Gene descoberto por cientistas da USP pode ser arma contra a Covid-19
Estudo analisou o material genético de 86 casais sorodiscordantes – nos quais apenas um dos parceiros foi infectado ao longo da pandemia
Pesquisadores da USP identificaram o gene IFIT3 como chave para a resistência ao SARS-CoV-2, abrindo perspectivas para antivirais.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificaram um gene que pode ser chave para a resistência ao SARS-CoV-2, oferecendo novas perspectivas para o desenvolvimento de antivirais. O gene, conhecido como IFIT3, foi encontrado em níveis mais altos em mulheres que permaneceram assintomáticas, apesar do contato direto com cônjuges infectados.
O estudo foi publicado na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology.
O trabalho analisou o material genético de 86 casais sorodiscordantes – nos quais apenas um dos parceiros foi infectado ao longo da pandemia. Entre eles, seis casais se destacaram por um padrão curioso: apenas as mulheres permaneceram resistentes, mesmo após exposições repetidas. Entre os participantes está o casal Maria Tereza Malheiros Sapienza, profissional de saúde, e Marcelo Sapienza, médico infectado duas vezes, em 2020 e 2022.
Os pesquisadores realizaram análises in vitro de amostras de sangue dos casais, colhidas após as infecções iniciais e novamente em 2022, quando os participantes já estavam vacinados. A investigação revelou que as mulheres resistentes apresentavam superexpressão do gene IFIT3, enquanto cônjuges infectados e mulheres do grupo-controle com COVID-19 exibiam baixos níveis de expressão.
“O gene IFIT3 faz parte da resposta antiviral e codifica uma proteína que se liga ao RNA do vírus, bloqueando sua replicação. Assim, embora essas mulheres tenham sido infectadas, o vírus não conseguiu se multiplicar significativamente, impedindo a progressão da doença”, explica o pesquisador Mateus Vidigal, autor principal do estudo e pós-doutorando apoiado pela FAPESP.
Potencial terapêutico
A superexpressão do IFIT3 já havia sido associada à proteção contra doenças virais como dengue e hepatite B, mas esta é a primeira vez que sua relação com o SARS-CoV-2 é confirmada.
“Sem dúvida, o grande resultado da pesquisa é que encontramos um biomarcador de resistência ao vírus. Além disso, o achado torna o IFIT3 um alvo promissor para terapias que potencializem a resposta imunológica contra o SARS-CoV-2 e outros patógenos”, destaca Edecio Cunha Neto, professor da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador do Instituto do Coração (InCor).
Os pesquisadores também observaram que, entre os casais analisados, as células das mulheres resistentes apresentavam maior expressão do IFIT3 quando estimuladas em laboratório com um agente viral sintético que imita o SARS-CoV-2.
“Isso nos permitiu simular o que aconteceu em suas células durante as infecções e entender a resposta diferenciada”, acrescenta Vidigal.
Novas perguntas
Apesar do avanço significativo, o estudo levanta novas questões sobre os mecanismos que levam à superexpressão do gene. “Embora tenhamos identificado um potencial biomarcador de resistência, precisamos aprofundar o entendimento sobre a biologia da resistência. Ainda há muito a ser explorado”, conclui Cunha Neto.
A pesquisa, iniciada nos primeiros meses da pandemia, é mais um exemplo do papel da ciência brasileira na busca por soluções para crises globais de saúde. O achado não só responde a questões intrigantes sobre a COVID-19, mas também aponta para possibilidades no combate a futuras pandemias.