáceis de serem seguidas.
“Não são muito complicadas de seguir. O espaço aéreo brasileiro é muito controlado e as regras são bem específicas. Mesmo morando em São Paulo, com três aeroportos em área urbana, dá para ver o mapa de permissões de voo com áreas muito claras”, avaliou.
Ele lembra uma vez em que a Aeronáutica não permitiu que ele decolasse, mesmo não sendo uma área proibida. “Não considero uma experiência negativa. O espaço aéreo estava usando ali, especificamente naquele momento. Então, foi algo mais inusitado do que negativo”, afirmou.
Leandro usa o drone para trabalhos de foto e vídeo, atendendo aos clientes. Ele afirmou que não comprou o aparelho por lazer, já que é necessário ter cuidado com uso, guardar bateria etc.
“Não é um dispositivo barato. A manutenção é muito cara e dependendo do que acontecer (como um acidente) é muito caro”, avaliou.
As dificuldades do monitoramento
Por e-mail, a Força Aérea Brasileira, por meio do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), informou que voos sem autorização e próximos aos sítios aeroportuários resultam em congestionamento do fluxo de navegação aérea.
Uma das medidas que o Decea tomou este ano para mitigar esses riscos foi divulgar, no primeiro semestre deste ano, a Doutrina de Sistema de Aeronaves Não Tripuladas (UAS) aos Provedores de Serviços de Navegação Aéreo (PSNA), com "ações a serem realizadas para os casos de avistamento de drones nas proximidades dos sítios aeroportuários".
“As ações mitigadoras da autoridade vão desde um aviso aos pilotos das aeronaves tripuladas que circulam na localidade até a suspensão das operações aéreas, a depender do cenário avaliado”, afirmou a FAB.
Existem outras formas de monitoramento e rastreamento de drones no Brasil. Em 2018, por exemplo, a empresa brasileira DroneControl começou a usar o primeiro sistema civil de proteção contra aeronaves não tripuladas não autorizadas.
A tecnologia começou a ser implantada na unidade de Campinas (SP) da empresa de segurança Brink's. A ferramenta pode detectar, identificar e rastrear drones e pilotos não autorizados em um raio de até 7 km.
Entretanto, a FAB lembra que tecnologias para detectar e rastrear drones não são reguladas pelo Decea. O órgão responsável por regular sistemas que fazem uso de radiofrequência e do espectro eletromagnético é a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Já o Decea opera por meio do Sarpas, sendo possível “identificar voos, pilotos, aeronaves, localizações de voo e monitorar as demandas dos usuários de aeronaves não tripuladas”, disse a FAB.
O que falta para ser mais seguro?
Apesar de sentir que as regras vigentes e monitoramento são suficientes, Leandro sente falta de “algo a mais” para restringir voos em áreas perigosas.
Quando comprou o objeto, ele imaginava que precisaria de alguma certificação, “mais ou menos como uma carteira de motorista”.
“Na hora de decolar ele faz certo barulho e chama atenção. Eu já decolei ao lado de viatura da polícia e eles não pedem documentação e nem nada”, afirmou.
Segundo ele, deveria haver uma fiscalização mais apertada. “Seria uma burocracia a mais: aumentar o custo para quem pretende ter um drone. Mas talvez seja bom, porque pelo menos garante que essa pessoa tenha um ‘treinamento oficial’”, disse ele.
Para a Anac, o maior desafio em relação à operação de drones é a conscientização do risco que eles representam para a segurança da aviação civil, inclusive para pessoas e bens em solo.
“Muitos ainda veem o equipamento como um brinquedo e consideram seu uso apenas como uma diversão”, disse a agência por e-mail.
No entanto, os operadores que descumprem as regras e expõem pessoas ao perigo podem ser punidas de acordo com artigos 33 e 35 do Decreto-Lei de Contravenções Penais e artigo 132 do Código Penal. Neste último, a pena pode ir de prisão de três meses a um ano, se não acarretar em algum crime mais grave.