Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

"Edits" no TikTok funcionam como "gás" para obras brasileiras produzidas há décadas

Jovens que enquadram referências antigas em novo formato de consumo de conteúdo podem "oxigenar o mercado brasileiro de audiovisal"

18 jan 2024 - 05h00
(atualizado às 10h22)
Compartilhar
Exibir comentários
Vídeos feitos por fãs viralizam no TikTok
Vídeos feitos por fãs viralizam no TikTok
Foto: Reprodução/Redes sociais

Se você anda topando nas redes sociais com trechos da minissérie Hilda Furacão, transmitida pela Rede Globo há 25 anos, não é por acaso.

O resgate da obra, que ocorre desde o final de 2023 e chegou até no exterior, é um exemplo de como a reinterpretação de obras brasileiras, adaptadas a um estilo dinâmico de vídeos curtos, tem tomado conta da internet. 

Chamados de "edits", os vídeos de cerca de um minuto reimaginam cenas dos filmes, novelas ou séries, condensando-as em espécies de trailers amadores.

Estaríamos diante de mais uma trend excêntrica, lançada por uma geração cada vez mais viciada no "formato TikTok" de conteúdo, ou de uma nova forma de consumir e replicar arte, capaz de fortalecer as obras nacionais? Ainda é cedo para saber, segundo especialistas escutados pelo Byte.

@raendn Hilda Furacão (1998) #anapaulaarósio ♬ my love mine all mine sped up - ✰

Várias obras

Fato é que Hilda Furacão lotou o TikTok e Telegram com publicações e canais dedicados à reprodução de seu conteúdo. Cenas de Fernanda Torres no longa "Eu Sei que Vou te Amar", de 1986, atingiram quase 5 milhões de visualizações no X (ex-Twitter)

Até mesmo o filme "Bingo: O Rei das Manhãs", de 2017, onde Vladimir Brichta dá vida a um personagem inspirado em Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo, ganhou destaque.

Sem considerar os incontáveis trechos de novelas e seus personagens que marcaram gerações, como Avenida Brasil, também da Rede Globo.

Filmes, novelas e séries nacionais chegam a usuários por meio de publicações nas redes sociais
Filmes, novelas e séries nacionais chegam a usuários por meio de publicações nas redes sociais
Foto: Reprodução

Muitos dos seguidores da tendência são jovens que não conheciam as produções — ou sequer eram nascidos na época em que foram lançadas. Os vídeos costumam exaltar personagens ou tramas específicas, funcionando como um aperitivo da obra para aqueles que não a conhecem.

“Nós, editores, temos o costume de sermos intensos, pegar uma cena e transformá-la de um jeito que chame ainda mais a atenção do público”, afirma Madu*, cuja página de edits (@affectfan) acumula mais de 2,5 milhões de curtidas no TikTok.

Os vídeos de tensão romântica entre Hilda Furacão, prostituta interpretada por Ana Paula Arósio, e Malthus, frei na corda bamba do pecado sob atuação de Rodrigo Santoro, enlouqueceram os gringos no TikTok. Diversas páginas têm divulgado os clipes com legendas em inglês e outros idiomas.

@sersoulss Malthus admires Hildas scent | Ep. 26. #hildafuracao #hildafuracão #hildafuracãonogloboplay #hildafuracaoedit #anapaula #rodrigosantoro #brazil #hildatiktok ♬ Me and Your Mama - Childish Gambino

Os editores ouvidos pela reportagem afirmam que suas criações não apenas entretêm, mas servem como uma ponte para novas descobertas culturais. 

“Por experiência própria, já assisti muitos filmes e novelas que descobri a existência por meio de edits. Nas edições que posto, também vejo muitos comentários de gente que quer saber de onde é aquela cena”, continua a dona do @affectfan.

"Sempre fui apaixonado por novelas, desde criança", relata Estevão**, outro criador, que acumula mais de 100 mil seguidores e 1 milhão de curtidas. "Para os edits, escolho o personagem que mais se destaca na obra".

Lives de NPC e mais: as maiores trends do TikTok em 2023 Lives de NPC e mais: as maiores trends do TikTok em 2023

Fenômeno "típico"

Para Bruno Casalotti, sociólogo e professor do curso de jornalismo no Centro Universitário FIAM-FAAM, isso é um caso comum de convergência transmidiática, onde diferentes formas de mídia se unem e se complementam.

"Não é uma novidade na história do cinema. Na década de 1930, por exemplo, houve uma aproximação entre cinema e rádio no Brasil, o que ajudou a criar celebridades como Carmen Miranda", diz.

"Em 1970 e 1980, houve uma aproximação entre o cinema e a TV brasileira, com a ida de atores e atrizes consagrados em telenovelas para o cinema e vice-versa".

Existem também os vídeos com menor grau de edição, que simplesmente são recortes de cenas e que o usuário vai assistindo uma após a outra — tudo isso conseguido de maneira quase que instantânea, só com alguns cliques no TikTok.

"O que caracteriza a geração Z é essa fragmentação. É muito mais fácil e pertinente para ela acessar. O conteúdo não muda, mas a forma como você recebe muda bastante", diz o sociólogo Gabriel Rossi, que também é pesquisador em comunicação da ESPM.

Para o especialista, existe um apelo significativo em obras do passado na mente do jovem que as resgata e as traz para o consumo no presente.

"O jovem mostra esse comportamento, que tem até nome: anemoia. Saudade de coisas que não viveram. Isso de pensar que o passado era mais simples traz nostalgia e memórias afetivas", diz.

"Produções culturais nunca necessariamente morrem. Podem ficar no passado, mas voltam ao presente, com roupagens novas, e outras gerações as consomem".

Embora exista um trabalho quase profissional na edição e replicação de conteúdo, existe também questões sobre direitos de imagem.

Donas das obras devem se preocupar?

A legislação brasileira sobre direitos autorais, especificamente a Lei 9610/98, apresenta uma dualidade. Enquanto protege os interesses dos titulares de direitos autorais, ela também permite, em certas condições, a utilização de trechos de obras preexistentes em novas criações.

Sob o ponto de vista das produtoras e distribuidoras, Casalotti destaca que intervir contra a circulação suprimiria o potencial econômico desses edits. As redes sociais, segundo ele, agem como novas plataformas de exibição, aumentando a valorização cultural e financeira das obras. 

"Os edits são saudáveis e ajudam a oxigenar o mercado brasileiro de audiovisual", diz o professor.

A estratégia adotada pela Paramount em outubro de 2023, com o filme "Meninas Malvadas", exemplifica essa sinergia. Ao perceber a popularidade da obra no TikTok, a empresa dividiu o filme em segmentos curtos dentro da plataforma, gerando uma nova onda de interesse.

Para o cineasta e colunista do Terra Ygor Palopoli, dada a dificuldade de combater individualmente cada "edit" que infringe direitos autorais, muitas vezes é mais estratégico capitalizar sobre a popularidade gerada por esses conteúdos.

"A gente, de fato, sofre muito com problemas relacionados a direitos autorais, mas a gente também sofre com falta de divulgação, e essa [forma de consumir conteúdo no TikTok] pode acabar se tornando uma oportunidade de ampliar a visibilidade do trabalho", comenta.

"Se a Globo faz uma reprise de Hilda Furacão ainda nesse ano, imagina o sucesso que seria?", diz.

Procuramos a Rede Globo para saber qual o posicionamento da emissora sobre obras antigas sendo revitalizadas, mas não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem.

@ondecomerebeber Tá sabendo que a HILDA FURACÃO tem um tour temático em BH? Já SALVA esse passeio que é legal demais e encaminha pra quem tá mega curioso com essa viralização da Hilda no TikTok e vai adorar fazer esse rolê com você! #hildafuracão Pra fazer o passeio é só comentar aqui EU QUERO ou mandar uma mensagem pra gente! O passeio temático Hilda Furacão corre o centro contando histórias da BH dos anos 1960 e passando por locais que foram locação da série da Globo de 1998 ou que inspiraram o escritor Roberto Drummond pra escrever o livro em 1991. O passeio acontece um sábado por mês (ou em grupos privados) das 9h às 13h, custa R$90 por pessoa e inclui cafezinho e pão de queijo, quando paramos pra assistir momentos da série (inclusive cenas célebres do Rodrigo Santoro comendo geleia de jabuticaba 😂) e um perfeito bolinho de kaol com cerveja no clássico Café Palhares, que é quase um personagem de Hilda Furacão também, de tanto que é citado. Tá curioso com essa história? Gostou da experiência? Comenta aqui o @ de quem vai te acompanhar nesse tour e manda uma DM pra gente pra mais informações! #hildafuracao #hildafuracão #rodrigosantoro #hildafuracaoedit #hildafuracãonogloboplay #belohorizonte #belohorizontecity #belohorizontemg #quefazerembh #dicasdebh #passeioembh #dicasbh #passeioliterario #turismoembh #turismobh #turismoemminasgerais #turismomg #paodequeijo ♬ som original - Dicas gastronômicas e etc

Hilda Furacão é pop

Os jornalistas Rafael Câmara e Luísa Dalcin criaram em 2020 o Movimento BH a Pé, no qual organizam passeios temáticos pela capital mineira, ressaltando a cultura e história local.

Em entrevista ao Byte, o Câmara conta que ficou surpreso e animado ao se deparar com o viral de Hilda Furacão, já que a história — situada em Belo Horizonte no livro de Roberto Drummond que inspirou a série — é tema de um de seus tours.

"Muita gente que faz o passeio temático de Hilda Furacão só tinha ouvido falar, mas não tinha, de fato, visto a série ou lido o livro. Depois do tour, elas vão ler ou assistir", cometa.

Em um vídeo no TikTok na página do projeto do casal, muitos comentários aparecem interessados no passeio temático.

"Entre os belorizontinos, com 30 ou 40 anos ou mais, sempre foi mais fácil de fechar o passeio. Acho que essa viralização pode ajudar a chegar em um público mais jovem e nos turistas de fora da cidade. Mas só vou saber isso no próximo sábado, perguntando às pessoas por que elas resolveram fazer o passeio".

*A identidade dos donos dos perfis foi preservada.

Fonte: Redação Byte
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade