Elite branca sustenta negacionismo da vacina, diz pesquisador da Unifesp
Estudo do Centro de Estudos SoU_Ciência mostrou que a polarização política no Brasil tem recortes de gênero, classe, raça, religião e idade
Um novo levantamento do Centro de Estudos SoU_Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), feito entre julho e agosto de 2022, revelou que enquanto ricos, brancos e evangélicos são mais descrentes na vacina e no SUS, pessoas mais pobres, negras e menos instruídas confiam mais na ciência.
De acordo com Pedro Arantes, coordenador do SoU_Ciência, as conclusões da pesquisa mostram como os mais ricos desvalorizam a ciência: “A gente tá percebendo uma parcela importante da elite branca brasileira numa posição negacionista ou de forte descaso pela saúde coletiva e pela capacidade do país ter políticas públicas e ciência, com o SUS, com instituições públicas de qualidade”, comentou a Byte.
De acordo com o estudo, 41% dos mais ricos e 32% dos com ensino superior, 29% dos brancos e 29% dos homens ou não tomaram a vacina ou apenas tomaram uma dose, o que não alcança a eficácia necessária, como já foi amplamente divulgado. Enquanto isso, tomaram duas ou mais doses 86% dos mais pobres (com até um salário mínimo), 86% dos menos instruídos, 89% das mulheres e 87% dos negros.
Essa parcela de homens ricos e mais instruídos, que se vacinou menos, foi também a que contabilizou mais internações em decorrência do vírus da covid-19. Quase o dobro de homens precisou ser internado quando comparamos com mulheres (22% a 12%).
Mais ricos também avaliam melhor o governo Bolsonaro
O posicionamento político também contou bastante no levantamento. Cerca de 37% dos eleitores do presidente e candidado à reeleição Jair Bolsonaro (PL) tomaram apenas uma ou nenhuma dose da vacina, contra apenas 10% entre os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Outro recorte ainda considerado foi o das regiões do país, que evidenciou o Centro-Oeste como a região com menor adesão à vacinação – 30% das pessoas tomaram apenas uma ou nenhuma dose.
Os dados que mais chamam a atenção são os de que enquanto 46% dos mais ricos consideram a atuação do governo na pandemia como boa ou ótima, apenas 14% dos entrevistados com até um salário mínimo de renda tiveram esse posicionamento. Para Arantes, isso está associado às experiências diferentes que cada uma dessas classes tiveram na pandemia.
Enquanto os mais ricos puderam fazer home office e tinham mais condições para lidar com as restrições, os mais pobres tiveram que continuar se expondo. “As pessoas mais pobres foram as mais expostas, mais penalizadas com perda da renda, com a volta da fome, com a falta de espaço adequado para ficarem isoladas em casa, com as dificuldades de estrutura para suas crianças estudarem online", afirmou Arantes.
De todos os participantes da pesquisa, 3% tomaram o famoso “kit covid”, que continha cloroquina e ivermectina, medicamentos que não possuem comprovação científica de que atuam contra a covid-19 – 21% dos entrevistados disseram saber disso.
Os que chegaram a tomar o kit são predominantemente bolsonaristas: dos 28% que foram infectados e avaliam o atual governo como bom ou ótimo, 9% fizeram uso desses medicamentos. Já a adesão ao kit entre os infectados que consideram o governo como ruim ou péssimo foi quase nula, de apenas 0,18%.
E a ciência?
Sobre os cortes orçamentários nas universidades e o fomento à pesquisa científica, 62% da população brasileira é contra os cortes da ciência e das universidades federais. Impressiona o dado de 22% de pessoas que são indiferentes ao tema, contra 11% que são a favor dos cortes.
Entre os que são a favor dos cortes ou indiferentes, a maioria é das classes A ou B (51%), branca (48%), com ensino superior completo (47%) e moradora da região Sul do país (43%).
Por outro lado, os que se posicionam contra os cortes são jovens – 64% da juventude brasileira (de 16 a 29 anos) –, negros (75% das pessoas pretas e 73% das pardas) e de menor escolaridade (75% com Ensino Fundamental ou sem instrução).