Exposição e exaustão marcaram geração youtuber de PC Siqueira, diz pesquisadora
Youtuber de 37 anos foi encontrado morto em apartamento na zona sul de SP; nos últimos anos, era investigado por acusação de pedofilia
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O youtuber Paulo Cezar Goulart Siqueira, conhecido como PC Siqueira, de 37 anos, foi encontrado morto na quinta-feira (27) em seu apartamento na zona sul de São Paulo. Ele foi um dos primeiros vloggers do YouTube brasileiro e chegou a ter 2 milhões de inscritos em seu canal.
Sua carreira meteórica, que passou pela MTV e definiu paradigmas na comunicação digital, sofreu um baque em 2020, quando foi acusado de compartilhar fotos pornográficas de uma criança de seis anos de idade.
Para Issaaf Karhawi, membra do Com+, núcleo de pesquisa de comunicação e mídias digitais da USP (Universidade de São Paulo), o criador de conteúdo fez parte de uma primeira geração de influenciadores digitais brasileiros que tiveram a separação entre vida pessoal e profissional derrubada de maneira inédita.
Em meados dos anos 2010, PC Siqueira, Felipe Neto e outros nomes usavam o YouTube para o vlog, um tipo de diário pessoal em vídeo em que misturavam histórias pessoais com comentários sobre assuntos diversos. "Isso cria um borrão entre o público e o privado, trazendo consequências particulares, como exaustão e violências digitais", disse Karhawi ao Byte.
Para a pesquisadora, essa primeira geração de youtubers também foi a primeira a experimentar uma quebra de expectativa em uma suposta democratização trazida pela internet. "Apesar de hoje reconhecermos que essa horizontalidade [da web] não é tão democrática quanto parecia", comentou.
Como podemos definir o PC Siqueira dentro da história da internet brasileira?
Issaaf Karhawi: Ele foi parte de uma geração pioneira que mostrou a possibilidade de viver financeiramente da internet e de ser youtuber. Essa geração, que inclui também Felipe Neto, não só começou a era dos youtubers no Brasil, mas também representou uma nova forma de mídia.
O PC fez parte dessa cultura participativa, onde não era necessário integrar a mídia tradicional para ter voz. Essa primeira geração de youtubers brasileiros foi crucial na democratização da mídia, permitindo a qualquer um ser um veículo de mídia.
Vloggers como PC e Felipe Neto se expunham bastante no começo. Acha que esse comportamento hoje permanece na produção de conteúdo?
Issaaf Karhawi: A internet tem uma configuração mais horizontal em comparação com a mídia tradicional, o que justifica a euforia inicial com as novas tecnologias. Essa horizontalidade criou uma percepção de maior proximidade e intimidade, uma herança que persiste até hoje.
A primeira geração de youtubers brasileiros, sendo pessoas comuns, representava essa proximidade. Assim, a exposição online continua sendo uma característica central, apesar de hoje reconhecermos que essa horizontalidade não é tão democrática quanto parecia.
Tem como se expor online desse jeito sem consequências na vida offline?
Issaaf Karhawi: Atualmente, não é mais possível separar completamente o online do offline, já que estamos constantemente conectados. Isso cria um borrão entre o público e o privado, trazendo consequências particulares, como exaustão e violências digitais.
Esses aspectos são inerentes ao trabalho dos influenciadores digitais, youtubers e tiktokers.
Existem diferenças entre trabalhar como youtuber/tiktoker e ser um comunicador profissional?
Issaaf Karhawi: Youtubers e tiktokers são profissionais no sentido de vender suas habilidades e viver financeiramente dessa atuação. No entanto, diferem dos comunicadores profissionais tradicionais, como jornalistas e publicitários, que passam por uma formação institucional.
Muitos criadores de conteúdo digital são amadores por paixão, não necessariamente acumulando competências profissionais específicas. Isso pode gerar impactos, especialmente em termos de responsabilidade e ética. A principal diferença é que os influenciadores digitais são comunicadores nascidos no digital, carregando características próprias dessa gênese.
Qual o impacto da produção constante de vídeos para a saúde mental dos criadores?
Issaaf Karhawi: A fronteira entre o real e o virtual está cada vez mais diluída, afetando profundamente os criadores de conteúdo. As consequências incluem exaustão e diversos tipos de violências digitais, resultantes do trabalho incessante e da exposição constante.
Os últimos anos de PC Siqueira
Em fevereiro de 2021 a polícia de São Paulo fez uma perícia nos equipamentos de PC Siqueira e não encontrou provas contra o youtuber contra a acusação de compartilhar fotos pornográficas de uma criança de seis anos. O caso, entretanto, ainda estava em aberto até a data de sua morte.
Ainda assim, PC sofreu forte rejeição nas redes sociais e se viu isolado de outras personalidades que antes o acompanhavam em projetos profissionais e vida pessoal, como o humorista Rafinha Bastos e o também youtuber Cauê Moura.
Problemas de estado emocional foram apresentados por PC em suas últimas manifestações públicas. Em sua última publicação feita nas redes sociais, falou sobre solidão no Natal.
"Feliz Natal para você que não tem família, não tem muitos amigos ou não tem grana para fazer festa. Você não está sozinho", disse ele em publicação no dia 24 de dezembro.