Entenda a polêmica do entregador que confronta o iFood com vídeos no YouTube
Canal do youtuber entregador já possui mais de 35 mil inscritos e alguns dos vídeos ultrapassam 40 mil visualizações
O entregador e youtuber do canal Ralf MT, Ralf Alexandre Campos Elisiário, de 43 anos, deu o que falar quando vazou um contrato de serviços do iFood com um dos seus operadores logísticos. Ralf também publicou o vídeo de um representante da empresa sendo repreendido por um juiz, em audiência que discutia um processo movido por entregador contratado no sistema OL ("Operador Logístico").
A denúncia de Ralf incomodou tanto as empresas envolvidas que, três dias após a publicação do vídeo da audiência em seu canal, o iFood recorreu na justiça de forma sigilosa pedindo que o conteúdo audiovisual fosse retirado do YouTube. Os advogadosNydia Maria Ramos de Almeida e Adriano João Boldori defenderam que tratava-se de uma divulgação "indevida e ilícita", que a expunha de maneira vexatória.
Em resposta, o juiz não autorizou a retirada do vídeo, alegando que o processo não corre em segredo de justiça, e a gravação está sujeita ao princípio da publicidade. A investigação do caso foi realizada e publicada pelo veículo The Intercept.
O contrato que Ralf mostrou em seu canal evidencia que as empresas, também chamadas de operadores logísticos e "intermediadas" pela plataforma, possuem diversas obrigações previamente estabelecidas, e serve para mostrar aos entregadores que muitas delas não são cumpridas.
Uma delas, por exemplo, é manter os meios de trabalho dos entregadores em "perfeitas condições de uso e segurança". Outro ponto interessante é que o iFood responsabiliza essas empresas por registrar os trabalhadores na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), e por pagar "salários, vales e encargos sociais, trabalhistas, previdenciários e acidentários". A gigante também obriga a intermediada a excluir o iFood de qualquer tipo de processo, seja cível, criminal, trabalhista ou administrativo.
A companhia de pedidos e entrega pede, no mesmo contrato, que todos os entregadores desse sistema estejam disponíveis durante o período de almoço, das 11h às 18h, sendo a carga horária de sete horas, com uma para o próprio almoço; e durante o jantar, das 18h01 até às 23h, com a carga horária de cinco horas corridas sem intervalos.
Entregadores "nuvem" e OL: qual é a diferença?
Há diferentes tipos de contrato para entregadores do iFood, o sistema Nuvem e o sistema OL, este último implementado durante a pandemia da covid-19. Basicamente, o entregador "nuvem" aguarda alguém pedir uma corrida e pode ficar esperando em qualquer rua. Quando não quiser mais trabalhar, pode desligar o app e ir para casa. A ferramenta ajuda a encontrar uma entrega próxima, o trabalhador faz, e depois recebe pelo serviço.
Já o OL ou "operador logístico", que foi instaurado depois e, para Ralf, precariza o serviço dos entregadores, é um sistema no qual uma empresa menor, contratada pelo iFood, gerencia um grupo de prestadores de serviço "fixos". Algumas das frotas desse sistema possuem até 400 trabalhadores em São Paulo, e usam motos, bicicletas ou patinetes.
Ao contrário dos que são "nuvem", os entregadores OL possuem uma escala de trabalho semanal e precisam cumprir horário fixo todos os dias, tendo direito a uma folga por semana quando combinada com antecedência. Mesmo cumprindo horários fixos, nenhum desses trabalhadores possuem direito a salário fixo, férias, folgas remuneradas ou 13º salário.
"O trabalhador operador logístico já é CLT, só que sem direitos. Ele tem horário para entrar, para sair, para almoçar, e não tem direito a décimo terceiro, férias, aluguel da moto, cesta básica, entre outros benefícios", diz Ralf em um de seus vídeos, publicado no YouTube em seu canal Ralf MT.
Assim como o líder Galo de Luta, Ralf faz parte do movimento "Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos", que busca organizar os entregadores e reivindicar seus direitos. Eles esperam se reunir com o governo Lula para apresentar suas demandas o mais breve possível.
Byte conversou com Ralf para entender melhor as demandas dos entregadores. Segundo o youtuber, ele tem sofrido perseguições por conta do que tem denunciado, e até já sofreu ameaças, mas infelizmente não pode provar porque não gravou.
"Quando surgiram, elas [as empresas operadoras logísticas] ainda não eram tão processadas, hoje são muito. A Sis Motos, que hoje é Sis Express, por exemplo, faliu e deu calote nos entregadores, o iFood que está sendo obrigado a pagar", conta ele. "Para fugir das ações, o iFood vai transformar as OLs em franquias em breve".
Em seus vídeos, Ralf diz que o novo sistema já começou a ser testado em Salvador, e foi confirmado pelo vice-presidente do iFood, Diego Barreto. Embora não se saiba ainda exatamente como vai funcionar, uma das franqueadas oferece um valor fixo de R$ 7,50 por rota, e mais R$ 4,70 por hora logada no app.
Afinal, o que os entregadores querem?
De acordo com Ralf, o que a categoria mais busca é seguridade social, pois muitas famílias ficam desamparadas após a morte de entregadores, além de aposentadoria, reajuste anual, aumento nas taxas, o fim da entrega dupla e a implementação do sistema de OLs em formato CLT ou o fim desse formato.
Hoje em dia, ele explica que a Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos também está se reunindo com estudiosos e intelectuais para pensar formas de melhorar a vida dos trabalhadores. "No nosso movimento é tudo estudado, analisado, e esperamos que no novo governo, a prioridade seja nos ouvir", alega.
O entregador também defende que os trabalhadores mais antigos tendem a respeitar a CLT, enquanto os mais novos foram ensinados que não é um bom tipo de contrato. Mas acredita que o que não pode ser permitido é que esses aplicativos não tenham vínculo empregatício com os trabalhadores. "Queremos ter uma verdadeira autonomia. Podermos sentar, negociar valores. Já existe um app que faz isso hoje em dia para corridas, o inDriver".
O que diz o iFood
Quando contatado por Byte, o iFood defendeu que "o pedido para a remoção de vídeo mencionado na ação judicial foi apresentado com o objetivo único de preservar a imagem e a integridade física do preposto”, algo que já tinha sido declarado ao jornal The Intercept.
A empresa também esclarece que a relação com as empresas parceiras é de "intermediação e não de terceirização" e por isso "não tem qualquer ingerência sobre o negócio e o relacionamento do operador com seus entregadores”.
A gigante comentou ainda que acredita que o diálogo e a pluralidade de ideias dentro dos limites da lei é parte fundamental da democracia e para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual, e reforçou seu compromisso com "a melhoria contínua do ecossistema da plataforma", defendendo que tem buscado iniciativas que aperfeiçoem o modelo das OLs.
Os processos envolvidos no caso ainda seguem na justiça.