Fetos com órgãos "invertidos": o que está causando disparada de casos na China?
Médicos apontam que a causa pode estar relacionada com o encerramento da política de tolerância zero à covid do país, no final de 2022
Os primeiros sete meses de 2023 trouxeram surpresas para muitas famílias da China. De acordo com um relatório publicado no New England Journal of Medicine na última quinta-feira (2), houve um aumento significativo – e inexplicável – de fetos com situs inversus, condição congênita rara em que os órgãos no tórax e abdômen estão dispostos de forma espelhada em relação às posições normais.
O número de fetos identificados com essa condição quadruplicou no período pesquisado em comparação com os números históricos, segundo os médicos. A boa notícia é que, apesar de rara, a maioria das pessoas com a condição tem expectativa de vida normal.
Pesquisadores de dois grandes centros obstétricos nas cidades de Xangai e Changsha combinaram seus registros clínicos de janeiro de 2014 a julho de 2023. A descoberta foi que o total de casos de cada ano era normalmente algo em torno de cinco a seis entre 10 mil grávidas que passaram por ultrassonografias até 2022. Já em 2023, a taxa saltou para quase 24 casos por 10 mil exames de ultrassom.
Ao comparar mês a mês, foi analisado que o aumento de situs inversus começou em abril e continuou até junho, antes de voltar ao número mais baixo em julho. O estudo relatou 56 casos entre janeiro e julho de 2023 entre 23.746 pessoas grávidas submetidas a ultrassonografias.
Os diagnósticos da condição são feitos entre a 20ª e a 24ª semana de gestação. Os autores da pesquisa também observaram que não houve mudanças nos critérios de diagnóstico que pudessem explicar o "aumento surpreendente".
Ligação com a covid-19
Apesar de não existirem evidências concretas, os médicos citam a teoria que o crescimento dos diagnósticos esteja conectado a um aumento nos casos de covid-19 no final de 2022, após a suspensão da política de tolerância zero à covid na China.
Os casos atingiram o pico no final de dezembro, e a onda, que pode ter afetado 82% do país, segundo a pesquisa, se estendeu até o início de fevereiro.
O aumento de situs inversus começou proximadamente quatro meses após o pico nos casos de covid-19. A especulação é que o vírus poderia ter desencadeado a condição diretamente, infectando fetos no útero, ou indiretamente, por meio de respostas inflamatórias maternas.
O relatório divulgado não possui dados de diagnóstico de covid-19 em grávidas portadoras de fetos com a situs inversus. Também não inclui dados sobre fatores genéticos e ambientais que poderiam estar relacionados ao fenômeno. Além disso, não houve comparação com outras ondas de covid-19 na China desde 2019.
Desta forma, os autores admitem que "não se pode chegar a nenhuma conclusão" com base nas informações atuais. No entanto, eles pedem mais pesquisas para entender o que estava por trás do aumento dos bebês com órgãos invertidos e o possível papel do SARS-CoV-2 na situação.