Estação Aurora: estamos mesmo próximos de ter um hotel no espaço?
Projeto pode se tornar o primeiro hotel no espaço. Mas quais são as reais chances de passarmos as férias em órbita ao redor da Terra?
A ousada ideia de estabelecer a Estação Aurora como o primeiro hotel em órbita do mundo movimentou o mercado global de turismo.
O anúncio oficial ocorreu em abril do ano passado durante a Conferência Space 2.0 em San Jose, na Califórnia.
A bordo de uma estrutura com tamanho semelhante a um jatinho particular de grande porte, os passageiros iriam pairar a 320 quilômetros acima da superfície da Terra e desfrutar de uma vista incomparável de suas luzes de norte a sul.
A excursão não sairia barata: a jornada de 12 dias a bordo da Estação Aurora, programada para ser colocada em órbita até 2022, começa em nada módicos US$ 9,5 milhões (R$ 36 milhões) por pessoa. Mesmo assim, a empresa garante que já há uma lista de espera de sete meses.
"Parte de nossa experiência é dar às pessoas o gosto da rotina de um astronauta profissional", diz Frank Bunger, fundador e CEO da Orion Span, empresa por trás da Estação Aurora.
"Mas imaginamos que a maioria dos passageiros ficará mais interessado em olhar pela janela, ligar para seus conhecidos e, caso fiquem entediados, temos o que chamamos de 'holodeck', uma experiência de realidade virtual. Nela você pode fazer o que quiser; você pode flutuar no espaço, andar na Lua, jogar golfe."
Imagine a Estação Aurora, que foi objeto de uma campanha de crowdfunding no início de fevereiro, como uma versão mais simples, porém luxuosa, da austera Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
Haverá algumas semelhanças: em ambas, os visitantes (quatro convidados com dois funcionários) irão cochilar em sacos de dormir, a comida será congelada a seco, e todos os passageiros terão de passar por um rígido exame de saúde antes do lançamento.
Além de contemplar as estrelas e a Terra, espera-se que os visitantes da Aurora passem parte de sua estadia realizando experimentos de microgravidade, como o cultivo de alimentos, hoje feito por equipes da ISS. Mas também haverá algumas diferenças: a água será importada da Terra - em vez de processada a partir da urina dos participantes.
Passo para a humanidade
Muitos da comunidade científica enxergam esse como o próximo grande e inevitável salto para a humanidade. Mas as viagens especiais de civis estão, quando muito, em seu estágio embrionário. Enquanto a mídia demonstra entusiasmo com a Aurora, os especialistas do setor são bem mais cautelosos.
"A Estação Aurora é uma ótima engenhoca", comenta Christian Laesser, do Centro de Pesquisa de Turismo e Transporte da Universidade de St. Gallen, na Suíça. "Mas resta saber se ela será mesmo implementada."
"No momento, o turismo espacial é uma área onde a realidade, as fraudes e a ficção científica estão tão misturadas que fica difícil distinguir a expectativa da realidade", acrescenta Robert A. Goehlich, da Universidade Aeronáutica Embry-Riddle, o único no mundo a dar uma aula dedicada ao turismo espacial.
Ambos concordam que o turismo espacial já existe. Ele começou em 2001, quando o americano Dennis Tito teria pago US$ 20 milhões (hoje R$ 75 milhões) à Agência Espacial Russa por uma visita de sete dias à ISS. Alguns países já estão se preparando para o futuro da indústria; dez espaço-portos comerciais já estão tomando forma nos Estados Unidos, por exemplo.
Eric Stallmer, presidente da Federação Comercial de Voo Espacial e possivelmente o maior entusiasta da Estação Aurora, aponta que os EUA têm regulamentações como o Ato para a Competição Comercial de Lançamento Espacial, aprovado em 2016, que trata de questões como passivos, indenização, partes responsáveis e riscos.
Goehlich e Laesser não são do contra, mas ambos preferem esperar para ver se as empresas de turismo espacial de civis podem mesmo entregar o que oferecem e como isso ocorrerá. Ainda é preciso definir, por exemplo, os padrões de segurança e engenharia para um veículo espacial civil.
Bunger descreve a Estação Aurora, com sua tecnologia de ponta, sistemas simplificados e área menor (diminuindo os riscos de colisões com micro-meteoros), mais segura que a ISS. Mas até ele admite que isto não é uma certeza até o momento da decolagem.
Isso levanta outras questões relevantes ainda não abordadas - de onde será lançada a estação e de onde os passageiros serão retirados quando retornarem à superfície da Terra.
Indústria de promessas
Além disso, esta é uma indústria em que definir datas é uma receita para a decepção. A Virgin Galactic, que teve seu primeiro voo de teste bem-sucedido em dezembro, está nove anos atrasada; a SpaceX e a Blue Origin ainda estão testando seus veículos; e a XCOR Aerospace declarou falência em 2017.
Existe uma possibilidade muito real de que os candidatos mais antigos nas várias listas de espera possam "passar da idade", ou desenvolver condições de saúde que os excluam. Nem o módulo da Estação Aurora começará a ser construído até o final deste ano.
Além disso, há os problemas de saúde. No caso da Estação Aurora, pessoas que sofrem de claustrofobia, mesmo que leve, devem pensar duas vezes antes de reservar um quarto em um cômodo de 13 metros de comprimento por três metros de diâmetro - lembrando que você não vai poder abrir uma janela.
Como os objetos, incluindo os fluidos no corpo, tendem a se elevar em baixa gravidade, os convidados devem se preparar para algumas selfies de rosto inchado e com enjoos enquanto o estômago se ajusta à ausência de peso.
A exposição prolongada à gravidade zero enfraquece os ossos e altera radicalmente a estrutura do globo ocular afetando a visão. Como são apenas 12 dias sem gravidade, os passageiros não terão que se preocupar, mas a equipe de serviço, sim.
Felizmente, a microgravidade não prejudica a menstruação (embora problemas com o armazenamento de itens sanitários e a limitação de água para higiene possam levar as astronautas a tomar pílula). Por causa da cinética envolvida, a Nasa exige que os astronautas se abstenham de sexo, o que pode tirar um pouco do romance de uma viagem como essa.
Mais alarmantes são as partículas com carga elétrica que entram na cabine e podem causar danos genéticos. Embora tenham um forte isolante, os veículos espaciais ainda não são totalmente à prova de radiação cósmica.
Os astronautas relataram ter visto flashes de luz - os quais os pesquisadores acreditam ser de raios cósmicos atingindo os nervos ópticos ou o córtex visual no cérebro.
"Você não pode executar uma missão espacial, principalmente uma missão comercial tripulada, no modo 'vamos tentar e ver se funciona'", alerta Goehlich.
"Você precisa de uma operação segura de naves espaciais, uma operação sustentável e, finalmente, uma operação economicamente lucrativa."
Mas Laesser vê o turismo espacial como uma progressão natural, observando que os ambientes extremos apenas retardaram sua exploração, mas não a impediram.
"Se voltarmos 30 anos, a Antártida era um destino inviável, e agora as pessoas estão indo para lá. Nós temos essas novas fronteiras, e o espaço é apenas a mais recente a, possivelmente, se abrir."
Exatamente quando essa fronteira estará de fato aberta, no entanto, ninguém tem certeza.
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