'Economia circular é fundamental para atingir objetivo sustentável', diz gerente do Pacto Global
Para Gabriela Otero, é importante relacionar as diferentes metas da ONU e não tratar a questão apenas do ponto de vista ambiental
A economia circular é peça fundamental para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), na opinião de Gabriela Otero, gerente do Pacto Global responsável pelo tema no Brasil. A iniciativa tem como objetivo mobilizar empresas na busca pelo cumprimento das metas da ONU nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção.
Gabriela acredita na importância de pensar os objetivos de forma conectada, como relacionar metas de igualdade de gênero, educação, trabalho e meio ambiente. Também defende que a economia circular não seja vista apenas pela lógica verde. "Saímos dessa alcunha só do ambiental, mas ainda estamos numa economia circular, na qual o ambiental se beneficia do social e se beneficia do econômico."
Ao aderirem ao Movimento Conexão Circular, do Pacto Global, as empresas se comprometem com metas como zerar resíduos para aterro até 2030 e implementar negócios circulares. Ações que se conectam com outro projeto, o Blue Keepers, criado para engajar empresas, governo e sociedade civil no combate à poluição dos oceanos, principalmente com resíduos plásticos.
"Nosso papel é poder dizer para as marcas: 'Olha, você sabia que está aparecendo um monte de tampinha da sua garrafa, um monte de rótulo do seu produto?'", diz Gabriela. "A gente começa a trabalhar essa prevenção a partir do problema real." Um estudo realizado pelo Blue Keepers em 2022 estimou que cada brasileiro pode poluir os mares com 16 quilos desse tipo de resíduo por ano.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast.
De que forma a economia circular é relevante para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU?
Brinco que precisamos parar de dar cor para a economia. Temos de começar a dar forma. Quando dizemos verde ou azul, as pessoas já associam a bandeiras e ao ambientalismo. Ao falarmos de circularidade, de círculo de retorno, conseguimos comunicar melhor. Temos de fazer alguns links básicos. A gente olha para o ODS 5, por exemplo. Ele aborda gênero, tema tão necessário no Brasil, País em que há mais mulheres do que homens e onde há mulheres negras em maior situação de vulnerabilidade. De que forma eu consigo estimular uma economia, um financiamento para as iniciativas delas, que vão influenciar na educação dos seus filhos ou que vão influenciar na educação da sua família? Uma sociedade que cumpre todas essas urgências consegue olhar de forma mais generosa para o meio ambiente. Esse retorno influencia todas as esferas. Então, a economia circular não é ambiental: é econômica. E, nesse econômico, estamos falando do equilíbrio e do retorno.
Por meio do Movimento Conexão Circular, há ações com empresas de diferentes setores para zerar a geração de lixo e implementar um modelo de circularidade. Como garantir que as companhias cumpram as ações? Como essas empresas têm se posicionado quanto às metas do Pacto Global?
Quando a empresa decide entrar no pacto, já subiu um degrau da escada. Ela tem um propósito para entrar no pacto. A partir daí, vai se comprometer publicamente a atingir duas opções de metas. A primeira é sobre zerar resíduos para aterro até 2030. Já a segunda meta diz respeito a ter um negócio circular implementado. A gente procura avaliar se estão cumprindo o que entendemos como inclusão, de uso de recursos naturais, de processo produtivo otimizado, de embalagens que sejam mais duráveis e que circulem ou que sejam retornáveis. A gente faz essa trilha olhando para diferentes negócios. O que tem sido desafiador são os níveis e também a diversidade de negócios com os quais a gente tem lidado.
Como a economia circular se relaciona com as iniciativas de financiamento sustentável e qual o papel desses programas na redução do impacto ambiental?
O primeiro passo é financiar. Essas linhas de financiamento são linhas específicas, com juros menores, com maior acesso. Então tem de ter critérios, certo? Não posso dizer que se trata de um projeto que diminui as emissões se, de fato, ele não diminuir - ou mesmo se ele conseguir essa redução, mas aumentar a desigualdade ou a contaminação de recursos hídricos. Hoje existem corpos técnicos em agências financiadoras que olham os projetos para que o recurso seja concedido. O quanto isso é importante? Iniciativas, principalmente as que promovem o fim de desigualdades e a inclusão de raça, são projetos que promovem por si só a economia circular. Quando fomentamos um negócio na periferia, promovemos renda e ainda evitamos o deslocamento dessa pessoa para os grandes centros urbanos. Já temos aí um impacto em trânsito, em emissões, em saúde mental, em qualidade de vida. Saímos dessa alcunha só do ambiental, mas ainda estamos numa economia circular, na qual o ambiental se beneficia do social e se beneficia do econômico.
Como funciona a interação entre o Blue Keepers, projeto também desenvolvido pelo Pacto Global, e as empresas participantes? Como cobrar pelo cumprimento das metas?
O Blue Keepers percorre o Brasil inteiro fazendo coleta dos resíduos que poluem manguezais, margens de rios e praias. Há coleta em Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Brasília e Santos, por exemplo. Estabelecemos uma área de pesquisa, coletamos e identificamos o tipo de material e de produto. A gente começa a comparar e ver que há muita coisa comum, que é possível conseguir um benefício no Brasil todo se houver uma política setorial de combate. A gente parte do oceano e vai atrás da fonte de poluição. Esse tipo de dado me ajuda a pensar a economia circular. Nosso papel é poder dizer para as marcas: 'Olha, você sabia que está aparecendo um monte de tampinha da sua garrafa? Está parecendo um monte de rótulo do seu produto?'. A gente começa a trabalhar essa prevenção a partir do problema real. Hoje, são quase 40 mil itens catalogados.
Em relação à regeneração da economia circular, como é possível resolver a questão do plástico no mar, especialmente o microplástico?
Quando a gente fala em regenerar sistemas naturais, está dando vários passos atrás, porque não é possível solucionar um problema de microplástico presente no oceano. O mal está feito. O microplástico veio de um macroplástico, de uma embalagem ou um produto que foi parar no oceano, navegou e foi se desfazendo. Ao invés de a gente pensar na lógica da remediação, da restauração, está falando numa valorização do seu status de funcionamento produtivo natural. Quando eu olho para pequenos produtores desde dos primórdios da humanidade, desde que deixamos de ser nômades e nos assentamos, a gente produz, cultiva e com respeito ao tempo, à sazonalidade, ao tipo de cultivo adaptado localmente. Então, é dar esse passo atrás e voltar para esse funcionamento respeitoso e equilibrado.
Com reportagem de Daniel Aloisio, Letícia Ozório, Ma Leri, Mayane Santos, Michelle Pértile, Ramana Rech e Rogério Júnior