Influenciadores de investimento podem ser grandes roubadas; entenda
Órgãos governamentais estão de olho em perfis produzindo conteúdos que acabam desregulando o mercado de capitais
Influenciadores digitais têm aparecido em plataformas como YouTube e TikTok prometendo ganhos fáceis usando táticas ou golpes como “robôs de Pix” e similares. Muitas vezes, essas pessoas nem sequer têm alguma formação ou experiência no mundo dos investimentos. É um panorama que pode trazer riscos altos para o público que acredita nessas promessas fáceis.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conhecida como a "xerife" do mercado brasileiro, tem prestado muita atenção neste fenômeno. Em agosto, a autarquia pediu ao Twitter dados sobre contas que estariam divulgando conteúdos sobre investimentos sem a devida qualificação para isso.
No Brasil, existem certificações que delimitam quem pode ou não realizar recomendações ou vendas de investimentos na posição de analistas. São títulos que exigem a aprovação em exames criteriosos e regulados. O desafio fica em delimitar onde é o limite entre realizar essa atividade e a liberdade de expressão de influenciadores que compartilham suas experiências financeiras online.
Ricardo Gomes, analista certificado CNPI, recebeu o informativo sobre o pedido da comissão e desde então não foi procurado para nenhum esclarecimento. “Eu recebi o comunicado do Twitter via e-mail e mais nada. Chequei o processo no sistema da CVM que o email referenciou e, na minha última busca, o processo não existia”, disse.
Em sua página, Gomes compartilha suas impressões sobre o impacto de eventos políticos em investimentos, balanços operacionais de empresas, além de conteúdos da esfera de sua vida pessoal.
“Tudo que eu publico segue as regras de autoregulação. A entidade que me regula é a Apimec (Associação de Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais). Então, sem informação nova, é onde eu estou: cumprindo as regras que já cumpria”, afirma.
Procurada por Byte, a CVM afirmou que “não tem a intenção de tolher o exercício da liberdade de expressão de ninguém, desde que não sejam invadidos os perímetros de atuação de agentes regulados do mercado autorizado pela autarquia”.
“Há situações em que é possível observar, por exemplo, influenciadores digitais atuando de forma a realizar análises de investimento e recomendações. Esta ação pode, inclusive, promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais”, disse. O órgão afirmou que pretende publicar neste ano uma análise de impacto regulatório dos influenciadores no mundo dos investimentos.
Como evitar cair em furadas
Na hora de escolher qual conteúdo consumir na internet para aprender mais sobre investimentos, o primeiro passo é o bom senso. O internauta deve fugir de perfis que prometem soluções fáceis e rápidas para ganhar dinheiro.
Osvaldo Cervi, vice-presidente do conselho de administração na Planejar, associação de planejamento financeiro, lembra que não existem milagres para aumentar o patrimônio. “Para cada história de sucesso, a exemplo da loteria, onde milhões jogam para poucos ganharem, há 999 histórias de fracasso. Se o influenciador propõe receitas fáceis deve ser visto e ouvido com muito cuidado. Não existe almoço grátis”, diz.
Por outro lado, os criadores de conteúdo não devem ser evitados a todo custo. A chave é saber selecionar os que têm ou não formação para fundamentar o que estão dizendo. Vale pesquisar o histórico do influenciador para constatar a real experiência dele no assunto.
Entidades como a própria CVM, o Banco Central e a Anbima também disponibilizam conteúdos que educam financeiramente os internautas.
“A notícia ruim, se assim posso chamar, é que dá trabalho aprender. Por isso muita gente escuta os influenciadores. Eles tendem a tratar assuntos que exigem mais profundidade de forma superficial e isso pode levar as pessoas a decisões financeiramente mais pobres”, diz Cervi.
Influenciadores podem ser responsabilizados
Para Pedro Torres, advogado especialista em investimentos, o criador de conteúdo pode arcar com consequências ao recomendar aplicações. “Essas tentativas de manipulação de mercado ou de ‘dicas veladas’ com intuito comercial podem sim gerar a responsabilização do influenciador não só perante a CVM, mas também nas esferas cível e criminal”, diz.
Os influenciadores que promovem dicas ruins podem, ainda, ser responsabilizados por internautas que caíram em ciladas, respaldados pelo Código de Defesa do Consumidor. O advogado defende que isso também ocorre se houver uma relação de consumo e o influenciador tiver ligação direta com o bem ou serviço anunciado.
Outra possibilidade seria construir a tese da responsabilidade objetiva, ou seja, de reparação por danos causados aos consumidores vindos de vício do produto, independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Por fim, também pode ser penalizado por propaganda enganosa, na visão de Torres.
O receio dos influenciadores pode ser visto com frequência nos vídeos. Os criadores falam que seus conteúdos "não se tratam de dicas de investimento”. Mas, muitas vezes, este cuidado fica só no discurso. Por isso, criadores como Julia Mendonça, que conta com quase 600 mil inscritos em seu canal no YouTube, são favoráveis à fiscalização por parte da CVM.
“Tem muita gente irresponsável no mercado, que pega as coisas pelo alto e já quer ensinar o outro. A pessoa fala um monte sobre sobre um investimento e depois finge que não, falando no final do vídeo que ‘não é uma recomendação de investimento’”, diz.
Ela ressalta que, muitas vezes, vídeos de investimentos mais sofisticados acabam chegando a pessoas que estão em etapas mais iniciantes na vida financeira. “Muitos ignoram essa parte e ficam falando só de uma opção de investimento, sem reconhecer que existem outros que podem ser comparados”, diz.