É possível sobreviver comendo restos mortais como no filme Sociedade da Neve?
Especialistas explicam o que ocorre com o corpo ao seguir uma dieta sem equilíbrio alimentar
O filme "A Sociedade da Neve" está entre os mais assistidos na Netflix e é uma das produções cotadas para disputar o Oscar. O longa mostra a história real da queda do avião 571 na gelada Cordilheira dos Andes, onde 16 passageiros se mantiveram vivos se alimentando de restos mortais de amigos que morreram no acidente.
O voo da Força Aérea Uruguaia, com destino a Santiago, capital do Chile, transportava 45 pessoas — entre tripulação e passageiros — sendo 19 membros do time de rugby da escola Christian Bross, do Uruguai.
Dos 45 ocupantes da aeronave, 29 morreram e 16 sobreviveram. Eles não apenas sobreviveram ao impacto da queda do avião, mas às condições adversas da inóspita montanha, com temperaturas negativas, escassez de comidas, bebidas e de medicamentos.
Como este grupo sobreviveu por 72 dias até que fossem localizados por uma equipe de resgate? Eles tiveram que se alimentar dos corpos dos passageiros mortos. A medida, considerada extrema pelos próprios passageiros, foi o que salvou a vida deles graças à proteína.
Logo, é possível sobreviver comendo restos mortais? A resposta, de acordo com especialista, é sim. Entretanto, vale ressaltar que estamos falando de uma história real onde a única forma de sobrevivência era adaptando-se ao canibalismo.
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Além disso, uma dieta focada apenas em proteínas — independente da origem — causa deficiência de outros nutrientes, que geram prejuízos como o que foi mostrado no filme: perda de peso, fraqueza, entre outras condições clínicas.
Em entrevista ao Byte, o médico e professor de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Alexandre Hohl, afirmou que além da alimentação, foi fundamental para a sobrevivência deles a hidratação.
O site Snow Society diz que o passageiro Adolfo Strauch utilizou placas de alumínio dos assentos do avião para derreter a neve e transformá-la em água.
As placas tinham um buraco no meio, e foram dobradas para criar uma espécie de funil. Ao meio-dia, o sol brilhava forte nos Andes. Com isso, as placas foram colocadas sob a luz solar, com uma camada de neve em cima, e a água derretida passava pelo buraco e era despejada em uma garrafa.
Proteína salvou os sobreviventes do voo 571
Sobre a alimentação a base de corpos humanos, o endocrinologista destaca que a proteína é a mesma encontrada na carne de boi, de ave ou qualquer outro animal que, independente de cada cultura e dieta, é consumido.
"Em determinadas culturas a vaca é sagrada e não se come vaca, e eles vão ter fonte proteica de outra origem. Então, os nutrientes que viveram, basicamente, quando a gente pensa numa é carne, é uma fonte proteica. São aminoácidos, vitaminas, e sais minerais que estão dentro desse alimento usado pelos sobreviventes", disse Hohl.
O nutrólogo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Andrea Bottoni, reitera que, certamente, o que ajudou os sobreviventes dos Andes foi a energia que conseguiram através da proteína da carne humana. Porém, o médico destacou também a importância em eles terem boas reservas e um bom estado de saúde.
Capacidade mental, psicológica e motivação
Impossível falarmos de saúde sem citar a força mental que os sobreviventes tiveram, afinal, passaram por um acidente aéreo, viram amigos e familiares morrendo e descobriram que as buscas pelo avião foram suspensas devido às condições adversas dos Andes.
"A capacidade mental, a motivação, a resistência física, mental e psicológica, são características que dão impacto importante", disse ao Byte nutrólogo Andrea Bottoni. "A gente tem que considerar toda a força mental, a determinação, o foco e o propósito destas pessoas".
Ingerir só proteínas não é recomendado
Evidentemente, destacam os especialistas, a alimentação exclusivamente baseada em carnes não satisfaz todas as necessidades fisiológicas de um adulto saudável.
Andrea Bottoni pontuou que certamente houve carência de fibra, de vitaminas e de outros nutrientes, pelo fato de eles não ingerirem frutas e verduras durante o período nas montanhas.
"Quando você come por um tempo prolongado uma alimentação oriunda só de um tipo de alimento, a alimentação não é equilibrada. Mas, o organismo deles conseguiu se adaptar e passar por todo esse estresse físico, mental e psicológico", afirmou o nutrólogo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
"Mesmo com uma dieta limitada a carne, não foi uma alimentação balanceada, mas conseguiram ingerir energia e proteína suficientes para manter o corpo funcionando em uma situação extrema", incluiu o médico.
Prejuízos ao corpo
A carência de fibras, vitaminas, de substâncias antioxidantes e de outros micronutrientes criou um prejuízo do ponto de vista imunológico, além da suscetibilidade à infecção e problemas na flora do intestino, explicou o nutrólogo Andrea Bottoni.
O endocrinologista Alexandre Hohl explica que houve uma "monotonia alimentar", onde só era ingerida uma fonte de alimento.
"Uma alimentação balanceada deve ter gordura, carboidrato, proteína, fibras de origem vegetais como legumes, frutas, verduras, e isso não aconteceu. Então, as chances de ter uma carência nutricional por ingerir só um tipo de alimento, que no caso veio dos cadáveres, pode gerar um processo de carência nutricional", disse Hohl.
"Não chega a levar ao risco de morte, porque eles estavam sendo hidratados e algum grau de alimento entrava. Mas, certamente, como no próprio filme demonstrou, eles tiveram um emagrecimento porque era uma nutrição desequilibrada", disse o especialista.
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