Entregadores de apps podem comer refeição de quem não desce para pegar?
Alguns motoboys viralizaram com casos do tipo, mas podem sofrer implicações na plataforma. Clientes também podem ser banidos dos apps
Enquanto a conveniência de apps de delivery como iFood, Rappi, Delivery Much e outros tornou-se um padrão moderno, uma questão delicada emergiu: o que acontece quando entregadores de comida são solicitados a subir até os apartamentos para entregar pedidos?
Algumas cenas se tornaram virais nas redes sociais. Em edifícios residenciais, motoboys muitas vezes são solicitados a subir vários andares para entregar refeições diretamente nas portas dos clientes.
Como forma de resistência, os funcionários se recusam a fazer a entrega diretamente no apartamento e em algumas vezes, comem o alimento. No entanto, essa prática, por vezes, traz implicações para os funcionários, clientes e empresas.
Em um dos casos, o motoboy Pedro Júnior debocha da situação e fala: "aí o lanchão para nós. Acha que vou reclamar? Não vou!", afirma. O vídeo, postado no TikTok em 10 de abril, já teve mais de 419 mil views.
Em outro, de maio e com 2,2 milhões de visualizações, ele relata um caso parecido com outro colega. "O cara não quis descer, não queria passar o código, aí chamou a polícia, querer prender o moleque dentro do apartamento (...) acusando de roubo". "Motoboy não é obrigado a subir. Pediu iFood, espera na portaria", sentenciou.
Quais são os direitos e deveres dos entregadores de apps?
O Brasil, como muitos outros países, testemunhou uma rápida expansão da chamada economia dos aplicativos nas últimas décadas. Para se ter ideia, pesquisa de 2023 realizada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) mostrou que aproximadamente 1,6 milhão de trabalhadores atuam nos apps, sendo que entregadores somam 386 mil.
À medida que o país continua a se adaptar a essa nova realidade, a busca por um equilíbrio entre a comodidade moderna e o respeito aos direitos dos trabalhadores se torna cada vez mais urgente.
“Quando esse tipo de coisa acontece [que o cliente pede para subir], eu falo que não subo. Muita falta de respeito com nós”, disse em entrevista ao Byte um entregador da grande São Paulo que preferiu não se identificar.
O iFood afirmou que adota políticas contra esse tipo de situação. Ao Byte a empresa informou que casos como esses acontecem por conta uma norma social existente em alguns lugares, que precisa ser desconstruída coletivamente.
“O entregador deve entregar o pedido no primeiro ponto de contato que existe na residência da pessoa, ou seja, no portão de uma casa ou portaria de um condomínio; não há obrigatoriedade de subir no apartamento do cliente”, disse a companhia.
No que diz respeito aos direitos, Bruno de Paula, advogado especialista em direito e processo do trabalho, explicou que atualmente no Brasil ainda pende uma legislação específica para o trabalho por aplicativo. Aliás, essa é uma pauta que deve ser julgada ainda este ano pelo Congresso.
“Ou seja, atualmente os terceirizados são apenas parceiros de serviço efetuando o cadastro nas plataformas existentes, laborando em jornada, dias e locais que efetivamente lhe convém”, afirmou.
Apesar dos entregadores não serem obrigados a subir aos apartamentos, o iFood disse que comer a comida também não é uma conduta adequada e que pode causar restrição e/ou desativação da conta do funcionário.
"A nossa recomendação é que o entregador relate o ocorrido com o cliente no suporte e aguarde as orientações que serão dadas para cada caso — que pode ser devolução ou descarte do pedido. É crucial reportar para o suporte também esses casos, para que avaliações negativas por parte do cliente não afetem a conta do entregador", disse a empresa.
Para Bruno de Paula, a entrada na residência do morador é um facultativo do entregador e não um requisito para eventual vínculo a ser perseguido.
O motoboy que nos deu entrevista afirmou que a prática de comer comida é feita por alguns trabalhadores que querem "dar uma de engraçadinhos".
"Mas acho que isso vai de cada um; tanto a educação individual do motoboy como a do cliente. Quando isso [comer a comida] acontece, acaba 'queimando' um pouco quem trabalha direito", afirmou.
O que o cliente deve fazer em caso de "comeu minha comida"?
O advogado Bruno de Paula diz que as empresas sempre buscam parceiros que utilizam lacres de violação. "Caso o lacre esteja violado, o cliente deverá entrar em contato pelos canais do restaurante ou mesmo aplicativo para que seja efetuada a troca ou reembolsado o valor pago pela alimentação", afirmou.
Em caso de extravio ou violação do conteúdo por parte do motorista, o cliente poderá, por meio da plataforma, registrar sua reclamação. Isso é recomendável por meio de fotos e vídeos para haver provas, e se comprovado, o valor da entrega será reembolsado.
Obrigações do cliente
O iFood criou uma política de cancelamento de pedidos (disponibilizada no portal iFood News e no app) que reforça as responsabilidades dos clientes. Uma delas é retirar o pedido no primeiro ponto de contato em até dez minutos, a partir da chegada do entregador.
Segundo o motorista, esse é um dos conflitos entre quem paga e quem entrega. "Um dos grandes problemas que deixa os motoboys bravos com os clientes é a demora para buscar o pedido, principalmente em apartamento, isso tinha que mudar", afirmou.
De acordo com o iFood, caso o entregador ou entregadora chegue ao destino informado pelo cliente dentro do prazo estipulado e o cliente não busque o pedido no primeiro ponto de contato ou não responda a mensagem de acordo no chat, o pedido será cancelado sem opção de reembolso.
Neste cenário, quem paga poderá entrar em contato com o iFood para contestar a possibilidade de reembolso pela área de ajuda do aplicativo. O caso será analisado pela equipe de atendimento.
A empresa reforça que constantemente, comunica nos canais e dentro do app do iFood a não obrigatoriedade do motoboy de subir até os apartamentos para realizar a entrega dos pedidos. "Fazemos essas comunicações tanto para os entregadores, quanto para os nossos clientes", disse.
A companhia de delivery disse ainda que em algumas localidades já estão criando leis sobre o tema, proibindo que os clientes exijam que o entregador suba até o apartamento.
No Rio de Janeiro, a Lei 8.799/2020 determinou que condomínios não podiam impedir a entrega de mercadoria diretamente na porta de casa, apartamento ou sala comercial. A legislação foi criada durante o período de isolamento por causa da pandemia de covid-19.
"Entendemos que isso é uma conquista para a categoria e que as normas também podem ter um caráter educativo para transformar condutas. Acreditamos que é por meio de um esforço coletivo entre o poder público, as plataformas e a sociedade que alcançaremos o cumprimento efetivo. Reforçamos que a valorização dos entregadores e entregadoras é uma prioridade para o iFood", disse em nota.
O Byte procurou outras empresas de delivery, como Rappi e Delivery Much, para comentarem sobre o tema, mas não conseguiu retorno.