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Em novo livro, Natalia Pasternak critica psicanálise e constelação familiar

Cientista destaque na pandemia e Carlos Orsi abordam as supostas "pseudociências" no lançamento "Que bobagem!" pela editora Contexto

18 jul 2023 - 05h00
(atualizado em 25/7/2023 às 17h31)
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Natalia Pasternak durante a CPI da Pandemia
Natalia Pasternak durante a CPI da Pandemia
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Nem mesmo Sigmund Freud conseguiu escapar de críticas afiadas em "Que Bobagem!", novo livro dos divulgadores de ciência Natalia Pasternak e Carlos Orsi lançado pela editora Contexto.

Em sua mais recente colaboração, o casal defende que nem todas as decisões pessoais devem ser tomadas com embasamento científico. O objetivo da obra, entretanto, é iluminar os "dois lados" da discussão, em um mundo onde o charlatanismo se aproveita do prestígio da ciência para lucrar em cima da desinformação.

Pasternak é microbiologista, professora de Ciência e Políticas Públicas na Universidade de Colúmbia (EUA) e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC). A cientista teve participação marcante na CPI da Pandemia, em 2021, na qual criticou o negacionismo por parte do governo federal na gestão da crise de saúde.

Carlos Orsi, por sua vez, é jornalista, escritor, editor-chefe da Revista Questão de Ciência e diretor do IQC. A dupla já recebeu o prêmio Jabuti de literatura, em 2021, pelo livro "Ciência no cotidiano", publicado pela mesma editora.

A nova obra denuncia supostas pseudociências e outros "absurdos que não merecem ser levados a sério", apresentando uma visão panorâmica sobre 12 tópicos polêmicos. Entre eles, acupuntura, constelação familiarastrologia, curas energéticas, dietas da moda, discos voadores e a própria psicanálise.

As áreas de conhecimento abordadas no livro podem ser divididas em dois grupos: as que que reivindicam — de modo ilegítimo, segundo os autores — parte na família das ciências; e as que se dizem baseadas em uma lógica própria, alternativa à atitude científica, para interpretar a realidade.

A divisão, entretanto, varia de acordo com a conveniência dos defensores de cada pseudociência, de acordo com os especialistas. 

"Uma mesma doutrina (homeopatia ou acupuntura, por exemplo) pode apresentar-se primeiro como 'apoiada em estudos científicos' e, logo em seguida, [...] como 'baseada em saberes tradicionais dotados de lógica própria', e isso sem que seus defensores gaguejem", escreveram em e-mail com exclusividade ao Byte. As respostas da entrevista foram assinadas por ambos.

Na passagem em que discorrem sobre diferentes abordagens psicoterapêuticas, os autores comparam o trabalho de Freud, tido como o pai da psicanálise, a uma "Disneylândia discursiva". Eles apontam uma possível falta de embasamento científico em conceitos básicos dessa vertente e até resgatam relatos de pacientes que acusam Freud de implantar neles memórias inexistentes.

Grande parte dos efeitos experimentados pelos defensores dos tratamentos abordados no livro são atribuídos ao placebo — tal fenômeno, esse sim, teria base científica e bioquímica, na visão do casal.

Mas isso não basta para que Pasternak e Orsi se convençam de que tais métodos sejam financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É o caso da medicina tradicional chinesa (MTC), da constelação familiar e da homeopatia, ofertadas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

No livro, vocês criticam temas considerados científicos por muita gente, como a homeopatia e a acupuntura. Para reivindicar reconhecimento, essas áreas apresentam estudos que defendem a eficácia dos tratamentos. O que invalidaria tais estudos?

Pasternak e Orsicomo explicado nos capítulos que abordam em detalhes as práticas de homeopatia e acupuntura (dentro do capítulo de medicina tradicional chinesa), ambas alegam efetividade em estudos que carecem de rigor metodológico adequado.

Quando se analisa a literatura científica sobre essas terapias, descobre-se que quanto maior a qualidade do estudo, menor o efeito específico. Por isso, há um amplo consenso científico de que ambas as terapias na verdade não passam de placebos.

Os diversos estudos, revisões sistemáticas e meta-análises que embasaram este consenso científico estão todos referenciados e explicados nos respectivos capítulos.

"Que bobagem: Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério" chegou às livrarias na sexta (14)
"Que bobagem: Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério" chegou às livrarias na sexta (14)
Foto: Divulgação

O que consideram que a pandemia trouxe de mudança para o cenário das pseudociências?

Pasternak e Orsi: uma coisa que ficou clara é a facilidade com que processos e tipos de raciocínio típicos da pseudociência se infiltram no meio científico e entre profissionais que deveriam estar mais bem preparados.

Mas isso não é uma mudança exatamente, é uma constatação. Se algo mudou, foi a consciência pública dos riscos da pseudociência em saúde, principalmente graças ao ativismo do Instituto Questão de Ciência.

A obra equipara a psicanálise a discos voadores e chega a chamar o trabalho de Sigmund Freud de "Disneylândia discursiva". O que aconteceu para que a psicanálise gozasse do prestígio do rigor científico quando, na visão de vocês, não o mereceria?

Pasternak e Orsi: a psicanálise se beneficiou de uma série de conjunturas históricas, que vão desde o gênio publicitário de Freud (que conseguiu “se vender” como descobridor do inconsciente, por exemplo) até a queima de seus livros pelos nazistas, o que revestiu a doutrina de uma aura heroica, aos olhos dos intelectuais da época.

Depois da Segunda Guerra, principalmente na França, filósofos começaram a incluir conceitos psicanalíticos em suas análises políticas e literárias, transportando as ideias de Freud do campo clínico para o da cultura. O que as manteve “respeitáveis” por razões extra-científicas, mais ligadas a tradição e hábitos intelectuais.

Natalia Pasternak
Natalia Pasternak
Foto: Divulgação/Cristina Pye

A ciência também pode cometer erros e estar sujeita a subjetividades. A ginecologia, originalmente contaminada por preceitos machistas, e as teorias raciais, que permearam o Brasil durante o século 19 e 20, são dois exemplos. Como podemos analisar contextos em que a ciência erra?

Pasternak e Orsi: todos os sistemas de crenças, teorias e doutrinas criados pelo ser humano para tentar explicar o mundo erram e estão sujeitas a contingências históricas e vieses subjetivos.

A ciência, se praticada corretamente, descobre, critica e corrige os próprios erros, e é isso que a destaca de todos os demais chamados “modos de saber”. Muitas doutrinas políticas e visões de mundo religiosas ainda reservam à mulher um papel restrito ou veem uma humanidade dividida em raças, por exemplo, enquanto a ciência já deixou para trás, há tempos, a hipótese de que as mulheres são menos capazes do que os homens. E a genética já determinou que raça é um conceito social, não biológico.

Hoje, boa parte do esforço para aumentar a diversidade nos laboratórios e grupos de pesquisa vem, exatamente, do reconhecimento da força dos vieses individuais e da ideia de que a multiplicidade de pontos de vista pode trazer a interpretação mais objetiva possível das evidências. Essa foi uma lição que a ciência aprendeu com os erros do passado.

E é nesse contexto que os erros devem ser vistos – lamentando as vítimas do falso conhecimento, e incorporando as lições ao fazer científico do presente.

Brasil foi palco de teorias racistas embasadas pela ciência
Brasil foi palco de teorias racistas embasadas pela ciência
Foto: Modesto Brocos Gómez/Wikimedia Commons

O Sistema Único de Saúde (SUS) contempla itens da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que por sua vez contém algumas das pseudociências citadas no livro, como a medicina tradicional chinesa (MTC). Vocês também discorrem sobre os efeitos bioquímicos que o placebo comprovadamente tem sobre os pacientes. Por que, na visão de vocês, seria inválido investir nesses tratamentos mesmo assim?

Pasternak e Orsi: a discussão completa do efeito placebo está na introdução do livro, mas resumindo: placebos são inconsistentes – nem sempre funcionam, e seu efeito varia muito de pessoa para pessoa. E mesmo quando “funcionam”, o efeito se restringe a certos sintomas (um placebo não vai fazer um câncer entrar em remissão).

Além disso, terapias cujo único efeito é o placebo são antiéticas, porque prometem ao paciente uma coisa (um efeito específico, diretamente derivado do suposto mecanismo de ação da terapia) e entrega outra (um efeito placebo, genérico, que poderia ter vindo de uma conversa com um médico atencioso ou de uma pílula de açúcar).

O uso da constelação familiar no Judiciário brasileiro é classificado como uma prática "alarmante" pelos autores. Podem falar um pouco mais sobre isso?

Pasternak e Orsi: a constelação familiar se propõe a resolver problemas de saúde mental, traumas e desajustes familiares impondo aos participantes a ideia de que cada pessoa tem um “lugar certo” na família, e esse “lugar certo” é definido segundo uma hierarquia patriarcal e machista, onde ao homem e pai tudo é permitido e perdoado, enquanto a mulher e os filhos de ambos os sexos devem se submeter.

Há inúmeros relatos, alguns já reproduzidos na imprensa, de vítimas de violência doméstica que foram retraumatizadas ao passar por processos de constelação.

No Judiciário especialmente, o uso desse procedimento na tentativa de resolver disputas familiares, como guarda de filhos ou divórcios litigiosos, põe a mulher numa posição vulnerável e perigosa, social e psicologicamente.

Carlos Orsi
Carlos Orsi
Foto: Divulgação/JP Hoshikawa

No livro, vocês reconhecem que apontamentos seus sobre falácias científicas podem ser interpretados por parte do público como "vaidade intelectual", em um mundo no qual pessoas podem escolher não usar a ciência para guiar suas decisões. Como é, para vocês, denunciar teorias pseudocientíficas nesse contexto?

Pasternak e Orsi: Não é nosso objetivo ditar como as pessoas devem pensar ou em que devem acreditar – mas o mundo está repleto de conteúdo (livros, artigos, postagens em mídias sociais) promovendo pseudociências, e muito pouco mostrando às pessoas por que seguir esses sistemas pode não ser uma boa ideia.

Nosso trabalho tem, como primeiro objetivo, tentar equilibrar um pouco o jogo: se alguém tiver uma curiosidade sincera sobre se homeopatia pode ser uma boa opção de tratamento médico, é desejável que ela encontre, ao fazer sua pesquisa, algo além de propaganda de clínicas homeopáticas ou manifestações do CFM em defesa dos colegas.

As pessoas seguem sendo livres para recusar a ciência na hora de decidir sobre suas vidas; mas é importante que façam isso de olhos abertos, que saibam que estão, efetivamente, rejeitando a ciência, e não se enganem achando que estão seguindo uma “ciência alternativa igualmente válida”. Nosso trabalho é permitir que se façam escolhas informadas.

Fonte: Redação Byte
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