Em alta, app de videos Kwai deixa fake news eleitoral rolar solta
Conteúdos que já foram verificados como sendo falsos continuam circulando dentro do Kwai, rede social chinesa de compartilhamento de vídeos
Basta abrir o aplicativo do Kwai, rede social chinesa de compartilhamento de vídeos, que instantaneamente você será impactado por algum conteúdo sobre as eleições brasileiras. Com poucos minutos dentro do aplicativo, mesmo que sua conta seja nova, a hashtag “Eleições 2022” estará no topo da interface.
À medida que você assiste ou curte os vídeos, uma inundação de informações sobre o mesmo assunto começam a surgir na interface. O problema, no entanto, é que as notícias e compartilhadas ali nem sempre são verificadas, e as fake news se espalham com facilidade.
No início de outubro, um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostrou que no Kwai, três perfis sozinhos juntavam mais de 8,4 milhões de visualizações em 16 vídeos que faziam alegações infundadas sobre o primeiro turno das eleições.
Na época, o Kwai afirmou que não tolera “conteúdos que tenham potencial de prejudicar o processo democrático”. No entanto, a reportagem de Byte verificou que a atenção da empresa ao assunto ainda é insuficiente para impedir a desinformação eleitoral.
Segundo Marcelo Fountura, professor do Departamento de Comunicação da Puc-Rio, esses conteúdos de fraude nas urnas têm o objetivo de deslegitimar o resultado eleitoral.
“Elas têm o impacto de circular e reproduzir uma percepção de baixa crença dos processos [eleitorais], das imersões e dos instrumentos da democracia brasileira”, disse o pesquisador.
O Kwai, de acordo com a Forbes, tem 45 milhões de brasileiros ativos mensalmente. E apesar de a tag com o tema “fraude” ter sido removida das recomendações, outros conteúdos ganharam espaço.
Os vídeos da plataforma podem ser baixados com facilidade e compartilhados em qualquer rede social. Segundo levantamento da empresa de dados Palver, 856.308 mídias foram compartilhadas no WhatsApp entre os dias 3 de outubro até esta quarta-feira (26). Dentre elas, 72.975 são em formas de vídeo. Segundo a consultoria, 15,2% são oriundas do TikTok e outras 7,9% têm origem do Kwai.
Fake news e conteúdos fora de contexto
Não precisa de muito no Kwai para começar a usar: qualquer pessoa pode abrir uma conta e começar a gravar vídeos. Opiniões são compartilhadas nos comentários em defesa de seus respectivos candidatos. Algumas informações, no entanto, são tiradas do contexto ou manipuladas ou colocam em dúvida o processo eleitoral.
Um exemplo disto é um suposto áudio com voz atribuída ao ex-candidato a presidente Ciro Gomes (PDT) dizendo que há um conluio para eleger Lula (PT) e que as Forças Armadas estão cientes e prontas para tomar o poder. No entanto, o conteúdo já foi verificado como falso pelas agências de checagem em parceria com a Justiça Eleitoral.
Apesar disso, o conteúdo continua no ar no Kwai até a publicação desta reportagem, com quase 9 mil curtidas e mais de 5 mil compartilhamentos.
Em outro vídeo, há a afirmação de que as pessoas seriam proibidas de irem votar com camisa verde e amarela no dia 30 de outubro. Este tem mais de 13 mil curtidas e pouco mais de 2.800 compartilhamentos.
Em alguns minutos de experiência no aplicativo, a reportagem encontrou diversos conteúdos com informações fora de contexto. Em alguns vídeos, havia desinformação sem qualquer alerta por parte da plataforma. Em outros, havia a mensagem: "a opinião pessoal do autor serve apenas para referência".
Por que consumo de fake news ainda é intenso?
De acordo com Ester Borges, coordenadora de Informação e Política do InternetLab, é necessário apontar que no fenômeno da desinformação, as pessoas se “alimentam de notícias em ecossistemas narrativos diferentes”.
“Então, se um aplicativo tem o algoritmo que você vê vídeos de assuntos que já te interessam, esses conteúdos tendem a reforçar suas crenças, seus valores”, disse.
Segundo ela, essas plataformas de vídeos tiram o usuário de uma “bolha de família e amigos”, fazendo com que ele seja informado com viés baseado nos valores e gostos pessoais.
No último dia 19 de outubro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, se reuniu com representantes de plataformas digitais e redes sociais. Ele pediu total vigilância no combate à propagação de desinformação e notícias falsas nos últimos dias do segundo turno da campanha eleitoral até a votação, em 30 de outubro.
Membros do Google, Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Twitter, TikTok, Twitch, Kwai e Linkedin, além de membros do TSE, discutiram iniciativas para aumentar a rapidez de retirada e combate à reprodução de conteúdos falsos idênticos, principalmente os ofensivos a candidatos a presidente.
Procurada por Byte, o Kwai disse que reforça o compromisso no combate à desinformação com a detecção e neutralização de conteúdos falsos na plataforma. Diz que os mecanismos de segurança do app atuam 24 horas por dia, combinando inteligência artificial e análise humana para identificar e remover o mais rápido possível conteúdos que violem ou infrinjam as políticas da comunidade.
Quem deve ser responsabilizado
Com tantos conteúdos circulando sem verificação, há diversas discussões sobre se deve haver um filtro prévio para evitar desinformação, ou quem deve ser responsabilizado — as plataformas ou quem divulga.
De acordo com Borges, sugerir filtros de conteúdo falso é muito complicado. “Porque as plataformas são os intermediários no Marco Civil da Internet, e a gente não responsabiliza os intermediários pelo conteúdo que é postado, porque isso significaria que as plataformas deveriam fazer uma censura prévia do materia”, afirmou. “E isso não é considerado benéfico para a liberdade de expressão”, continuou a coordenadora do InternetLab.
Apesar disso, ela defende cobranças como agilidade em retirar o conteúdo, diminuir o alcance ou exibir etiqueta de conteúdo falso — como o Instagram faz.
Fountura, por outro lado, diz que essas plataformas digitais são empresas privadas e devem ser responsabilizadas pelo conteúdo nocivo.
“E elas devem ser responsabilizadas pelo conteúdo seja de desinformação, violência política ou discriminação que circulam nessas plataformas [...] a responsabilidade deve vir a quem monetiza, a quem afere os lucros que são obtidos pela economia de atenção”, afirmou.
O Kwai afirmou que vídeos não verificados têm a exposição diminuída e violações contínuas podem levar ao banimento da conta. "É importante reiterar que, durante o primeiro turno das eleições, o monitoramento foi mantido e contou com reforço no time de segurança para acompanhar as denúncias e os conteúdos. O mesmo será feito para o segundo turno das eleições", diz a empresa a Byte.