Governo quer retomar PL das Fake News, mas debate sobre pagamento emperra texto
Debate sobre plataformas digitais pagarem por conteúdos jornalísticos e direitos autorais ainda barra o avanço da proposta
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera que o Congresso retome em 2024 o projeto de lei para regular as redes sociais no país, conhecido como PL das Fake News, disse à Reuters o secretário nacional de Políticas Digitais, João Brant.
No entanto, o debate sobre plataformas digitais pagarem por conteúdos jornalísticos e direitos autorais ainda barra o avanço da proposta, segundo Brant e o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
O texto está parado na Câmara dos Deputados desde maio, quando Silva pediu ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o adiamento da votação diante da falta de apoio para aprovação, depois que plataformas de redes sociais se mobilizaram para barrar a proposta.
De acordo com Silva, a regulação das redes sociais "não vai evoluir" sem um acordo sobre a remuneração pelas empresas de tecnologia.
Para contornar divergências, lideranças na Câmara incluíram os temas relativos a pagamentos em outra proposta, de relatoria do deputado Elmar Nascimento (União-BA). Este projeto, no entanto, também não prosperou até o momento.
Para o secretário nacional de Políticas Digitais, os dois temas "se entrelaçaram", o que criou uma condição "mais desafiadora" para aprovação.
"O governo está dialogando sobre o projeto de lei e espera que se crie uma condição favorável para a sua aprovação no começo de 2024", disse Brant em entrevista.
Segundo ele, a proposta está em negociação e depende de "acordos", mas o secretário não mencionou quais pontos poderiam ser suavizados.
"Não é uma atenuação significativa, eu diria que são preocupações. O nosso pressuposto nas negociações é não descaracterizar o projeto", afirmou.
Para o relator da matéria, o governo pode criar condições políticas de apreciação do projeto se "abrir mão de pontos de vista" -- sem especificar quais seriam estes assuntos.
"O governo não controla a pauta e não tem maioria para votar. E, na medida em que coloca temas novos que geram controvérsia, cria sempre mais dificuldades", disse Silva à Reuters.
O parlamentar afirmou que concluiu um texto com "uma solução para regime de responsabilidade, transparência, devido processo para moderação de conteúdo", após conversas com o governo, a indústria, a sociedade civil e internamente na Câmara. O relator não divulgou a nova versão da proposta -- segundo ele, para não atrapalhar possíveis acordos.
Na terça-feira, após hackers invadirem o perfil da primeira-dama Janja Lula da Silva no X, antigo Twitter, Silva disse esperar que "esse fato estimule o governo do presidente Lula a refletir" sobre a urgência de aprovar o projeto.
"O Congresso que temos é esse, para aprovar não dá pra ficar fazendo marola", escreveu o deputado na rede social.
A versão do PL das Fake News apresentada em maio não contém um trecho específico sobre o hackeamento de perfis, mas prevê regras para a moderação de conteúdo considerado ilícito e multas às plataformas em caso de descumprimento. A invasão de aparelhos eletrônicos é crime previsto no Código Penal desde 2012.
FISCALIZAÇÃO
Apesar da ausência de detalhes sobre os pontos em disputa, Brant e Silva reconheceram que ainda não há consenso sobre como fiscalizar o cumprimento das normas pelas plataformas digitais.
Silva retirou este ponto do texto inicial e defende a sua inclusão em outra proposta, o que ainda está indefinido.
"Não é função do Congresso definir como o Executivo vai se organizar. Isso não deveria ser um elemento de impasse, mas acaba sendo", disse Brant.
"É um tema à parte que também demanda um nível de acordo político, mas, no momento de arrematar o projeto, o governo precisa apresentar ou sinalizar para o Congresso o que imagina com o mecanismo de fiscalização."
Segundo o secretário, o desenho do órgão fiscalizador "ainda está em avaliação no governo".
O Senado aprovou o PL das Fake News em junho de 2020. Desde então, o texto aguarda análise da Câmara. A proposta teve uma série de alterações e, se aprovada pelos deputados, precisa ser chancelada novamente pelos senadores. O Palácio do Planalto patrocinou o avanço do PL das Fake News no primeiro semestre deste ano, após o uso das redes sociais para incitar invasões aos prédios dos Três Poderes e o estímulo a ataques armados em escolas.
Às vésperas da votação, plataformas de redes sociais se mobilizaram para barrar a proposta. O Google publicou um link na página inicial de seu buscador com críticas ao projeto, e o Telegram enviou aos usuários brasileiros uma mensagem contrária à proposta.
Procuradas para comentar a respeito da tramitação do projeto, Google, Telegram, TikTok e X não responderam. A Meta informou que não comentaria.
O Kwai disse que "acompanha e apoia" o debate sobre o tema e "respeita as leis e regulamentações dos países onde opera para garantir a proteção dos usuários e prevenir a disseminação de conteúdo prejudicial."
A Reuters tem parcerias com Meta e TikTok para checagem de fatos no Brasil.